Grêmio e Fluminense se enfrentam neste sábado (17), às 21h, no Maracanã, pelo Brasileirão. Enquanto o Tricolor busca a primeira vitória na competição, o clube carioca tenta entrar de vez na zona de classificação à Libertadores. Fora as pretensões na tabela, o duelo marcará o reencontro do time gaúcho, agora comandado por Luiz Felipe Scolari, com Roger Machado, hoje técnico da equipe do Rio de Janeiro.
— A vida esportiva é marcado por reencontros com pessoas e profissionais que passaram pela vida da gente e marcaram. Tive um reencontro com o Arce recentemente. Estivemos em lados opostos na beira do campo (pela Libertadores). Em outros momentos, tive reencontros com o Felipão. É sempre agradável poder reencontrá-los, poder dar um abraço e agradecer, sobretudo, por todos os ensinamentos que eles passaram para mim — destacou Roger.
A parceria entre Roger e Felipão iniciou em 1994, quando o lateral-esquerdo foi alçado ao time profissional pelo então treinador. Nos anos seguintes, os dois participaram, e foram essenciais, nas conquistas de títulos importantes que marcaram a década de 1990 na memória do torcedor gremista. Entre os inúmeros reencontros, um é especial. No início de 2015, Novo Hamburgo e Grêmio disputaram um jogo-treino, daqueles de pré-temporada, colocando frente a frente, desta vez como técnicos, dois velhos conhecidos.
— Lembro como se fosse hoje. Como treinador, aquele foi o primeiro encontro. Era um jogo-treino, penso eu. Na beira do campo, mesmo muito rápido, o Felipão veio gentilmente falar comigo. Aproveitei para tirar algum ensinamento. Ele participou da minha trajetória como profissional e me ajudou muito como jogador. Depois, tivemos um reencontro na Seleção, quando ele me chamou para a Copa América. Naquele momento, nós tínhamos nos tornado colegas e hoje teremos mais esse encontro, onde mais uma vez terei a oportunidade de agradecê-lo — prometeu Roger.
Quis o destino que Roger fosse o substituto de Felipão no comando do Grêmio em maio daquele ano, dando sequência ao trabalho iniciado pelo antecessor. Questionado a respeito do momento atual do Tricolor, lanterna do Brasileirão, Roger disse não esperar facilidade no confronto.
— A gente não se ilude com a posição do Grêmio na tabela. Sabemos que é um início do trabalho do Felipão. Já se viu uma reação na vitória pela Sul-Americana e tenho certeza que isso gera uma motivação. O Felipão está começando a colocar as suas ideias em prática e, logo em seguida, o clube vai ter uma recuperação dentro da competição. É um jogo duro. Ainda estamos sentindo a recuperação pelo jogo da Libertadores, mas de olho no Brasileirão, que é um campeonato duríssimo, que não iremos abrir mão. Nosso objetivo e estar colado no bloco da frente. Uma vitória nos daria condição de ganhar algumas posições — pontuou.
Confira outros trechos da entrevista com Roger Machado
Passagem pelo Grêmio como técnico em 2015
De um modo geral, nós (técnicos) fazemos trabalhos a várias mãos. Isso porque os ciclos dentro dos clubes são pequenos. Quando um clube se organiza, ele tem ciclos vitoriosos. Eu herdei parte da construção do trabalho iniciado pelo Felipão. Ele havia dado experiência para vários jogadores jovens. Essa instabilidade, oriunda da busca por um novo modelo, gera a instabilidade nos resultados, que acarreta na saída do profissional. Quando cheguei me deparei com um terreno fértil. Acima de tudo, o treinador trabalha com o material à disposição. Mais do que o desejo do treinador, o que importa é a característica dos jogadores. Primeiro se faz essa avaliação do contexto. Depois você começa a procurar no mercado jogadores que se adaptem àquela característica. É um trabalho de construção que eu herdei do Felipão e que foi montado com base no material humano que tínhamos à disposição naquele momento.
