Vinte e sete anos atrás, o pai ainda era o filho, e as grandes taças haviam se tornado artigos raros e de luxo no Beira-Rio. Desde o tricampeonato nacional invicto de 1979, o Inter comemorava apenas conquistas Estaduais e os colorados alimentavam um sentimento que crescia a cada frustração: a eterna esperança. Os sonhos destroçados pelos uruguaios do Nacional, na final da Libertadores de 1980, ou mais além pelo Flamengo e pelo Bahia, quando o Inter foi bi-vice nacional, nas temporadas de 1987 e de 1988, ou mesmo em um pênalti do atacante paraguaio Raúl Amarilla, na Copa Libertadores da América de 1989, de repente, tinham um prazo de validade: 13 de dezembro de 1992.
Toda a dor represada por anos foi embora quando Célio Silva levantou uma polvadeira na marca do pênalti da goleira do Gigantinho, chutando um tanto de bola, um tanto de areia, e dando ao Inter a sua inédita e até hoje única Copa do Brasil. Naquele começo de noite no Beira-Rio, o abraço solidário aos qual os colorados haviam se acostumado, para consolar amigos e parentes, para dividir as tristezas, se tornara euforia, lágrimas e orgulho pelo time de Antônio Lopes. O Inter voltava ao cenário nacional. A Goethe foi fechada uma vez mais pelos colorados.
O anos de 1992 entrou para a história do clube como uma espécie de ponte (longa) que uniu a era de glórias dos anos 1970 com o salto de grandeza dos anos 2000, quando até a Terra ficou vermelha. Os anos que se seguiram àquela Copa do Brasil voltaram a ser tempos duros para os colorados. Meses depois de erguer a taça nacional, o Inter caía na fase de grupos da Libertadores, ficando em quarto em um grupo com Flamengo, e os colombianos América de Cáli e Nacional de Medellín. Não fosse por 1992 e por pequenas alegrias, que foram alçadas a grandes glórias, como conquistar o Gauchão de 1997 sobre o time multicampeão do Grêmio, além da goleada de 5 a 2 no Gre-Nal do Brasileirão, no Olímpico, a década colorada foi praticamente perdida. Para fechar a década de 1990, então, um sofrimento que encontraria referência de novo em 2002, com o quase descenso, quando o Inter foi salvo da Segunda Divisão por um gol de Dunga sobre o Palmeiras de Felipão.
É bem verdade que tudo isso preparou os colorados para a era dourada que chegaria a partir de 2006, e que durou cinco anos de grandes conquistas internacionais. Mas, mesmo nos tempos áureos dos 2000, faltou um título nacional. Em 2009, ele bateu na trave duas vezes: na Copa do Brasil e no Brasileirão, com dois vice-campeonatos no ano. O novo Beira-Rio ainda não viu conquistas nacionais - e passou pelas agruras da Série B.
Agradeço que não tinha VAR na época, acho que não suportaria a tensão. Foi a maior conquista da minha adolescência"
FABRÍCIO CARPINEJAR
Escritor e torcedor do Inter
De olhos fechados
Por tudo isso, o campeonato de 1992 não foi apenas um título, um filho único, uma taça solitária. Foi também a libertação de uma geração de adolescentes e de jovens adultos que jamais haviam visto o Inter campeão.
— Eu estava no estádio. Úmido de nervosismo. Não foi uma conquista fácil, sobrando. Fizemos gol de pênalti nos últimos minutos. Célio Silva bateu de olhos fechados. Eu assisti de olhos fechados. Vi o gol com os ouvidos, diante da explosão da nossa torcida. Agradeço que não tinha VAR na época, acho que não suportaria a tensão. Foi a maior conquista da minha adolescência — conta o escritor Fabrício Carpinejar, então com 19 anos.
— Minha ansiedade está controlada. Com um Rivotril separado para cada tempo. Mas tenho fé que o nosso time jogará ao natural no gramado sintético — emenda Carpinejar, que torcerá ao lado do filho Vicente, 17 anos.
O milagre de 1992
O ator Zé Victor Castiel chegou a adiar a estreia de uma peça para assistir à final de 1992. Jamais se arrependeu:
— Ao ficar definida a data, me deu um friozão na espinha. Não pela emoção da expectativa, mas porque naquele dia eu tinha a estreia do espetáculo solo "Conversa ao Pé do Palco", no Teatro do IPE. Esperei chegar mais perto do jogo e avisei para as produtoras que estava com um vírus que atacava a garganta, me deixando completamente afônico, e que o médico recomendara repouso absoluto. Uma estreia! Todos os ingressos vendidos.
