Os sorrisos e abraços trocados quando Luiz Felipe Scolari e Vanderlei Luxemburgo se encontram nos dias atuais contrastam com a relação bélica vivida nos anos 1990. A principal rusga aconteceu em uma semifinal de Copa do Brasil entre Grêmio e Flamengo em 1995, assim como o jogo da noite desta quarta-feira (26) na Arena. Após aquele jogo de volta, no Olímpico, os dois trocaram xingamentos e acusações.
Naquela época, os treinadores eram antagonistas um do outro. Luxemburgo treinava equipes endinheiradas e que apresentavam um futebol mais plástico. Com menos recursos financeiros, Felipão montava times de operários, mas capazes de frustrar os sonhos de seu rival. Naquele 31 de maio, mais um nó na relação foi atado.
Luxa contava com Romário, eleito pela Fifa como o melhor jogador do mundo meio ano antes, e Sávio. Entre o confronto de ida e o de volta, o clube carioca acertou a contratação de Edmundo — o Animal estreou somente em agosto. Branco, outro tetracampeão em 1994, também estava na escalação rubro-negra.
Os cofres gremistas tinham recursos mais espartanos. Scolari garimpou nomes para montar o time para participar de uma temporada que tinha a Libertadores no horizonte. Do Paraguai vieram Arce e Rivarola. Do Rio desembarcaram Paulo Nunes e Magno, vindos do Flamengo, e Jardel, do Vasco. A dupla de ataque que se eternizou na história gremista estava em baixa em seus clubes.
O duelo de realidades era favorável ao Flamengo e se acentuou com a vitória por 2 a 1 no Maracanã. Depois de dois gols de Sávio, Jardel descontou a dois minutos do fim. Em tempos em que o gol fora de casa era critério de desempate, a cabeçada do camisa 9 foi essencial para reavivar as esperanças para o encontro seguinte.
O jogo de volta
Às vésperas do aniversário de um ano do Plano Real, o torcedor gremista encarou preços que eram considerados caros para a época. Os ingressos custavam entre R$ 3 e R$ 20. No bar, o cachorro-quente e a cerveja, liberada nos estádios, saiam por R$ 1. Para desfrutar de uma dose de uísque, os gremistas desembolsavam R$ 2. Quase 60 mil pessoas foram ao Velho Casarão acompanhar mais uma façanha.
Entre um confronto e outro, as baixas se proliferaram em maior número no lado gaúcho. Romário passou por cirurgia no joelho e ficou no Rio de Janeiro. Magno, do Grêmio, também se lesionou. O atacante foi a principal contratação para a temporada. Paulo Nunes assinou com o clube como uma espécie de contrapeso na negociação com a equipe carioca. Mas nos últimos dias de maio, já era o dono da camisa 7. Arilson, suspenso pelo STJD, Dinho, expulso na ida, e Carlos Miguel, lesionado, completavam a lista de ausências gremistas. A limitação de opções fez com que Felipão escalasse o zagueiro Adilson como volante, mantendo Luciano na zaga.
No Olímpico, a vitória de 1 a 0 foi decidida com Jardel. O gol da classificação não foi um clássico do camisa 9. O cruzamento saiu afastado da pequena área. O centroavante ganhou pelo alto, ajeitando a bola para Paulo Nunes. De costas para o goleiro, ele devolveu para Jardel que, com os pés, superou o goleiro Roger.
— Eu tinha prometido ao Magno e felizmente pude cumprir a minha palavra — comentou Jardel, após a classificação.
Naquela metade dos anos 1990, crescia uma aura no centro do país de que o time do Grêmio era violento. A partida, de fato, teve uma coleção de jogadas ríspidas. Roger foi expulso, desencadeando uma confusão. Até o árbitro Márcio Rezende de Freitas peitou os jogadores gremistas. Mais adiante, Mauricinho, do Flamengo, recebeu cartão vermelho. A sequência de expulsões desencadeou o atrito entre os treinadores.
A contenda entre Felipão e Luxemburgo se deu longe dos holofotes. Ao lado do campo, um encontro físico entre os treinadores aos 33 minutos do segundo tempo gerou versões diferentes do acontecimento. Luxa alegou ter sido agredido no queixo e no peito pelo colega de profissão. O ato hostil, nas palavras do flamenguista, aconteceu quando ele se dirigiu a Felipão para dizer que “um jogo não é uma guerra. Mas o Luiz Felipe comprovou que é mau caráter”, disparou após a eliminação. Na sequência, foi ainda mais veemente,
— Hoje, acredito quando dizem que ele manda bater — sentenciou.
Felipão apresentou uma versão mais leve da ocorrência.
— Na agressão do Mauricinho no Goiano, o Luxemburgo me chamou de marginal, palhaço, que meu time era um bando de loucos. Bando de loucos são eles, e o Luxemburgo se passa por bonzinho. Não aguentei as ofensas e dei um empurrão — explicou.
Classificado, o Grêmio perderia a final para o Corinthians, mas seria campeão da América naquele ano. O Flamengo não engrenou. Quando o trio Sávio, Romário e Edmundo entrou em campo, as decepções vieram em forma de derrotas e poucos gols. Antes da união dos três, o Rubro-negro perdeu a final do Carioca para o Fluminense, com aquele gol de barriga de Renato.
Se passaram 28 anos daquele emocionante 1995, Felipão e Luxemburgo viraram amigos, e Renato, Grêmio e Flamengo se reencontram às 21h30min desta quarta-feira (26), em mais um duelo de semifinal da Copa do Brasil.
Ficha técnica
Copa do Brasil — Semifinal— 31/05/1995
GRÊMIO (1)
Danrlei; Arce, Rivarola, Luciano e Roger; Adílson, Gélson, Luis Carlos Goiano e Carlos Miguel (Alexandre Xoxó); Paulo Nunes e Jardel (Nildo). Técnico: Luiz Felipe Scolari
FLAMENGO (0)
Roger; Marcos Adriano, Jorge Luis, Gelson Baresi e Branco (Henrique); Charles, Fabinho (Mauricinho), Marquinhos e William; Mazinho e Sávio. Técnico: Vanderlei Luxemburgo
GOL: Jardel, aos 23 minutos do segundo tempo
CARTÕES AMARELOS: Arce, Luciano, Gelson (G); Branco e Marquinhos (F)
CARTÕES VERMELHOS: Roger (G) e Mauricinho (F)
LOCAL: Estádio Olímpico, em Porto Alegre, RS.
PÚBLICO: 58.205 (48.905 pagantes)
RENDA: R$ 477.997,00
ARBITRAGEM: Márcio Rezende de Freitas, auxiliado por Marco Antonio Martins e Marco Antonio Gomes (trio mineiro)