Bola no pé, tabelas envolventes, superioridade em campo, goleadas avassaladoras. O time que encantou a torcida tricolor, em 1988, ficou na história como o Grêmio Show, treinado por Otacílio Gonçalves. Pois estas características se reprisam hoje, sob o comando de Renato Portaluppi. Em seis jogos na temporada, já tem cinco goleadas, fazendo 21 gols e levando um só. Há 31 anos, até ganhar o apelido, o time havia vencido 10 de 12 jogos, marcando 26 gols e sofrendo cinco.
Para recontar o famoso ano, GaúchaZH ouviu personagens da época, que revelam motivos do sucesso e se divertem com lembranças da época.
Lembro daquele time que não perdia para ninguém
PEDRO ERNESTO DENARDIN
Criador do bordão "Grêmio Show"
O requinte com que Felipe Vizeu marcou, por cobertura, o sexto gol do Grêmio contra o Avenida, domingo (10), deu aos torcedores a certeza de não haver, no país, time de futebol mais vistoso e eficiente do que o treinado por Renato Portaluppi. Era o que se dizia, três décadas atrás, do Grêmio Show, de Otacílio Gonçalves da Silva Júnior. Uma equipe que não precisou ganhar mais do que o Gauchão de 1988 para firmar-se definitivamente na memória de torcedores que hoje situam-se na faixa dos 40 aos 50 anos. Interpretar aquele momento exige um recuo de 31 anos no tempo. As raízes se localizam na tarde de 21 de dezembro de 1987, data em que, contrariando o desejo de expressiva parte da torcida, cuja preferência era por Telê Santana ou Zagallo no lugar do demissionário Luiz Felipe Scolari, o então vice de futebol, Raul Régis de Freitas Lima, contratou Otacílio, que estava no Coritiba.
— Eu já tinha uma boa relação com ele, apesar da passagem pelo Inter. Quem o conhecia o elogiava e destacava seu conhecimento de futebol — explica Régis.
Após um período de instabilidade com o novo comandante, com derrotas em amistosos para o Pinheiros, do Paraná, e Universitário-PER, o Grêmio iniciou dia 4 de março uma série de 10 vitórias em 12 partidas, com 26 gols marcados e apenas cinco sofridos. As atuações, empolgantes, passaram a ser comparadas a espetáculos. A expressão Grêmio Show foi criada no dia 6 de abril, no 11º jogo desta série, a goleada por 6 a 1 contra o São Paulo-RG, no Olímpico, pelo Gauchão.
O criador do bordão foi o hoje narrador da Rádio Gaúcha, Pedro Ernesto Denardin, na época repórter de campo.
— Lembro daquele time que não perdia para ninguém. Era bonito de ver jogar. Então, nada mais natural do que lançar Grêmio Show, Grêmio Show... um verdadeiro espetáculo de futebol — recorda Pedro.
—30 anos? Já? Como passa rápido! — surpreende-se Otacílio.
Na mente do técnico, é como se a montagem do Grêmio Show tivesse se iniciado 10 anos antes. Ex-auxiliar de Ênio Andrade entre 1979 e 1980, no Inter, Otacílio Gonçalves, então com 40 anos, identificava-se com as ideias implementadas pelo treinador. Considerava avançados conceitos como participação coletiva, que se traduziam na capacidade demonstrada pelos jogadores de ocuparem mais de um setor dentro de campo, seja na marcação ou descoberta de espaços dentro das linhas adversárias.
— Aquele time (o Grêmio Show) tinha muita coisa do nosso Ênio. Fora muitas ideias dele que eu peguei e guardei — reconhece Otacílio.
O diferencial da equipe, aponta o treinador, estava no meio de campo. Ali, aliavam-se virtudes como marcação obstinada, inteligência para executar as jogadas e, acima de tudo, velocidade.
— Eu contava com Bonamigo, Cuca e Cristóvão, três jogadores formidáveis, que cumpriam as três funções essenciais daquele setor, que é marcar, conduzir e avançar para fazer gols — destaca Otacílio, que abre parênteses para um jogador em particular:
— Valdo era um espetáculo.
Técnico das seleções sub-17, sub-20 e principal do Congo, Valdo, 55 anos, devolve o elogio direto de Brazzaville, onde é localizado ao telefone por GaúchaZH.
— O mentor de tudo era o Chapinha. Verdade seja dita — elogia o ex-meia-atacante, com passagem por Benfica-POR e Paris Saint-Germain, citando o apelido de Otacílio entre os jogadores.
Dentro de campo, os torcedores enxergavam o resultado de um meticuloso trabalho realizado ao longo da semana, nos treinamentos. Otacílio desenvolvia um conceito e levava ao extremo a exigência para que os jogadores o executassem.
