Cinquenta minutos do segundo tempo. A cera paranista arrastara a partida para além de qualquer padrão normal de acréscimos. Rossi tenta uma jogada absurda, inviável e impossível. Avança sozinho da esquerda para a direita, embrenhando-se entre 47 jogadores do Paraná. Não havia opção de passe, não haveria espaço para chute. Era Rossi contra dezenas de jogadores adversários em um lance que não poderia terminar em nada que não fosse recuperação de bola por parte do visitante e o balão para longe que obrigaria o árbitro a apitar o final da partida.
O absurdo funciona. Rossi é derrubado. Falta para nós.
Camilo ajeita a pelota a cerca de 30 metros da baliza do catimbeiro Richard (que roubara, sozinho, uns 15 minutos de jogo em suas enrolações).
Aqui vamos fazer uma parada para explicar o contexto da sequência acima descrita. Havia uma gigantesca euforia do lado vermelho. Era briga pela liderança, pontuação absurda, era Grêmio eliminado. Era o maior centroavante do continente vestindo a nossa camisa, era um enfrentamento em casa, em horário bom, contra o lanterna do campeonato... Não haveria como reunir um clima mais favorável ao Inter do que aquele construído por essa longa lista de fatores.
E é aí que o Inter sempre acaba nos decepcionando. Não há derrota mais certa para o Colorado do que um Inter x Paraná no Beira-Rio. Ainda mais com casa cheia, ainda mais quando a vitória nos colocaria em primeiro lugar na tabela de classificação - mesmo que momentaneamente.
Nós, os quase 45 mil que lotamos o Gigante no domingo, já saímos de casa vacinados. O clima é bom, a fase é ótima e o dia está lindo? Verdade. Somos um dos melhores times do campeonato e vamos enfrentar o pior deles? Com certeza. Temos alguma chance de vitória hoje? Não, nenhuma. Rumamos ao Beira-Rio mais para aproveitar essa fase em que voltou a ser divertido torcer para o Inter do que propriamente com a confiança de que venceríamos o jogo.
E lá estávamos nós, colorados, os maiores responsáveis por ressuscitar cachorros mortos na história do futebol brasileiro. O time mais disposto a passar uma vergoinha contra clubes menores em momentos decisivos. A única instituição futebolística do planeta capaz de vencer o Barcelona e perder para o Boa Esporte. Perderíamos, era uma certeza.
Aí começou o jogo. Aí o primeiro tempo passou com 47 chutes no gol deles. O goleiro defendendo, o juiz sacaneando, eles fechadinhos. Aí rolou um segundo tempo de 75% de posse de bola para nós. E mais defesas do goleiro, e mais chutes para fora, e mais erros absurdos do árbitro contra nós. Tudo no script. Tudo como era imaginado.
Faltava apenas o golzinho canalha do Paraná. O tento que nos tiraria qualquer chance de brigar pela liderança, que enterraria nosso momento anímico, que destruiria a nossa esperança insana de levantar um título neste ano. Uma bolinha infame que beijaria as nossas redes e nos destroçaria por completo. Quarenta e nove minutos, o gol deles não veio.
Cinquenta minutos do segundo tempo, Camilo ajeita a bola.
Cinquenta minutos e cinquenta e quatro segundos, o pé direito do cabeludo encontra a pelota.
Cinquenta minutos, cinquenta e cinco segundos. A bola desenha um arco perfeito no ar, vence a barreira, o goleiro e bate na trave.
Da onde eu estava, ali ao lado da Camisa 12, na goleira oposta, trinta e nove anos se passaram entre o encontro da pelota com o poste e o seu encontro final com as redes. Uma eternidade. Depois de uma manhã inteira de sofrimento, angústia e a certeza de pontos perdidos, bola e rede se encontraram.
A explosão de euforia, loucura e cerveja sem álcool que se deu depois do gol foi algo nunca antes visto no Beira-Rio. O maior público da história do estádio remodelado pulou e berrou de forma tal que o eixo terrestre foi alterado. Porto Alegre registrou o maior abalo sísmico da sua história. As arquibancadas tremeram, o estádio balançou, a cidade pulsou. Ali, tudo mudou.
Nessa remodelada placa tectônica em que nos encontramos, o Internacional vence o Paraná. Nesse novo planeta, o Colorado joga em casa contra o lanterna e vence. Nessa nova era, o Inter não deixa pontos bobos pelo caminho. Vence fora de casa, vence em casa. Vence goleando, vence com gol no último lance. Vence dando show, vence na bola de sorte.
Seja como for, o Inter vence.
Do jeito que der, o Inter conquista os três pontos.
Que mundo lindo para se viver.