Quando encerrar a carreira, Pedro Geromel já sabe que terá um lugar garantido na tapeçaria dos imortais no Museu do Grêmio. Neste sábado (23), o ciclo do zagueiro com a camisa gremista completa 10 anos. Um número expressivo, que reflete a idolatria que o jogador de 38 anos construiu entre os torcedores e a liderança entre os atletas e funcionários do Tricolor que circulam pelos corredores da Arena e do CT Luiz Carvalho.
Foram 382 jogos e 14 gols marcados. Também 13 títulos conquistados. Trajetória que iniciou oficialmente em 2014, ainda com treinamentos no Olímpico, passou por um início sob desconfiança, até a conquista de uma sequência no time titular e a consagração, formando uma dupla de sucesso com Kannemann, erguendo títulos como um dos capitães e disputando a Copa do Mundo de 2018 pela Seleção Brasileira.
Para saudar este feito como jogador do Grêmio, ainda sem saber se permanecerá no clube em 2024, Geromel esteve na redação do Grupo RBS para uma entrevista exclusiva, quando recordou os principais momentos da trajetória com a camisa gremista, revelou uma curiosa história sobre como foi seu primeiro contato com o Tricolor, deu bastidores do atrito entre Enderson Moreira e Werley, que lhe abriu uma vaga no time titular, recordou os títulos no clube e projetou seu encerramento de carreira na próxima temporada. Confira:
Entrevista com Pedro Geromel
São 10 anos de Grêmio. Vai fazer um churrasco para comemorar?
Não é fácil estar a tanto tempo em um clube, seja no Brasil ou no Exterior. Por isso fico muito feliz de estar alcançando essa marca no Grêmio. Já fiz vários churrascos para comemorar. Poder representar o Grêmio é uma sensação única. Toda vez que eu entro na Arena, passo pelo túnel, me arrepio. É muito legal, tem sido um privilégio fazer isso por tanto tempo.
O interesse do Grêmio chegou até ti de que forma?
Em Mallorca, eu estava jantando com o Giovanni do Santos (jogador mexicano), que tinha jogado com o Ronaldinho no Barcelona. E ele recebeu uma ligação do Ronaldinho pedindo meu telefone, dizendo: "O Grêmio te quer, um empresário pediu seu contato". Aí o meu empresário, que também conhece o Ronaldinho, foi para a Espanha com o Rui Costa (executivo de futebol do Grêmio na época). Eles já tinham tentado me contratar em 2013, quando o técnico era o Luxemburgo, mas o Mallorca não me cedeu. O Grêmio queria a custo zero. Mas me despertou uma vontade de voltar para o Brasil. Depois de um ano, mantive contato com o Rui e acabamos aceitando.
Giovanni recebeu uma ligação do Ronaldinho pedindo meu telefone e dizendo: "O Grêmio te quer"
PEDRO GEROMEL
Zagueiro do Grêmio
Era da tua vontade jogar no futebol brasileiro?
Ninguém me conhecia aqui. Meus amigos achavam que eu nem era jogador de futebol, pois os jogos dos times pequenos não passavam. Não tinha os streamings, como agora. Então eu tinha a necessidade de provar pra mim que eu era um bom jogador, que eu poderia jogar em um time de expressão. Felizmente deu certo.
Se adaptou fácil a Porto Alegre?
Quando eu vim jogar no Grêmio, achava que iria voltar para São Paulo, pois minha família é de lá. Foi passando o tempo, um filho, mais um filho, outro filho, e agora me vejo mais aqui do que lá.
Antes da idolatria, teu início na reserva e sob desconfiança, inclusive com um gol contra...
Na pré-temporada em Bento Gonçalves, tinha Werley e Rhodolfo de titulares, Saimon e Bressan na reserva. Fiquei de fora do coletivo, pois ninguém me conhecia e já era outro treinador (Enderson Moreira). Tive poucas chances no Gauchão, mas com lesões de companheiros acabei entrando contra o San Lorenzo na Libertadores. Durante a parada da Copa de 2014, o Werley se negou a jogar pela esquerda em um treino e discutiu com o Enderson. Ele me perguntou se eu jogava na esquerda e eu brinquei até que era canhoto. Foi assim que comecei a ganhar sequência.
Que significado teve a conquista da Copa do Brasil em 2016?
Momento único na minha vida, e o título mais difícil. Quando cheguei aqui, era muita pressão. Na final do Gauchão já era uma cobrança. Era uma fase de reconstrução. Saíram vários jogadores. E se pegarmos nosso time campeão, eram garotos da base e caras que eram renegados em outros clubes. Deu liga. Não era os melhores, mas fomos com muita vontade e trabalho. Além disso, a chave virou quando o Renato chegou. Era muita posse de bola, o melhor futebol do brasil.
Foi nessa época que surgiu a parceria de sucesso com o Kannemann...
A gente não tem vaidade. Está sempre disposto a ajudar o Grêmio. E por isso a gente se potencializa. Grandes jogadores, quanto mais melhor. O Kannemann é um deles, um cara que transpira o clube, a motivação e vontade, algo invejável. Uma amizade muito forte nos faz sempre estar aprendendo. Espero que a gente possa voltar a jogar juntos no ano que vem.
O título da Libertadores foi o auge?
Conquistar a Copa do Brasil foi importante. Ali saiu o peso. E aí entramos em uma espiral vencedora, com Libertadores e Recopa. Se olhar, o time mudou pouco de um ano para o outro, mas o nível de trabalho e a motivação eram os mesmos. Não dá pra dizer que foi mais fácil, mas ali tínhamos menos pressão.