Evolução como treinador
Sinceramente, eu continuo o mesmo, mas com mais experiência. Errando e acertando, mas aprendendo com erros e acertos. Por vezes não se costuma aprender muito com os erros, mas minhas ideias continuam as mesmas. Talvez tenha mais flexibilidade. Aprendi muito do ponto de vista tático no Bahia. Por lá, fiz um jogo um pouco diferente do que fazia e pude aumentar o meu leque de opções na forma de atuar. Continuo com a mesma essência, tentando humanizar o processo. Cada vez está mais difícil trabalhar no esporte, por conta das cobranças excessivas. Então eu tento humanizar o processo. A liderança é um processo que a experiência vai construindo pouco a pouco.
Momento no Fluminense
Foi um belo resultado (vitória contra o Cerro Porteño, fora de casa, pela Libertadores), sobretudo porque veio junto de uma atuação segura. Porém, nós passamos para os atletas que não se trata de uma grande vantagem. Temos que jogar com a vantagem, e não pela vantagem. Estamos no meio do caminho, ajudando a reconstruir o clube. O Brasileirão é muito longo. A Copa do Brasil e a Libertadores não são mais fáceis, mas são mais curtas. Tem a questão do calendário, que é muito difícil para os atletas. É muito difícil recuperar a energia. No entanto, os jogos do Brasileirão são muito importantes. É uma final a cada jogo. Esses três pontos (contra o Grêmio) são muitos importantes.
Opinião sobre retorno do público aos estádios
Não podemos desnivelar o campeonato. Já foram feitos eventos-teste. Tivemos público na final da Copa América e não me pareceu uma boa amostragem. Tivemos pessoas entrando com exames falsos, comprovadamente. Penso que é preciso voltar na medida em que tiver segurança, sobretudo na saúde das pessoas. Estamos com mais de mil mortes diárias. As pessoas estão tomando poucos cuidados básicos, como o uso da máscara, por exemplo. Esse movimento de retorno me preocupa. Acho que é precipitado. Sabemos a importância do torcedor, mas a saúde tem de ser levada em consideração. Não vejo, neste momento, as pessoas preparadas para a volta aos estádios com segurança.
Existe crise técnica no futebol brasileiro?
Eu vou me permitir discordar. O futebol brasileiro sempre revelou (jogadores) em grande número e em qualidade. Temos perto de mil jogadores atuando no Exterior. Na Liga dos Campeões passada, eram mais de 100 jogadores. Pensando nesta linha, os jogadores de mais talento estão lá fora. No futebol brasileiro temos jogadores muito jovens, os mais experientes, que retornaram do ciclo na Europa, e o núcleo de jogadores que permaneceram por aqui. A crise está na questão de não ter um calendário organizado. Para chamar de ruim, ele teria de melhorar muito. A pandemia agravou, é claro, mas já era ruim há bastante tempo. Eu não sou mais o treinador. Eu escalo e faço as alterações. Não consigo treinar e ainda me cobram alternativas (na forma de jogar). Como fazer? Eu não entro em campo, mas o desgaste emocional que tenho a cada três jogos não me permite, na maioria das vezes, estar na plenitude da concentração. Isso impacta nas decisões que tomo. Os atletas também não conseguem estar no nível máximo de concentração, tampouco de descanso físico, para tomarem as melhores decisões. Isso impacta na crise técnica.
Luta contra o racismo e o esporte como um aliado
Eu penso muito na educação, no letramento racial. Temos de debater esse assunto para não ficarmos na superficialidade. É não individualizar os problemas. É importante punir os atos individuais, mas é importante entender que nós temos uma estrutura racista, preconceituosa, ligada diretamente a uma origem colonial escravocrata. Ela está diariamente sendo continuada. Para identificar esses processos, nós precisamos nos educar. O processo é a educação. Dentro e fora do esporte. Temos que falar sobre o assunto. Alguns entendem que não se deve falar. Muito pelo contrário. Até hoje se falou muito pouco sobre o assunto. A medida em que se fala, se debate sem melindres, encarando o problema, nós teremos um conhecimento maior para lidar com essas questões e combatê-las. O processo é a educação estrutural, para que cheguemos na fonte, no indivíduo.