Quando a equipe de GaúchaZH sentou nas três cadeiras colocadas em frente à mesa de Romildo Bolzan Júnior, na Arena, o presidente do Grêmio estava terminando de comer duas frutas que dividiam espaço com papéis no tampo envidraçado. A reeducação alimentar, iniciada após a cirurgia bariátrica realizada em 2017, lhe permite resistir sem maior sacrifício o fato de ainda não ter almoçado às 14h de quarta-feira, dia 12. Como há outras entrevistas marcadas, não há previsão de uma refeição forte.
— Perdi 50 quilos. Hoje, estou com 93 — comemora Bolzan, que pesava 143 quando foi operado.
Ter emagrecido foi uma das muitas vitórias alcançadas pelo dirigente desde que assumiu o clube, no início de 2015. Outras tantas foram dentro de campo, como os títulos havia tantos anos represados. Entre os êxitos fora dos gramados, está a reorganização financeira do Grêmio. O que lhe autoriza dar um conselho para aquele que sucedê-lo no cargo, no final de 2019.
— Se você achar que é o cara, o dono da caneta, e tiver gastado tudo que não podia e mais um pouco ainda, volta a roda viva da dificuldade — adverte.
O Grêmio pode comprar hoje um jogador como fez com André e Marinho?
Temos crédito para fazer isso. Um ou dois nós temos condições de fazer desta forma. Vamos procurar nomes de qualidade, mas a ideia é comprar quatro ou cinco jogadores que possam nos atender bem. O resto é quem está aí, mais a gurizada da base, e vamos lá.
Os nomes dos reforços já estão definidos?
Sim, já estão. Foram decididos em consenso, desde o início de outubro.
O Thiago Neves estava nesta lista?
Estava.
Qual é o estágio da negociação com ele?
Está distante. Uma mera consulta, nunca teve proposta. Fomos no Cruzeiro, fizemos consulta e não andou de maneira adequada. O empresário dele somente balizou a faixa salarial. Poderá até dar negócio, mas não sairá tão rapidamente assim.
Para quais posições vocês vão contratar?
Vamos trazer laterais, zagueiro, volantes, meia e atacante. Nem todos, talvez, serão no mesmo nível. Do meio para frente, vamos tentar comprar jogadores mais prontos, capazes de darem resposta mais rapidamente. Também vamos aproveitar jovens da base, jogadores que estão aqui, os que voltam (de empréstimo) e os que forem comprados dentro de um contexto de aposta. Jogadores que estão despertando e podem vir para cá.
Vocês estão dando prioridade a nomes brasileiros?
Estamos observando em todos os mercados. Brasileiros na Europa, mercado Sul-Americano, mercado brasileiro. É bom que se diga que o Renato prefere trabalhar com jogadores brasileiros. Ele tem esta preferência. E não vamos comprar jogadores para ficarem arquivados. Todas as contratações passam pela comissão técnica, também pela avaliação do Centro Digital de Dados (CDD) e da direção. Tem um processo, um protocolo que acontece para a discussão desses assuntos. Passa pelo dinheiro, pela possibilidade, quanto se paga.
Quais atletas do grupo podem ser negociados?
Nós podemos perder jogadores, sim. Está aí o Everton, que pode ser perdido. Pode ter proposta por outros. Alguns jogadores vão sair agora, mas o Everton acho difícil. O que vai movimentar mais o grupo é o mercado brasileiro.
Chegou oferta pelo Luan?
Não chegou. O Luan é um jogador que não tem proposta de nenhum clube estrangeiro. Mas sondagens por situações de clubes nacionais tem. Só que ninguém chega perto. No ano passado, ele foi o melhor jogador da América. Ele ainda tem espaço no cenário internacional. No mercado norte-americano, no México, algum país europeu. As lesões atrapalharam muito, é fato.
Qual clube brasileiro se interessou por ele?
Tem consultas aí. Quem poderia cobiçar o Luan? Os grandes clubes brasileiros, principalmente os que vão disputar a Libertadores. Estes são os que podem cobiçar o Luan. Mas se eles têm bala (para fechar negócio)? Acho que não.
O André Zanotta está indo embora?
Ele tem uma questão familiar, dele, pessoal, e nos comunicou. Essas questões são muito sensíveis, você tem de se sentir à vontade no ambiente de trabalho. Está tentando resolver com a esposa, como ele faria. Se a família vem para cá, se ajusta melhor a convivência. Ele tem dois filhos pequenos, de dois ou três anos. Uma situação chata. Os caras saem de casa, passam o mês inteiro fora. Se organizar isso, tranquilo. Ele tem desejo de continuar, mas tem esse problema. Ainda não disse para nós nem sim e nem não. Se vai dar jeito ou não, ele vai nos dizer mais adiante.
