Alessandro Barcellos começa 2021 de uma forma quase inacreditável. Se pensarmos que ele só virou conselheiro do Inter em 2014, sete anos depois assumir a presidência é realmente uma ascensão quase meteórica. Vice de futebol de janeiro a setembro de 2020, ele receberá oficialmente nesta segunda-feira (4) a caneta que assinará os documentos em nome do clube do coração.
Não será, porém, um novo trabalho. Pela primeira vez no século, a direção colorada será substituída em meio à temporada, fruto da reorganização de jogos em razão da pandemia. Por isso, o novo presidente deixa claro: antes de qualquer coisa, há de se finalizar o Brasileirão. Sobre essa e outras questões, ele atendeu a reportagem de GZH.
Qual será sua primeira ação quando sentar na cadeira da presidência?
A gente já vem trabalhando nessa transição, algumas questões já estão sendo encaminhadas de formas compartilhadas, de forma que quando assumirmos a presidência, no dia 4 à noite, no dia 5 vamos só dar continuidade, agora com a responsabilidade de quem assina. Temos um tema importante que é a continuidade do campeonato. Ou seja, a garantia de que o trabalho seja realizado de forma tranquila e que possa no dia 7, contra o Ceará, ter um bom resultado. Fora de campo, tem as questões administrativas e financeiras que começam a se movimentar, e precisamos enfrentar esse tema de forma urgente. Olhar para o fluxo de caixa, os pagamentos que temos de honrar, as negociações de dívida de curto prazo. E vamos continuar o processo de montagem com o CEO, os executivos que queremos. Teremos um acompanhamento de metas e indicadores, com o planejamento muito bem organizado. Até para fazer correções de rotas que precisarem ser feitas.
Como chegaram ao nome de Paulo Bracks para ser diretor-executivo?
Fizemos um levantamento em relação ao mercado, à forma de trabalho, ao estilo de composição de equipe, buscamos informações do perfil do profissional e encontramos no Paulo o nome adequado ao momento em que vivemos. Queremos aproximar ainda mais os profissionais às categorias de base, reforçar a ciência de dados, e quem chega precisa ter isso presente, porque vai ser usado no dia a dia, e o tema da comunicação são elementos importantes. O Paulo conjuga dessas questões e vai poder moldar e construir sua atuação em torno desses pilares.
Como está a busca por um coordenador técnico?
Estávamos analisando isso por conta do perfil. Queremos acertar o máximo, e às vezes a premência do tempo nos coloca a tomar decisões erradas ou antecipadas. Vamos avaliar essa posição. No projeto se mostrava importante. No vestiário, ouvi, durante 10 meses, que é impossível um executivo fazer todas as funções dentro de um departamento de futebol, é preciso dividi-las com expertises para isso. A relação do coordenador técnico com as áreas médicas, com o treinador e com os atletas, nesse início, será feita pelo Paulo, mas vamos avaliando alguém com o perfil para fazer isso.
Precisa ser um ex-jogador?
Não necessariamente. Nem olhamos para esse perfil como sendo jogador. Claro que alguns nomes que apareceram eram de ex-jogadores, até porque tem alguns fazendo essa função. Precisa de alguém que dê conta da tarefa, que é complexa.
Precisa ter conhecimento de Inter?
Não. Precisa conhecer futebol. Precisa conhecer dinâmica de vestiário, fisiologia, organização interna, relação com a área médica. Queremos ter mais proximidade com os processos todos, sob pena de termos uma direção executiva cuidando de contratação de jogador, da comunicação, do orçamento, da relação com a base. São lacunas que observamos que terão profissionais responsáveis por isso, para equilibrar o departamento e dar atenção a todas as áreas.
Abel Braga se encaixaria como coordenador técnico?
Olha, se me permite dizer isso, não vou falar em hipóteses que não existam hoje. O Abel é nosso treinador. Tive poucas conversas com o Abel, a partir de agora vamos conviver mais, saber quais são os planos e os projetos de vida. Ele aceitou um desafio tremendo, está aqui conosco. Falar sobre outras questões antes de conversar com ele sobre o planejamento é falar sobre o vazio, e não vou fazer isso, mas temos certeza absoluta de que o Abel é a pessoa ideal para nos levar a lutar pelo título do Brasileirão. É o homem certo, no clube certo, no momento certo.
O senhor foi vice de futebol de um técnico estrangeiro (Eduardo Coudet). O que teve de bom e de ruim, como foi essa situação?
