Ao perdoar uma dívida de R$ 25 milhões no apagar das luzes de 2018, o empresário Delcir Sonda, 71 anos, ajudou o Inter a não descumprir, pelo segundo ano seguido, as exigências do Profut, programa de parcelamento de dívidas com o governo federal. A iniciativa do investidor evitou também que o clube tivesse que negociar atletas às pressas.
— A anistia foi importante para o Inter não ter pressa em vender jogadores. Foi um gesto sem nenhuma contrapartida. Está tudo documentado. Vai aliviar o fluxo de caixa durante os próximos dois anos. Foi um gesto histórico — avalia o presidente Marcelo Medeiros.
O Profut estabelece que o déficit do clube não pode ser superior a 10% da receita do ano anterior. O clube estourou esse limite em 2017, quando apresentou um prejuízo de R$ 62,5 milhões, o que motivou uma uma advertência da Apfut (Autoridade Pública de Governança no Futebol), órgão que fiscaliza o cumprimento do Profut.
Como em 2017 o faturamento colorado foi de R$ 246 milhões, o déficit em 2018 não poderia ser superior a R$ 24,6 milhões. Os números de 2018 ainda não foram divulgados, mas, segundo a direção, as cifras estarão dentro das regras do programa. Não fosse o perdão de Sonda, o clube teria que buscar outra receita para cumprir com os requisitos.
— Uma forma ou outra de receita obviamente a gente buscaria para não violar o Profut. Nós temos ativos de jogadores, que poderíamos ter alienado. Nós tínhamos propostas. Mas, como esse tema do Sonda já vinha sendo tratado pelo presidente há mais de 60 dias, nós já tínhamos uma sinalização dessa operação. Com isso, a gente pôde fazer esse movimento da manutenção dos principais jogadores, o que é fundamental para tocar esse ano — afirma o vice-presidente colorado Alexandre Chaves Barcellos.
A dívida de R$ 25 milhões anistiada em dezembro se deve a pelo menos três empréstimos realizados por Sonda nos últimos quatro anos. Impedido desde 2015 de investir em jogadores, por conta de uma mudança nas regras da Fifa, o empresário alterou o seu modelo de parceria com o Inter e passou a emprestar dinheiro a juros baixos. Em vez de colocar craques no Beira-Rio, o mecenas agora ajuda a quitar débitos e a pagar a folha.
— Esse valor (doado) foi de uma ajuda que eu dei, na gestão passada e nessa, para resolver problemas de pagamentos. Não era para contratar (jogadores). Então, agora eu fiz essa doação sem que o Inter precise me pagar. Eu tenho uma paixão por este clube e estou ajudando na área financeira para resolver as questões de folha de pagamento e despesas — explica Sonda.
Em janeiro de 2017, o empresário procurou o presidente Marcelo Medeiros, então recém-empossado, para relatar que um cheque de R$ 5 milhões, repassado a ele ainda na gestão de Vitorio Piffero (2015/2016), não tinha fundos. Os valores foram negociados. Em dezembro de 2017, Sonda fez um novo empréstimo de R$ 12 milhões para ajudar a pagar a folha. Ao longo de 2018, mais um repasse foi feito, aumentando ainda mais a dívida do clube com o seu parceiro.
— O acordo era para começar a me pagar agora em 2019. Mas eu sou um colorado que sabe a dificuldade que esta gestão está passando por causa dos problemas da gestão passada. Como eu não posso mais investir em jogadores, então fiz essa doação. Foi um gesto de amor e de paixão — completa.
Gaúcho de Erechim, Delcir Sonda começou a erguer o seu império no ramo alimentício nos anos 1970. Trabalhando pela empresa da família, era caminhoneiro e transportava feijão de Erechim a São Paulo. Após os negócios se expandirem, fixou-se na capital paulista, onde está sediado hoje o Grupo Sonda. A rede possui 41 supermercados e mais participação em shoppings centers. Segundo sites especializados no mundo corporativo, o faturamento anual do grupo já chegou a bater na casa dos R$ 4 bilhões.
Colorado fanático, Sonda entrou na vida do Inter no dia 2 de abril de 2004, na festa de aniversário de 95 anos do clube. Na ocasião, compareceu à Associação Leopoldina Juvenil como convidado do jornalista Milton Neves, seu amigo de décadas, que seria mestre de cerimônias. Lá, conheceu Fábio Koff, à época presidente do Clube dos 13. Na própria festa, o histórico dirigente do Grêmio apresentou o empresário ao então presidente colorado Fernando Carvalho.
Um ano depois, Inter e Sonda realizaram o primeiro negócio juntos. Foi a aquisição do atacante colombiano Wason Rentería, contratado em 2005 junto ao Boyacá Chicó por US$ 2 milhões (R$ 4,6 milhões). Em 2006, em meio a disputa da Copa Libertadores, o investidor emprestou R$ 2 milhões para o pagamento de dívidas. No ano seguinte, ajudou a recontratar Nilmar, que estava no Corinthians.
O maior investimento da história da parceria ocorreu em 2008, quando Sonda ajudou a contratar o meia Andrés D'Alessandro por US$ 7 milhões. O mecenas ficou com 50% dos direitos econômicos. Depois, o empresário ainda viria a colocar no Beira-Rio o lateral Kléber (2009), o volante Charles Aránguiz (2014) e os atacantes Luis Bolaños (2009) e Carlos Luque (2014).
Foram tantos os investimentos em futebol que o empresário criou a DIS, braço esportivo do grupo, e diversificou os negócios para além do clube do coração. A empresa passou a representar ou investir em mais de 70 atletas, entre eles o meia Paulo Henrique Ganso e Neymar. No entanto, o Colorado era sempre o parceiro predileto.
— Toda vez que falava em investir no Inter para ajudar o clube, o olho dele brilhava — relembra o empresário Luiz Paulo Chignall, ex-representante de Sonda na região sul.
No final de 2014, Sonda comprou 10% dos direitos de Winck, Valdívia, Sasha e Alan Costa por R$ 3,2 milhões, ajudando o clube a pagar dívidas no final da gestão do presidente Giovanni Luigi. Na gestão Piffero, emprestou dinheiro para o clube contratar o meia Anderson, em 2015, e o atacante Nico López, em 2016.
Após perdoar a dívida de R$ 25 milhões, Sonda entende que a sua ajuda será menos necessária daqui para frente.
— Ajudei no momento mais importante da história do clube. Agora, acho que o presidente tem que dar o passo de acordo com a perna e trabalhar com a receita que tem. Hoje, o Inter está com uma gestão muito séria e tem uma folha de pagamento que está sendo cumprida. A postura do Marcelo é muito séria. Não tem contratação fora da curva. Dei os parabéns a ele pela gestão — finaliza o mecenas.