Qual o diferencial do Renato?
Ele é muito prático. O importante para ele é não tomar gol. A gente faz o nosso melhor e acredita nele. Todos falam da questão de gestão, mas ele entende muito de futebol. Na Copa, estive 60 dias com Tite, e as ideias são muito similares. Só que cada um fala de um jeito. Um é mais didático, outro com jeito mais carioca de ser, com gírias. Só que ele não faz questão de mostrar. E eu até concordo, pois aí falam de outros aspectos e esquecem essas questões táticas dele.
Qual era a estratégia do Grêmio para segurar o Real Madrid no Mundial?
A gente foi para pressionar o Real Madrid, mas não conseguiu. Os caras eram muito bons, com decisões em um espaço muito curto de tempo, e os desfalques nos prejudicaram. Só que o nível que eu joguei foi o me levou para a Copa do Mundo. Comecei a jogar no Grêmio, conquistar títulos e chegar na Seleção.
O ambiente da Seleção é diferente de um clube?
Na Seleção, ninguém precisa disciplinar os treinamentos. Todos cumprem os horários, com as atividades anteriores, e ninguém tinha pressa para ir embora. Era um comprometimento em todos os sentidos. Vejo no Grêmio, o que acho que é uma diferença cultural, que os meninos mais novos não cumprem isso. Eu digo para eles chegarem antes, tomar um café, aquecer. Eles devem pensar que eu sou muito chato.
Como foi ser companheiro de Luis Suárez no último ano?
A chegada dele me ajudou muito como líder. Ele é um exemplo, de chegar cedo e se preparar bem para o treino. E se pegar os números dele, ele foi quem mais jogou. Muita gente quer, mas ninguém está disposto a pagar o preço. Se o Luis, com a carreira que tem, faz tudo certinho no treino, como que os guris não vão fazer? Eu tento conversar e passar isso para o pessoal. Com o exemplo do Suárez, com Renato parceiro, isso deu certo.
Eliminação para o River na Libertadores de 2018 é a maior tristeza?
Ainda não superei. Tínhamos um time melhor, qualificado em relação ao ano anterior. Estávamos confiantes para buscar o bicampeonato. Nunca mais assisti àqueles lances.
Depois dali, mesmo chegando em mais uma semifinal, por que o time caiu de desempenho?
Não é fácil manter a régua tão alta. Foram três semifinais de Libertadores seguidas. É normal ter uma queda, mesmo assim chegamos na final da Copa do Brasil de 2020. Começamos a disputar todos os campeonatos para ganhar, a receita cresceu muito.
Por que o Grêmio caiu em 2021?
A continuidade foi o segredo do sucesso. Em 2021, teve a situação da pandemia, quando os jogos foram atropelados. Não fizemos a preparação devida e o Renato foi embora. Tivemos mais três treinadores, ficou difícil de assimilar as ideias. Não tem como implementar uma ideia de imediato, precisa de tempo. E mudamos muito. No futebol não é tão simples assim.
Teve de se sacrificar para jogar a Série B?
Nosso time era muito limitado. Fui um dos que mais jogaram, pois sabia que o time precisava de mim. Eu só não joguei os últimos três jogos pois já tínhamos subido lá nos Aflitos. Renato me liberou, pois eu estava no meu limite. Ter ficado em segundo lugar foi bom, pois nos fez perceber que precisávamos mudar quase todo o time. Agora temos um elenco muito melhor.
Por que tão poucos jogos em 2023?
Estou me preparando para jogar um ano e encerrar a carreira pelo Grêmio. Depois, sinceramente, não sei.
PEDRO GEROMEL
Zagueiro do Grêmio
Machuquei o joelho, falaram que era uma coisa, depois era outra. Operei em janeiro, mas voltei em agosto. Isso tudo dificulta. Quando voltei, entrei em uma sequência de jogos. Já tenho uma certa idade, é difícil jogar duas vezes por semana. No jogo contra o América-MG, Renato me pediu para ir para Minas, pois o Kannemann estava suspenso. Seria importante para o vestiário ter um líder. E joguei só 15 minutos, perdendo três dias de treinamento. O Renato tinha razão na importância, mas não fiz a preparação que deveria. Somos conscientes. Contra o Coritiba, tive que dar um pique, consegui tirar a bola, mas me machuquei. No diagnóstico, seis semanas fora, justamente o tempo que faltava para acabar o Brasileirão.
Já acertou a permanência para o ano que vem?
Ainda não teve negociação. Eu entendo que vou ter que ganhar menos, é normal. Não quero ficar de favor. Se acharem que eu tenho importância, vamos conversar. Já deixei claro que minha vontade é me aposentar no Grêmio. Me disseram que querem definir antes a permanência do treinador. Comigo ainda nem teve conversa sobre valores. Sei que já houve reunião com meu empresário. Mas se falaram em valores, é mentira. Ou não me contaram. Não quero terminar no jeito que terminei esse ano, por isso vamos chegar a um denominador comum. Não tem como ganhar o que eu ganhava, entendo. Sei que a apresentação é dia 7 e lá quero estar.
Tens planos para o futuro?
Não consigo pensar a longo prazo. Estou me preparando para jogar um ano e encerrar a carreira pelo Grêmio. Depois, sinceramente, não sei.