Passada a tensão da estreia na Libertadores, é hora de analisar a atuação do Inter em território chileno. Embora tenha voltado para o Beira-Rio com um empate por 0 a 0, onde uma vitória simples dará a classificação à próxima fase, o jogo de ida trouxe algumas lições. A principal delas: o técnico Eduardo Coudet terá de repensar o meio-campo formado por quatro volantes de origem.
Graças à filosofia implementada pelo treinador, o time colorado conseguiu propor o jogo, obtendo quase 70% de posse de bola e trocando mais de 500 passes (mais da metade que o adversário). No entanto, não traduziu isso em superioridade no placar, nem mesmo com um jogador a mais por quase todo o segundo tempo. Para se ter uma ideia, foram apenas duas finalizações em direção ao gol - uma a mais do que a Universidad de Chile.
— Estamos buscando justamente a maior velocidade nos movimentos com bola, finalizar mais rápido, gerar maior quantidade de jogadas de gol. Mas vamos fazendo isso com trabalho — defendeu-se Coudet, que também apresentou o calendário como justificativa para mudanças mais conservadoras.
Este será o desafio do argentino: em pouco tempo, fazer com que seus volantes deixem de ser reativos e passem a ser construtores. Em Santiago, Rodrigo Lindoso foi o jogador que mais acertou passes (68). Porém, não deu uma assistência sequer para finalização e, dos quatro lançamentos realizados, acertou apenas um.
— Talvez o ideal fosse usar o D'Alessandro naquela posição, mas ele precisaria ter uma combatividade que não tem mais. Ali precisa ser um meia de verdade, que são Gerson ou Diego, no Flamengo. O Coudet pegou o Lindoso, que no ano passado jogava de primeiro volante, e colocou como meia. Mas, de fato, ele não tem criatividade para jogar nessa função de ligação. Um meio-campista completo precisa ter a combatividade do Lindoso e a criatividade do D'Alessandro. E, no elenco do Inter, não tem esse jogador — analisa Paulo Vinícius Coelho, comentarista do SporTV.
Essa necessidade foi sentida pelo próprio Coudet quando, após a expulsão de um jogador da La U, chamou do banco de reservas Thiago Galhardo, Marcos Guilherme e Gabriel Boschilia. Com isso, recuou D'Alessandro para a segunda função do meio-campo e Edenilson para a lateral direita.
— Ele (Coudet) está fazendo o que River e Flamengo, finalistas da Libertadores do ano passado, fizeram. Cada um no seu 4-1-3-2. A partir daqui, vamos discutir se os laterais são suficientemente bons para dar apoio, se D'Alessandro dá profundidade como atacante. Isso tudo é ajuste. O conceito, ele tem — comenta PVC.
Exemplo no passado
Aos poucos, a mecânica de jogo desejada pelo treinador argentino é absorvida no Beira-Rio. Pode parecer uma revolução para quem, nos últimos anos, se acostumou a uma metodologia de jogo mais voltada ao contra-ataque. Mas, há referências na história que podem ajudar Coudet a fazer o time dar um passo à frente.
A Seleção Brasileira campeã na Copa do Mundo nos Estados Unidos, por exemplo, já exibia um funcionamento tático semelhante ao exigido pelo treinador. O recuo do volante, o avanço dos laterais, a chegada dos meias no ataque. Tudo isso estava na equipe comandada por Carlos Alberto Parreira.
— Vai muito da cultura do treinador e dos valores disponíveis no time. Às vezes, os dois volantes se adiantam e a defesa fica isolada, ou recuam muito e o ataque fica isolado. Tem que haver uma ponte. No caso daquele time de 1994, o Mauro Silva recuava e fazia um triângulo com os zagueiros, os laterais se adiantavam e o Dunga fazia a ligação com o Raí, Mazinho ou Zinho. Assim, o time se mantém equilibrado — explica o treinador — Em 1970, já se fazia isso e nem eu ou o Zagallo falávamos em saída de bola. Era parte natural do jogo. O Brasil sempre soube sair jogando, a gente apenas não fazia alarde. Não é uma novidade — sentencia Parreira que, no Tri Mundial do México, era um dos preparadores físicos.
O técnico tetracampeão mundial também faz ressalvas quanto aos jogadores que compõem o meio-campo. Na sua visão, eles precisam contribuir com a construção ofensiva. Na comparação entre os dois times, a função exercida por Rodrigo Lindoso no Inter de hoje cabia a Dunga na seleção de 26 anos atrás.
— Esse jogador tem que ser um organizador, um cara que pense o jogo, distribua passes e se aproxime da área. Tem que ser inteligente, com visão de jogo. O Dunga fazia isso, mas na hora que perdia a bola, recuava e fazia dupla com o Mauro (Silva) — conclui ele.
Há pouco tempo pela frente. Antes de receber os chilenos na próxima terça-feira, pelo duelo de volta, o Inter terá que enfrentar o Novo Hamburgo, no sábado, pela última rodada do primeiro turno do Gauchão. Desta forma, o time que entrar em campo no fim de semana pode dar pistas sobre o que será escalado três dias depois.