Tive essa experiência e percebi, dito inclusive por pessoas que têm mais tempo de vestiário do que eu, uma mudança em método e em volume de trabalho, de forma de atuação e preparação. É uma outra escola, e traz necessidade de adaptação dos atletas. Aconteceu nesse caso uma mudança de trabalho, o que é normal quando se muda uma comissão técnica. Foi um elemento importante desde a preparação física. Era um momento de pandemia, não se podia ter contato por uma boa parte do tempo, então em grupos menores se possibilitou o desenvolvimento de questões de mecânica de jogo. Tivemos dificuldades em outras questões, que, com a saída do treinador, tiveram de ser trabalhadas de outras formas. A chegada do Abel teve o problema da falta de tempo, e agora podendo treinar conseguiu colocar o método dele. São escolas diferentes, todas são vencedoras. A escola brasileira tem uma história linda, e agora estão surgindo novos treinadores no país. O fundamental é que os jogadores tenham boas condições físicas, técnicas e táticas para que o aspecto coletivo funcione.
Sobre futebol, à exceção do Inter, quais times o senhor gosta de ver jogar?
Gosto de times que joguem para a frente, com futebol que encha os olhos. Claro que todos tiveram dificuldades nesse momento, mas o Liverpool é um. Joga para a frente, busca o gol. Aqui no Brasil, o Flamengo de 2019 jogou muito bem, aguerrido na marcação, de transição rápida.
O senhor lembra que teve um time que venceu esse Flamengo por 5 a 0 na Libertadores, né (alusão ao Independiente del Valle, do técnico Miguel Ángel Ramírez, que deve assumir o Inter após o Brasileirão)?
Mas esse time também joga para a frente, é muito bom. Falei mais nos expoentes mundiais. Teve outros times que jogaram muito bem, mas esses que citei chamaram a atenção.
O que acha do Independiente del Valle?
Um time que jogava futebol rápido, transacional, interessante.
Sua gestão assume o Inter sem a principal figura do time nos últimos 12 anos. D'Alessandro foi uma espécie de norte para a torcida, nos bons e maus momentos. Como será sem essa liderança?
Nesses últimos dias, falei algumas vezes sobre D'Alessandro e a importância dele para a história do clube. Então vou falar sobre liderança. Ela não é forçada, surge a partir dos liderados e vem ao natural. E não existe vácuo nesse espaço, alguém toma esse lugar. O Inter tem alguns jogadores que assumem essa função. Vamos estar sempre monitorando, porque é importante dentro e fora de campo. Vamos fomentar lideranças nos nossos grupos para nos conduzir às vitórias. Nosso capitão, Rodrigo Dourado, está recuperado de uma lesão grave, e outros jogadores já têm essa condição de assumir a liderança.
E na questão pessoal? Dias atrás, conversamos com o presidente Marcelo Medeiros, que comentou: desde 2017, nunca mais dormiu sem tomar remédio. Como o senhor se prepara e sente esse momento?
Sem dúvida, a responsabilidade é muito grande. Tivemos dois terços dos votos na maior eleição de clubes do país, a maior votação de presidente da história do Brasil. Isso aumenta ainda mais (a responsabilidade). É um desafio gigante transformar nosso trabalho em resultado em campo. Envolve uma engrenagem grande, não é um botão que o presidente aperta e as coisas funcionam. Tenho procurado me cercar de pessoas competentes, que demonstraram sucesso e resultado em diversas áreas. Mas é claro que dorme menos, se preocupa mais, que quando termina de resolver uma questão surgem outras 10 tão importantes quanto. Os 90 minutos do futebol nos fazem ver todas as áreas funcionando. Sei do que o presidente Marcelo Medeiros passou nesses quatro anos, mas sempre com as expectativas de repetir os dias de comemoração e festas que a torcida quer. Essa é a busca incessante do cara que acorda de manhã e vai dormir pensando: "Como vamos levantar as taças?". É essa cultura que queremos.
Para qual dia gostaria de voltar?
Bah, rapaz. Aquele jogo contra o Barcelona é um dia inesquecível. Se pudesse voltar naquele dia, todos os colorados e coloradas gostariam.
Mas antes do Mundial precisa vencer o Gauchão.
Importante. É um torneio que não ganhamos nos últimos anos, e o clube que mais ganhou esse campeonato não pode se desacostumar. O Campeonato Gaúcho dá lastro para ganhar outros títulos. Mas antes disso, ainda temos o Brasileirão, faltam 11 rodadas e vamos brigar até o final.