Adversários na semifinal da Libertadores, Renato Portaluppi e Flamengo têm uma relação intensa, marcada por gols, títulos e polêmicas. Com quatro passagens pela Gávea, o eterno camisa 7 viveu algumas controvérsias com os flamenguistas, como a briga com Djalminha, o gol de barriga pelo Fluminense na final do Campeonato Carioca de 1995 e a recusa em ser técnico do clube em 2019. Ainda assim, o treinador do Grêmio está na lista dos grandes ídolos da história rubro-negra, principalmente pela conquista da Copa União de 1987, quando foi o destaque de uma equipe marcada por nomes como Zico, Bebeto, Andrade e Zinho.
— Ele era um jogador acima da média, espetacular. Em 1987, o Zico já estava jogando meio no sacrifício, por conta das lesões, e o Renato se sobressaiu dentro da nossa equipe. Era um ponta-direita completo, de muita força, habilidade, explosão e velocidade. Ganhava 90% das disputas no mano a mano com o lateral adversário. Na maior parte dos jogos, ele era eleito o melhor jogador em campo — relembra o ex-volante Andrade, ídolo do Flamengo e titular naquela conquista.
Na semifinal da Copa União de 1987, Renato marcou o gol da vitória por 3 a 2 em pleno Mineirão, superando o desafeto Telê Santana. No ano anterior, o técnico havia cortado o jogador do grupo que representou a Seleção Brasileira na Copa do Mundo. Na final contra o Inter, Renato fez o cruzamento para o gol decisivo de Bebeto, no empate por 1 a 1 no jogo de ida, no Beira-Rio. Aos 25 anos, o herói do título mundial gremista escrevia seu nome na história do Flamengo logo em seu primeiro ano no clube.
Após uma passagem frustrada pela Roma na temporada 1988/1989, Renato retornou ao Flamengo para ser campeão da Copa do Brasil de 1990. Formava trio de ataque ao lado de Bobô e o amigo Gaúcho, falecido em 2016, vítima de um câncer de próstata. A relação durou até 1991. Após desacerto na negociação do novo contrato e criticado por supostos atos de indisciplinas, o ponta-direita assinou com o rival Botafogo.
Depois de um bom início no Campeonato Carioca pelo alvinegro, Renato cutucou os dirigentes flamenguistas.
— O indisciplinado também faz gol, decide partidas e resolve. Vamos ver o que o santinho vai dar no campeonato — disparou.
Renato foi pivô de uma nova polêmica na final do Brasileirão de 1992, quando o Botafogo perdeu o título para o Flamengo. Após derrota por 3 a 0 no jogo de ida, o jogador foi visto na festa de comemoração do adversário, em um churrasco realizado na casa de Gaúcho, que permanecia no time flamenguista. Como punição, foi afastado e ficou de fora da partida de volta, que terminou empatada em 2 a 2.
— Foi tudo por causa de uma aposta que eles fizeram. O Renato e o Gaúcho eram unha e carne. Eram tão amigos que apostaram que quem perdesse o primeiro jogo teria de pagar um churrasco para o outro. Isso pegou muito mal. Por conta desse episódio, ele acabou saindo do Botafogo e indo para o Cruzeiro — explica o jornalista Cícero Mello, da ESPN Brasil, que trabalhava na época como repórter da Rádio Nacional, do Rio de Janeiro.
Em 1993, Renato voltou para o Flamengo para sua terceira passagem pelo clube. Na derrota por 3 a 2 no Fla-Flu do Torneio Rio-São Paulo, o jogador teve uma forte discussão com Djalminha, colega de time. Os dois trocaram empurrões em meio à partida e só não foram às vias de fato devido à intervenção dos companheiros.
— Se pedir para marcar é uma ofensa, vou pedir para sair do time — disse Renato, após o jogo.
— Pode reclamar, mas sem xingamento. Nós dois estávamos de cabeça quente — defendeu-se Djalminha, que acabou sendo dispensado do Flamengo por conta do episódio.
Anos depois, ambos fizeram as pazes.
Relação estremecida em 1995
A relação de Renato com o Flamengo sofreu um abalo em 1995, quando o então presidente flamenguista Kléber Leite, em uma iniciativa ousada, tirou o craque Romário do Barcelona e formou o chamado "ataque dos sonhos", com Edmundo e Sávio. Oferecido ao clube pelos seus representantes, Renato foi preterido pela direção e acabou acertando com o Fluminense.
