
Já me roubaram muita coisa. Minhas intermináveis interações com assaltantes renderam aos bandidos celulares, relógios, mochilas, passagens de ônibus (nos tempos em que havia passagem de ônibus em Porto Alegre) e até uma bicicleta.
Das coisas que perdi, quase todas consegui recuperar posteriormente. Ocorre que, tragicamente, o item que mais me faz falta eu jamais poderei ter de novo: aquele boné.
Ele estava ali, a dois metros de mim, atrás de uma vitrine de vidro em uma loja do Inter. Não era o meu boné, mas uma réplica. Linda, uma peça maciça, uma representação fiel do famoso, saudoso e indefectível boné da cobertura do antigo Beira-Rio. A maquete à venda representava apenas aquela fração de arquibancada. Aquele espaço entre uma arquibancada inferior que não existe mais e um "A maior torcida do Rio Grande" que, tal como era, jamais se repetirá. Viajei enquanto contemplava o item atrás da vitrine.
Aprendi a amar aquele pedaço de cimento armado assim que pisei no Gigante. Era a minha primeira vez em um estádio de futebol. 1999. Oito anos de idade. Meu pai me levando pela mão descendo a Otávio Dutra, entrando na Padre Cacique, nos embrenhando no mar vermelho de gente que subia as rampas e se acomodava, finalmente, sob o boné do Beira-Rio. O Inter venceria por 3 a 0 o Grasshopper, da Suíça, em um bizarro amistoso de pré-temporada, reestreia de Dunga com a camisa alvirrubra.
Dizem que o boné nem era para ser daquele jeito, aba solitária, isolada naquela metade de estádio. Dizem que o construíram apenas como forma de "obrigar" alguma direção futura a continuar a obra, fechando a cobertura do anel superior. Dizem muita coisa.
O que eu digo é que o momento mais triste da melancólica reforma do Beira-Rio (um Gigante que foi aberto ao público, com suas entranhas expostas enquanto a cirurgia acontecia) foi chegar para aquele Gre-Nal chuvoso e não o ver mais ali. 26 de agosto de 2012. Tempo fechado e 1 a 0 para eles, derrota que não se compara à minha: haviam roubado, para sempre, o meu boné.
O estádio hoje em dia é bem bonitinho. Tem luzes. Tem uma cobertura que contempla toda a arquibancada. Tem skyboxes, até. A miniatura do Beira-Rio da Copa do Mundo é vendida nas lojinhas do Inter. Eu, roubado que fui, não tenho olhos para ela. Fico namorando outro pedaço de vitrine: aquele que coloca à venda a única coisa que me roubaram e eu não tenho como ter de volta.