É até curioso dizer isso, mas foi depois da briga com William que Anderson cresceu. Não que o meia de 28 anos estivesse completamente alheio ao Inter ou vivesse em um mundo paralelo. Só que ao trocar socos com o lateral-direito naquela sexta-feira antes do jogo contra o Flamengo, sua experiência de oito anos em clubes de ponta na Europa lhe dava a certeza de que ali estava um limite perigoso. Agredir um colega, em um treino, na frente dos repórteres, na véspera de uma partida decisiva na luta contra o rebaixamento, é quase passível de demissão sumária.
Mas não foi o que aconteceu.
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Na filosofia de sepultar qualquer repercussão sobre as cenas de MMA do treinamento, a direção do clube evita voltar ao assunto. Qualquer menção ao tema é logo rechaçada, em uma tentativa de mudar de assunto. Porém já se admite: o lateral foi quem começou aquela troca de sopapos. O estopim da confusão ainda não está claro, mas sabe-se que Anderson, na verdade, revidou a agressão.
Por isso, inclusive, não recebeu uma punição mais pesada. Sua má fama e atuações insuficientes em quase dois anos de Porto Alegre dariam respaldo, por exemplo, a afastá-lo do grupo principal, mandá-lo trabalhar em Alvorada até o fim do ano. A opção, porém, foi outra.
Primeiro, o Inter lhe deu dois dias de "folga". Anderson foi para seu refúgio, a fazenda onde cria gado, na Fronteira Oeste, no limite entre Quaraí e Alegrete. Desta vez, porém, não se isolou. Preocupado, procurou amigos com quem frequentemente conversa e se aconselha. Chegou a ligar cinco vezes para um deles. Em uma dessas conversas revelou sua apreensão:
– Passei do ponto. Não poderia ter deixado isso acontecer. O William é um menino ainda, eu deveria ter me segurado.
Ao voltar para Porto Alegre, sabia que lhe aguardava uma conversa tête-à-tête com o vice de futebol Fernando Carvalho. Na sala do dirigente, ouviu:
– Precisamos de ti. Tu sabes que és um jogador excepcional, ninguém fica no Manchester United tanto tempo se não for acima da média.
Ficou sabendo da punição – apesar de ter exposto seu lado da história –, mas lhe agradou a postura do clube, que não partiu para a defesa ferrenha de William, um dos mais aplaudidos pela torcida, e ainda respaldou o meia, reforçando que ele era parte importante do grupo. E fez um pedido:
– Quero jogar. Escolhi vir para cá, mas não tive sequência. Se me deixarem jogar, vou ajudar a sair desta situação.
Para poder desempenhar melhor o que lhe pedia Celso Roth e o que esperava a direção que lhe paga um dos mais polpudos salários do futebol brasileiro, foi constatado que havia uma defasagem muscular perigosa. Sua perna direita rendia 40% menos do que a esquerda. Anderson, que já fazia trabalho especial, intensificou a atividade. Na quinta-feira, por exemplo, foi o único dos atletas que estiveram em campo na noite anterior, na eliminação para o Atlético-MG na Copa do Brasil, que trabalhou no campo. Estava na caixa de areia com o coordenação de preparação física Elio Carravetta. Depois, correu em volta do gramado. Isso tudo ajudou a baixar seu peso: cinco quilos desapareceram nas últimas semanas. Está mais magro, inclusive, do que nos tempos de Manchester United.
– É um trabalho integrado entre preparação física, campo e fisioterapia. Desde o início ele tem essa pré-disposição para treinar, para se fortalecer, melhorar sua condição. Ele vem de uma escola diferente, então o esforço pode ter causado essa defasagem – comenta Carravetta.
Há outro aspecto importante sobre a presença de Anderson no grupo. Sem ascendência de Alex e Ceará sobre os demais jogadores, desempenha um papel de fazer rir e incentivar. Frequentemente é visto no meio das risadas. Foi um dos responsáveis, por exemplo, pela aproximação de Nico López, que voltará a ficar à disposição após uma lesão. Depois do jogo contra o Santos, ainda pelo Brasileirão, o uruguaio passava pela zona mista ao seu lado. Sem nem olhar para os repórteres que pediam entrevista, o ex-jogador do Nacional ouviu do colega:
– Fala com eles aí, tu jogou pra caramba! Dá entrevista, cara!
Apesar de ter arrancado gargalhadas dos presentes, Nico não parou. Então, Anderson olhou para os jornalistas e disse:
– Viram? Eu tentei.
Carvalho revela que os conselhos de Anderson aos mais jovens resume-se mais a contar histórias dos tempos de convivência com Alex Ferguson e Cristiano Ronaldo. Outro dirigente colorado, com trânsito no vestiário, aponta:
– É do perfil dele ser mais discreto. Ele não é um protagonista do elenco, é coadjuvante. Não vai mudar isso.
Mudança, mesmo, foi de astral. Pessoas que convivem com Anderson e até mesmo nos treinos é possível notar uma pessoa mais participativa, divertida e intensa. E, agora, ao menos nas duas últimas semanas transformou em empenho em campo. Saiu o Anderson de camisa remangada em Fortaleza e entrou o Anderson que rouba bola de goleiro em Belo Horizonte.
E este novo Anderson deve ganhar a sequência pedida, também no Brasileirão.
– Temos critérios para escalar: o treinamento, a avaliação, os índices e o aproveitamento das oportunidades. Por isso, existe a possibilidade, sim, óbvio, de ele (Anderson) começar o jogo no final de semana – anunciou na sexta-feira Celso Roth.
– O mérito é dele. Não fiz nada – desconversa Fernando Carvalho.
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