— Quase todos os dias, treinávamos dois toques. A instrução era controlar a bola, fazer o passe e deslocar. Sempre em movimento. Liberdade de criação, só no último terço de campo, na zona de finalização. Ali, podia driblar — pontua Valdo, que faz uma pausa antes de descrever o que acontecia quando a bola chegava na frente. — Dentro da área, o Lima era demais, com aquela velocidade e chute.
— Nosso time encaixou uma forma de jogo. Era um toque só na bola, no máximo. Era muito difícil o Grêmio não ter mais posse de bola do que o adversário — complementa Paulo Bonamigo.
O Grêmio Show também é uma história de resgate. Trazido do Corinthians no ano anterior, o baiano Cristóvão Borges não se firmara com Luiz Felipe Scolari. Otacílio foi cirúrgico ao descobrir uma nova função.
— Ele (Cristóvão) seria dispensado, mas pedi à direção que ficasse. Expliquei que sua posição não era meia avançado pela direita. Comigo (no Athletico-PR), havia jogado como segundo volante pela esquerda — explica o treinador.
Valdo acrescenta a liderança como outra virtude:
— Cristóvão era líder. Um líder nato. Ele nunca iniciava os debates, mas era sempre quem fechava. Quando ele falava, estava falado.
A avassaladora vantagem nos Gre-Nais disputados em 1988 colaborou para reforçar no imaginário da torcida do Grêmio a mística de time dos sonhos. Em cinco clássicos, foram três vitórias. A primeira delas, dia 12 de março, por 1 a 0, no Olímpico, teve como consequência uma das tantas ironias do futebol. Ao vencer, Otacílio forçou a demissão de seu mestre Ênio Andrade, substituído no Inter por Gainete.
No Gre-Nal da noite chuvosa de 26 de abril, também no Olímpico, o Grêmio chegou aos 3 a 1 em jornada iluminada de Lima, autor de dois gols, e Valdo. Constrangido, Pedro Paulo Zachia, presidente do Inter, criou a expressão Grenalite para definir a inferioridade de seu time ante o rival.
— Otacílio gostava do futebol vistoso, com gana vencedora, mas não descuidava do aspecto defensivo. Já entrávamos em campo mentalizados a ficar com a bola. Quando alguém era desarmado, voltavam todos para deixar o time agrupado — detalha Bonamigo.
No final do ano, já sem Valdo, vendido ao Benfica, de Portugal, o time começou a perder o encanto. Três derrotas em quatro partidas pelo Brasileirão — 3 a 0 frente ao Cruzeiro, 2 a 0 para o Vasco e 1 a 0 contra o Botafogo — e um empate contra o Corinthians, no Olímpico, geraram ondas de insatisfações entre os torcedores. De incensado no primeiro semestre, Otacílio passou a ouvir o coro de burro brotar das cadeiras e arquibancadas do estádio. Dia 28 de novembro, uma segunda-feira, em entrevista coletiva, o então presidente Paulo Odone anunciava sua disposição de tomar "medidas radicais" para resolver a situação. No dia seguinte, ao ler os jornais, Otacílio interpreta a fala presidencial como um recado. Marca uma reunião com Raul Régis, comunica que está de saída e pinga um ponto final no Grêmio Show.
— Pena que imediatismo e pressões provoquem tanto desgaste — lamenta Cristóvão, em declaração publicada dia 30 de novembro por Zero Hora.
Time-base:
Mazaropi, Alfinete, Astengo, Luis Eduardo e Airton; Bonamigo, Cristóvão, Cuca e Valdo; Lima e Jorge Veras.
Técnico: Otacílio Gonçalves da Silva Jr.
Curiosidades
A motivação do apelido
Entre março e abril de 1988, o Grêmio vence 10 partidas em 12 confrontos pelo Gauchão e pela Supercopa dos Campeões da América. Marca 26 gols e sofre cinco. O aproveitamento chega 87,5%. O time conquista o primeiro turno da fase classificatória do Gauchão e elimina o Boca Juniors na Supercopa. A única derrota foi para o Santa Cruz, nos Plátanos: 1 a 0.
Depois do apelido
O Grêmio é tetra do Gauchão, mas acaba eliminado na Supercopa. Foram mais 15 jogos, com apenas duas derrotas. Uma delas, para o River Plate, em Buenos Aires, causando a desclassificação na competição sul-americana.
Imbatível no Olímpico
Nos primeiros quatro meses de 1988, o Tricolor não perdeu em casa: 14 vitórias em 17 jogos, marcando 39 gols e sofrendo 11.
Invencibilidade em Gre-Nais
Ao longo de 1988, o Grêmio de Otacílio enfrentou o Inter cinco vezes (quatro pelo Gauchão e um pelo Brasileirão). Foram três vitórias e dois empates.