— O assunto dividiu opiniões, pois ele vinha de uma passagem ruim pelo Atlético-MG. Alguns alegavam que a história do atleta pelo clube deveria ter sido levada em consideração. Mas o Renato acabou indo para o rival, onde virou ídolo. Passou, então, a surgir um certo rancor com a torcida flamenguista, mas a verdade é que ele só foi jogar no Fluminense porque a direção do Flamengo e o técnico Vanderlei Luxemburgo não quiseram contratá-lo — relembra o jornalista Wilson Pimentel, ex-repórter das rádios Tupi e Manchete, atualmente membro da equipe de comunicação da Conmebol.
Um dos episódios mais marcantes da história do futebol carioca foi o famoso gol de barriga, marcado por Renato no Fla-Flu da final do Campeonato Carioca de 1995. Com um time desacreditado, o Fluminense venceu o favorito Flamengo, turbinado pelo ataque dos sonhos. O gol decisivo de Renato no Maracanã, que selou a vitória por 3 a 2, fez o jogador virar um dos maiores ídolos da história do Tricolor das Laranjeiras.
— Com o gol de barriga, o Renato tornou-se mais ídolo da torcida do Fluminense do que da do Flamengo. Ele está em todas as seleções do Fluminense de todos os tempos. Afinal, o time tricolor de 1995 era barato e fraco. Era o Renato e mais 10. E, mesmo assim, ganhou do time mais caro da história do Flamengo até então. Aquele gol de barriga é a maior gozação que o torcedor do Flamengo sofre até hoje. Aquilo desgastou o Renato no Flamengo. Há, inclusive, uma corrente que não quer o Renato como técnico ainda por conta daquele gol — explica o Cícero Mello, que trabalhou na histórica partida.
Apesar do abalo nas relações, Renato voltou ao Flamengo no segundo semestre de 1997, já aos 35 anos, para atuar ao lado de atletas como Clemer, Juan, Gilberto, Fábio Baiano, Iranildo e Sávio. No Brasileirão, chegou a marcar um gol contra o Grêmio. Os flamenguistas venceram o jogo por 3 a 2, no Maracanã. Na época, o Tricolor tinha acabado de conquistar a Copa do Brasil e, já sob o comando de Hélio dos Anjos, o elenco ainda contava com nomes como Danrlei, Arce, Rivarola, Roger e Dinho. A curiosidade é que o gol de Renato, o primeiro do jogo, foi marcado de joelho.
— Tem gente fazendo gol de mão. Já fiz de barriga. Hoje, o gol saiu de joelho. O importante é que a bola entrou — declarou após o jogo.
Apesar de já estar em final de carreira, Renato contribuiu para o crescimento de atletas mais jovens, como Sávio, que tinha apenas 23 anos na ocasião.
— Aquele foi o meu último ano no Flamengo antes de ir para o Real Madrid. Foi muito legal ter jogado com o Renato. Ele já estava no final da sua vitoriosa carreira, muita gente não acreditava que ele fosse voltar. Para a minha trajetória, foi muito importante ter jogado com ele — relembra Sávio.
As recusas como treinador
Hoje multicampeão como técnico, Renato Portaluppi já comandou os rivais Vasco e Fluminense. Em 2019, após ganhar cinco títulos pelo Grêmio, incluindo a Copa do Brasil 2016 e a Libertadores 2017, recusou uma proposta tentadora para treinar o Flamengo, o que frustou a torcida rubro-negra.
A prioridade do Flamengo para 2019 era o Renato. O 'não' dele foi um balde de água fria para a direção, e deixou os dirigentes sem chão
WILSON PIMENTEL
Jornalista
— A prioridade do Flamengo para 2019 era o Renato. O "não" dele foi um balde de água fria para a direção, e deixou os dirigentes sem chão. A torcida ficou irritada. O clube tinha se planejado para ter o Renato como técnico. Era o nome do momento. Não sei se, com essa direção, ele terá outra oportunidade. Mas, independentemente disso, ele segue sendo bem avaliado pelo excelente trabalho que faz no Grêmio — explica Pimentel.
A imprensa carioca, no entanto, acredita que, em algum momento, a oportunidade de Renato treinar o Flamengo vai chegar.
— Uma hora o Jorge Jesus vai sair. Quando isso acontecer, eu acho que o primeiro nome na lista do Flamengo será o Renato — aposta Cícero Mello.
Enquanto isso não ocorre, Renato buscará levantar mais uma taça pelo Grêmio. A partir de quarta (2), na semifinal da Libertadores, o treinador tentará ser, mais uma vez, um algoz do Flamengo, colocando mais um tempero na relação intensa, polêmica e vitoriosa que tem com o clube carioca.