Só faltou a contagem regressiva, uma multidão que narrasse - número a número - do "dez" até os gritos de "feliz ano novo". Na noite desta terça-feira, no Beira-Rio, 2016 finalmente acabou. Trinta e cinco mil almas festejaram in loco o arrancar da mais dolorosa página das nossas existências, com direito a um exorcismo de proporções épicas, daqueles que jamais será esquecido enquanto acompanharmos este esporte.
O período que se encerrou nesta décima oitava rodada de Série B começou lá em 2015. É isso aí: 2016 começou em 2015 e só acabou em 2017. A chegada de Argel Fucks ao comando técnico do Inter - após a demissão de Diego Aguirre e o fiasco daquele inominável Gre-Nal - foi o primeiro capítulo da mais escatológica das nossas histórias.
Argel encerrou um 2015 sem brilho e foi o capitão do projeto mais tenebroso que a centenária camisa do Inter já presenciou. Se A Maior das Culpas é a do presidente que permitiu que Argélico comandasse uma pré-temporada em uma equipe profissonal da primeira divisão do Brasil, no campo a responsabilidade maior é do treinador que conduziu os jogadores, indicou os reforços, criou aquela irritante e desajeitada maneira de praticar futebol.
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Argélico nos rebaixou. Criou um monstrinho tão nojento e umbilicalmente ligado àquele grupo que nem mesmo as duzentas e quinze trocas de treinadores que ocorreram de lá para cá conseguiram apresentar algo de construtivo. O carrapato de mediocridade inventado por Argélico seguia agarrado à camisa do Inter. Seguíamos perdendo para os Boas Esportes da vida, seguíamos empatando heroicamente com os ABCs em casa...
Seguíamos... até essa terça-feira.
O relógio ainda não apontava as 21h30min, centenas de torcedores ainda estavam passando pelos portões, encontrando seus lugares nas arquibancadas quando, com os times de Inter e Goiás perfilados no gramado, começamos o maior processo de exorcismo já catalogado no ocidente. Os mais de trinta mil vermelhos que já estavam dentro do estádio se uniram em uníssono como há muito não se via. Não havia Popular, Camisa 12, Fico, corneteiros, social, cadeiras... Havia o Povo do Inter cantando exatamente a mesma coisa para exatamente a mesma pessoa.
- EI, ARGEL, VAI TOMAR CAJU! - cantávamos, sem o óbvio e necessário eufemismo aqui empregado.
Foi das coisas mais lindas que eu já presenciei na minha vida de torcedor do Inter (e olha que lá se vão inúmeros Gauchões, duas Libertadores, uma Sulamericana e duas recopas vistas das arquibancadas).
Xingar o Argel era mais do que uma mera provocação de torcida. Era mais do que uma chacota para tentar desestabilizar o rival. Xingar o Argel era uma vontade que todos nós tínhamos, e ainda temos, e sempre teremos. Xingar o Argel era permitir que tudo de mais horrível e triste que habitava os nossos interiores pudesse ser expelido em forma de cântico. Xingar o Argel era o que precisávamos para exorcizar o fantasma que tanto nos fez sofrer.
O jogo começou, e provavelmente entraremos no mérito de discutir o que aconteceu com a bola rolando em linhas mais oportunas. O importante aqui é que fizemos um gol. E outro gol. E mais um gol. E tivemos mais um pênalti. E chutamos na trave. E cabeceamos na trave. E o goleiro defendeu, e defendeu de novo, e salvou mais uma. E só deu Inter.
Foi um espetáculo, um massacre, um jogo de um time só. Amassamos o Argélico do primeiro ao último minuto de jogo. Exorcizamos os meses de desventuras a cada tabela bem sucedida. Eliminamos o carrapato da mediocridade com gols, com dribles, com bom futebol. Time e torcida orquestraram o maior "Show da Virada" que esse país já viu.
2016 já era.
O que vier agora será novo, diferente, melhor. Após o último apito do juiz, enquanto os jogadores se abraçavam em campo, voltamos as nossas atenções para Argélico. Não havia distinção entre torcidas, entre classes sociais, entre setor Vip, skyboxes, camarotes, arquibancada. Havia uma única multidão vermelha que, em uma só voz, cantava contra o treinador que construiu o nosso poço de fracassos.
Que experiência libertadora.
Feliz 2017, povo do Inter!
*ZHESPORTES