Odair Hellmann passará por uma situação praticamente inédita em uma vida quase toda dedicada ao futebol. As camisetas vermelhas (ou brancas, provavelmente) estarão penduradas no vestiário ao lado. O Inter será seu oponente a partir das 18h deste domingo (16), pela terceira rodada do Brasileirão, no Maracanã.
A cena só não será mais impactante para o profissional de 43 anos, 29 deles ligados profissionalmente ao esporte, 17 ao Colorado, porque o jogo não é no Beira-Rio, onde nunca entrou pelo acesso do visitante.
O atual treinador do tricolor carioca chegou ao Inter, vindo de Salete-SC, em 1991, quando tinha 14 anos. O estádio colorado virou sua casa, e não no sentido figurado. Morava embaixo da arquibancada no início de sua trajetória na categoria de base. Aliás, o volante fez bastante sucesso antes de se profissionalizar, colecionou convocações para seleções de variadas idades, foi até capitão. Não estaria errado quem dissesse que, dentro de campo, Odair fez mais sucesso na base do que no profissional.
Foi entre os guris que conquistou seu título mais expressivo. Em 1998, era o líder do grupo campeão da Copa São Paulo de Juniores, posto que o fez entrar na temporada com status de promessa. O resto da história é conhecida: foram poucas oportunidades em times que decepcionaram bem mais do que triunfaram, e Odair foi uma das vítimas do processo. Já no ano seguinte, passou a ser um andarilho da bola.
Nessas andanças, ele mesmo já falou em oportunidades anteriores, criou um laço especial com duas equipes: Remo e Fluminense. Em Belém, foi recebido com abraços efusivos e lembranças carinhosas nas ocasiões em que o Inter esteve lá, em 2018 e 2019. No Rio de Janeiro, repetiu a história do RS, sendo técnico de um time no qual foi também jogador.
Inclusive a experiência de Odair como volante do Fluminense se deu no pior momento dos 118 anos de fundação. Rebaixado, falido e desesperado, o clube encarou a Série C de 1999, que tinha equipes como o Dom Pedro, do Distrito Federal, com um time formado por bombeiros.
Na primeira fase, ficou atrás do Serra, do Espírito Santo. Mas avançou em um grupo que tinha ainda Anapolina, Goiânia e Villa Nova-MG. Desta vez sem brigar na Justiça, o Tricolor resolveu disputar o que tinha pela frente e conquistou o título, sob comando de Carlos Alberto Parreira.
Saiu no ano seguinte, voltou ao Inter, mas ficou um gostinho especial de sua família pelo Rio. Na época, moraram em um apartamento em Copacabana. Repetiria o bairro quatro anos mais tarde, quando vestiu o vermelho e branco do América-RJ. Dezesseis anos e sete clubes depois, os Hellmann estão de volta aos pés do Cristo Redentor.
Agora, mudou de região. Obstinado pelo trabalho, fez de tudo para se concentrar exclusivamente no Fluminense. Então repetiu algumas decisões que tomou ainda no Inter. A começar pelo auxiliar, Maurício Dulac, parceiro no Beira-Rio, que agora o acompanha em terras cariocas. E trocou Copacabana pela Barra da Tijuca, onde fica o CT do Flu. Antes da pandemia, já tinha dedicação quase exclusiva ao futebol. Agora, então, nem se fala.
— Ele só faz o trajeto casa-trabalho e trabalho-casa. Eu nem saio — diz Jacqueline, mulher e companheira de Odair há mais de duas décadas.
Eles levaram a filha mais jovem, Vitória, de 18 anos, para o Rio. Os outros dois, Giovanna e Guilherme, permaneceram em Porto Alegre. Com a eclosão da covid-19, a família não consegue se reunir. Odair esteve na Capital há uma semana, quando enfrentou o Grêmio, e não pôde encontrar os filhos em razão dos protocolos de segurança estabelecidos para o Brasileirão. Apesar de estarem acostumados a viver nos mais variados lugares (os familiares sempre acompanharam o pai por onde jogou), os Hellmann agora enfrentam a distância.
— É um momento de incertezas sobre a doença, preferimos não arriscar. Quando melhorar, vamos nos juntar. Isso vai passar — completa Jacqueline, sempre otimista.
E otimismo é um sentimento que o Papito precisa. É que o Odair que chegou ao Fluminense no início do ano não é mais o volante jovem que buscava espaço no futebol no final da década de 1990. O desembarque nas Laranjeiras teve o reconhecimento de um trabalho elogiado no Inter, time que assumiu ainda sem vaga garantida na Série A em 2017 e no qual deixou sempre classificado (ou encaminhado) à Libertadores dos anos seguintes, mas com a carência de um título — com a dor de ter perdido um Gauchão para o Grêmio nos pênaltis e, a mais dolorida das derrotas, a decisão da Copa do Brasil para o Athletico-PR.
Longevidade
Neste primeiro encontro de Odair Hellmann com o Inter, é importante relembrar os números do treinador no comando do clube gaúcho. Ele foi o técnico mais longevo do Beira-Rio desde Rubens Minelli e seu time bicampeão brasileiro nos anos 1970, ou seja, há quase 45 anos.
Os números
116 jogos
61 vitórias
27 empates
28 derrotas
151 gols marcados
89 gols sofridos
60% de aproveitamento
Vice-campeão da Copa do Brasil e vice-campeão do Gauchão, ambos em 2019