Para a final contra o Athletico-PR, porém, meu nome é Zé Humildade E Confiança Castiel. Estou bastante nervoso"
ZÉ VICTOR CASTIEL
Ator e torcedor colorado
Hoje, Castiel diverte-se ao relembrar o que chama de "milagre", que fez com que no dia do jogo ele ficasse bom:
— Pude ir ao Beira-Rio e ver o Célio Silva marcando o gol que nos deu o Copa do Brasil. Para a final contra o Athletico-PR, porém, meu nome é Zé Humildade E Confiança Castiel. Estou bastante nervoso.
Nostradamus colorado
O humorista André Damasceno previu 20 anos antes o título Mundial do Inter. Durante um quadro no extinto programa dos sábados na RBS TV, o RBS Revista, em 1986, ele fez uma brincadeira com o comentarista Paulo Sant'Ana. Imitando o gremista e vestindo a camisa do Inter, Damasceno lembrava que há dois anos cobrava da direção do Grêmio a contratação do jogador Renato Portaluppi Júnior. Na esquete, o falso Sant'Ana não foi ouvido e o Inter contratou Renato Júnior. E, na profecia de Damasceno, Renato Júnior marcou os dois gols que deram aos colorados o "título mundial de 2006".
— Aquela brincadeira foi marcante. Jamais poderia imaginar que aquela maluquice realmente se concretizasse — recorda André Damasceno.
Para a final contra o Athletico, conta que está mais tranquilo do que estava lá na Copa do Brasil de 1992.
— Não fui àquele jogo, mas quase morri no radinho e na TV quando o Célio Silva bateu o pênalti. Acho que vamos empatar em Curitiba e, depois, no Beira-Rio, ganhamos. Estou muito esperançoso. Temos um plantel superior — finaliza o Nostradamus colorado.
Fé une o povo colorado
Um misto de esperança e desconfiança parece reger o sentimento dos colorados para as finais da Copa do Brasil. Apesar dos anos de conquistas de Mundial, Libertadores, Copa Sul-Americana e Recopas, as recentes frustrações parecem soar como um alarme para a torcida.
O jardineiro Orlando Kunzler, 63 anos, recorda do sofrimento de ouvir pelo velho radinho de pilha, em sua casa, na cidade de Alvorada, a conquista de 1992.
— É claro que preferíamos conquistar a Libertadores, mas não deu dessa vez. Agora, temos de ganhar a Copa do Brasil. O Athletico é muito forte em casa, mas, mesmo assim, acho que temos chance de ganhar em Curitiba — diz Kunzler.
O fiel jardineiro colorado ainda morava em Lajeado quando embarcou para Porto Alegre em 12 de dezembro de 1976, a fim de ver ao vivo a conquista do bicampeonato nacional, os 2 a 0 sobre o Corinthians.
— O que me deixa menos nervoso para essa final é que decidiremos a Copa do Brasil em casa. E, no Beira-Rio, somos quase imbatíveis. Só espero que o D'Alessandro não se meta em bronca de novo, como na final de 2009 com o Corinthians (quando foi expulso) — afirma Kunzler.
Menos experiente do que o colorado de Lajeado, o fisioterapeuta porto-alegrense Guilherme Pereira, 34, tinha apenas oito anos quando o árbitro paulista José Aparecido de Oliveira marcou o pênalti em Pinga. Sonha ver o time do coração campeão nacional.
— Quando penso neste jogo contra o Athletico-PR fora de casa, chego a perder o sono. Eles têm um time muito forte na Arena. Acredito que, se perdermos no máximo por um gol de diferença, seremos campeões no Beira-Rio — aposta.
Já o aposentado Cláudio Vaz, 78 anos, escolado nas mais diversas formações e períodos de Inter, entende que o clube segue em processo de reconstrução.
— Depois das barbaridades que fizeram em 2016, essa turma de agora está ainda no caminho da recuperação do clube. Independentemente do que ocorrer nos próximos dias, entendo que o clube deve seguir nesse caminho, manter esse projeto, confiar no Odair Hellmann — emenda.
Vaz se diz "otimista com os pés no chão" sobre a partida na Arena da Baixada. Acredita que, para ter reais chances de título, o Inter não pode repetir o segundo tempo contra o Flamengo, no Maracanã:
— Temos um grupo de jogadores muito experiente. E com talento para não se atrapalhar na Arena. Em casa, dá Inter.