Quem poderia assumir o lugar do Zanotta? Marcelo Rudolph ou Carlos Amodeo?
A gente vai examinar. O Marcelo é supervisor. Se o Zanotta sair, ele mesmo sugeriu dois ou três nomes para serem avaliados. Mas não entramos nessa fase. Temos o desejo que ele consiga resolver sua situação pessoal. O Amodeo tem outra função. Ele é chefe desses caras aí. É o gerente geral, CEO, e coordena todos os executivos de área. O organograma do clube é esse. Não tem essa história de acumular funções. Ele pode colaborar nos processos porque faz parte da função dele. Ele gosta de futebol, tem boa cabeça para isso. Mas os processos já estão estabelecidos.
Vocês terão de vender algum atleta para fechar as contas?
Nossa questão orçamentária está muito bem equacionada no ponto de vista da minimização do clube. Como a cota do Gauchão é única, vamos jogar com um valor fechado. Estamos calculando receitas para disputar apenas a fase de grupos da Libertadores, apenas para jogar a primeira fase da Copa do Brasil e receita para chegar em oitavo lugar no Brasileirão. Se você faz isso, já sabe as receitas que vai ter. Afinal, as premiações já são previamente anunciadas. Nosso orçamento é de R$ 320 milhões contando com estas receitas. Das arrecadações que o Grêmio tem, colocamos R$ 36 milhões como venda de jogadores. Era R$ 62 milhões no ano passado. Estamos cada vez mais melhorando nosso perfil de receita e dependendo menos da venda de atletas.
No orçamento de 2019, quanto está destinado para o futebol?
O custeio do futebol manteve praticamente as mesmas despesas realizadas em 2018. São R$ 190 milhões, envolve salários, todo o orçamento do futebol.
Quanto será a folha salarial para 2019?
Temos que saber o que vamos desonerar da folha. Temos o limite de folha anual. Com a comissão técnica, vira na faixa entre R$ 8,5 e R$ 9,5 milhões. Nós queremos fixar para o ano que vem um parâmetro de folha de R$ 9 milhões. Vamos trabalhar nesse limite. Desonerando a folha, teremos substituições. Nosso parâmetro é chegar nesse limite de R$ 9 milhões a folha bruta por mês.
Quando o Grêmio vai conseguir que a receita do Quadro Social banque o futebol?
Isso pode acontecer na medida em que o Grêmio comprar a operação antecipada da Arena.
O grande plano é ter um Quadro Social que gere R$ 10 a R$ 12 milhões por mês no futebol. Hoje, o Grêmio fatura cerca de R$ 7 milhões. E paga a cessão onerosa (aluguel do espaço para os associados) de R$ 1,7 milhão com esses recursos. Seguiremos pagando o financiamento, mas teremos mais bala na agulha. Como se faz isso? Com um novo plano de ocupação do estádio com os sócios. O sonho de consumo de gestão, aquilo que dá sustentação, é o sócio pagar o futebol do Grêmio.
Como anda a negociação da Arena?
É bom que essa conceito fique claro. Ah, comprar o estádio. Não, o estádio já é do Grêmio. Assim como o Olímpico é, em tese, da construtora. O terreno fez parte do negócio. Mas nem o Grêmio virou dono da Arena, documentalmente, tampouco a empresa detentora do contrato é dona do Olímpico. Ninguém repassou nada porque houve inadimplência da parte deles. O Grêmio tem um contrato com a Arena Porto-Alegrense de exploração por 20 anos. Já passaram seis, quando o Grêmio fala em fazer este negócio, estamos antecipando a compra da operação do estádio. Só isso. O estádio, daqui 14 anos, será do Grêmio. Esse é o conceito correto do negócio. Nós estamos muito esperançosos que essa situação comece a ficar mais clara.
O senhor conseguirá concluir a aquisição dentro de sua gestão?
Qual o meu sentimento? Está muito mais perto do que longe de chegar a um ponto final de tudo isso. E vai passar muito pela sensibilidade do Ministério Público e do Tribunal de Contas do Estado. Eles têm uma boa visão do assunto. Querem garantias, é mais do que natural. E o Grêmio facilitará (na quinta-feira, dia 13, o TCE e o MP suspenderam o acordo que havia sido feito com a prefeitura para a realização das obras do entorno).
Os bancos já deram o ok para o negócio?
Já foi reaberto o processo de financiamento desse negócio. Saímos da negociação em 2016 e agora retomamos nossa participação. Já estivemos no Banrisul, que era o presidente do sindicato dos bancos que financiaram a operação, e está muito disposto a entrar como facilitador do processo inteiro. O Banco do Brasil também entraria como refinanciador.
O senhor já prepara seu sucessor? Quem será ungido pelo atual presidente?
