As insatisfações do torcedor gremista durante os sinuosos caminhos da Série B são mais do que um alerta de que muito precisa ser feito para a próxima temporada. A premência de um alto volume de contratações é um espelho daquilo que o Grêmio fez nos outros dois retornos à elite do futebol brasileiro. O salto de qualidade entre uma divisão e outra torna imperativo a reconstrução do grupo de jogadores.
A medida foi tomada tanto em 1993 quanto em 2006. Naqueles dois períodos, a vida financeira do clube era espinhosa. A equação utilizada foi a mesma nas duas oportunidades. A primeira operação matemática foi a subtração dos jogadores que não se encaixavam nas novas necessidades. Seguida pela adição de novos jogadores, principalmente aqueles de baixo custo. Por fim, a multiplicação do dinheiro com a venda dos nomes mais valiosos do elenco.
O garimpo começa com o mapeamento do que há disponível no plantel que disputou a Segunda Divisão, as lacunas no time e do mercado de transferências.
— A primeira medida foi afastar quase todos os que participaram da Segunda Divisão — pontua Luis Carlos Silveira Martins, vice de futebol gremista em 1993.
— Claro que não se consegue se livrar de todo mundo, mas queria tirar do vestiário o espírito da derrota – complementa Cacalo.
Os 30 anos que separam 1992 e 2022 são unidos através da sensação de constrangimento pelo modo que a classificação foi conquistada. Duas décadas atrás, o Grêmio terminou em nono, em um campeonato em que os 12 primeiros subiram.
Apesar do pouco dinheiro no cofre, a gestão conseguiu contratar atletas relevantes como Dener e Luiz Carlos Winck – ambos saíram do clube antes do fim de 1993. As mudanças trouxeram resultados encorpados com o título estadual, uma campanha mediana no Brasileirão e o segundo lugar na Copa do Brasil. Do time titular que venceu o Coritiba por 3 a 0, em maio, no último jogo na Série B, e a primeira partida oficial do ano seguinte, em março, somente os meias Juninho, logo depois dispensado, e Caio mantiveram a posição na equipe principal.
A reorganização do grupo se manteve no decorrer dos meses e se acentuou nas temporadas seguintes. Elas se sustentaram com os valores angariados com as vendas do volante Pingo e do zagueiro Agnaldo. O período foi um dos mais vitoriosos da história gremista, com títulos da Copa do Brasil, do Brasileiro e da Libertadores.
O contexto financeiro era ainda mais delicado em 2005, ano em que foi preciso encarar a Segundona. Restavam poucos jogadores com contrato e muitas dívidas. Os obstáculos foram superados e culminaram na adrenalina da Batalha dos Aflitos. Assim que a euforia do milagre amenizou, a análise do que poderia ser aproveitado teve início. Raros foram os que ficaram.
— A mudança era necessária porque o elenco era modesto. Começamos a construir a equipe, mudar o perfil dos jogadores. É preciso garimpar o mercado. Assistir futebol e se adequar ao perfil financeiro — explica Paulo Pelaipe, vice de futebol entre 2005 e 2007.
Uma semana depois da vitória icônica, 12 jogadores deixaram o elenco. A pré-temporada, iniciada ainda em dezembro, contou nos primeiros dias com somente 21 jogadores para iniciar os trabalhos, cinco deles egressos da base. A examinação do mercado rendeu contratações como Maidana, Lúcio, Tcheco, Marcel, William, Teco entre outros, em um primeiro momento. O passo seguinte foi colocar dinheiro em caixa. As principais vendas daquela época foram Anderson e Lucas Leiva. O crescimento nos resultados foi exponencial. Título do Gauchão, terceiro lugar no Brasileiro e final da Libertadores no ano seguinte estão entre os pontos altos.
— O título gaúcho foi muito importante. Aquele conquista nos deu confiança — enfatiza Pelaipe, indicando que o Gauchão do ano que vem deve ser valorizado.
Se a conta bancária do Grêmio não tem mais a pujança de um passado recente, ela está mais saudável do que nos dois retornos anteriores. Por outro lado, os valores envolvidos nas negociações inflacionaram.
— As condições naquela época eram piores, mas os valores das negociações eram muito inferiores aos de hoje. Em 1996, trouxemos o Mauro Galvão por US$ 100 mil dólares. Impensável hoje em dia — ressalta Cacalo.
Há um desafio maior desta vez. Nos tempos atuais, os clubes brasileiros podem contratar jogadores somente em duas épocas do ano. Nas outras vezes, não havia a existência das janelas de transferências, com a chegada de jogadores pulverizada durante a temporada. São apenas modos diferentes para fazer a mesma reconstrução.