O que mais vale é o ambiente. Vou trabalhar até o último momento para que o Grêmio tenha uma candidatura de consenso junto ao Conselho de Administração e Deliberativo e crie-se as condições para manter o mesmo nível do debate que temos hoje. Vou esgotar todas as minhas forças para construirmos um ambiente politicamente saudável no Grêmio, respeitoso como nós temos hoje e que isso possa resultar numa candidatura de consenso.
Sem oposição?
Sem oposição, consenso. Sei que é uma tarefa difícil, complicada. Mas eu farei todo o meu esforço para atingir esse objetivo. Aí, se trabalha muito mais no conceito do que na pessoalidade, liderança, tem que ser uma pessoa respeitada por todos para depois fazer andar o processo. O Grêmio está num momento bom de refletir essa maturidade. Essa cultura de manter um clube cada vez mais organizado e autossuficiente. As amarras legislativas do futebol brasileiro vão conduzir cada vez mais para isso. Cada vez mais será exigindo do clube essas responsabilidades.
A partir de janeiro, começará uma romaria de vice-presidentes em sua direção querendo ser o escolhido?
A última coisa que quero é ser dono do processo. O melhor é que todos sejam maduros para interpretar isso. Que sejam capazes não de se matarem numa mesa, mas de entenderem que o processo que o Grêmio vive hoje é muito frágil. Em um ano, poderá botar tudo a perder. Se fizermos loucura, volta todo o endividamento. Há vários casos. No Brasil inteiro. Se você achar que é o cara, o dono da caneta, e tiver gastado tudo que não podia e mais um pouco ainda, volta a roda viva da dificuldade. Estamos conscientes de que este é o processo. Quem vem depois também pode trabalhar essa ideia, porque será uma alternativa importante para o Grêmio sobreviver. Estamos cada vez mais desonerando passivos. Neste início de ano, entre os três primeiros meses, vamos desonerar praticamente R$ 10 milhões, pagando antecipadamente junto ao Banrisul, para ter o fluxo de caixa completamente livre, para cumprir integralmente as obrigações do mês. Isso agrega aos R$ 25 milhões desonerados antes. Vamos para R$ 35 milhões desonerados no primeiro semestre.
Qual é a dívida bancária do Grêmio hoje?
É de R$ 22 milhões. Agora, ela ficará em torno de R$ 12 milhões.
Os clubes brasileiros terão aumento nas cotas de participação da Libertadores?
Já ocorreu uma reunião na CBF, na qual o Marcelo (Medeiros, presidente do Inter) representou o Grêmio. A CBF já se comprometeu a organizar esse debate junto à Conmebol. O que é certo é que a audiência brasileira e os resultados do patrocínio brasileiro respondem de 50 a 55% de todo o resultado do contrato. Está se tentando levar isso na proporção para efeitos de pagamento. Só que isso depende de um conselho técnico. Você tem Venezuela, Colômbia, Equador, Chile, Peru e Paraguai com o mesmo peso. As fases são pagas iguais.
O Grêmio teme ser marcado pela Conmebol daqui para frente?
Não temos essa força toda. É muito mais fácil ser marcado do que propriamente exercer influência. O problema da Conmebol são os processos. Todo mundo sabe que vai ter mais dinheiro nos contratos de patrocínio, mas ninguém sabe o montante até agora. Todos sabem que vai ter um pouco mais, mas ninguém sabe como será a repartição. Essas coisas que deixam tudo obscuro.
Você irá ao Paraguai no sorteio da Libertadores?
O Grêmio estará lá, mas não irei. Não tenho por quê, já fui a todas as demais. Dessa vez, tenho uma homenagem em Tramandaí. A Câmara de Vereadores vai me fazer uma homenagem. Prefiro ir a Tramandaí. É no dia 17, título de cidadão honorário de Tramandaí.
Você está preparado para novas batalhas com a Conmebol?
O Grêmio não perde sua soberania. Eu não gosto de me acocar. Quando você representa uma instituição, não trabalha em causa própria. Quando a instituição se sente injustiçada, você tem de reagir dentro dos limites possíveis. Não é uma coisa assim de berro, de ignorância. O Grêmio não foi desclassificado pelos 10 minutos de apagão tão somente. Foi desclassificado, e com prejuízo enorme por não ter jogado a final, por conta de um erro de arbitragem. Dois erros, três erros de arbitragem. O juiz de campo, bandeiras, o VAR. Como é que não vou berrar? Essa história de sinalização do VAR comprada é uma grande palhaçada. Deveria comprar todos os sinais de televisão que estão no estádio. É muito mais barato comprar os sinais da SporTV, Fox, ESPN, RBS. Pega os sinais de todo mundo e coloca à disposição dos caras. Se tivesse isso, não ia ficar a dúvida do que estava ou não no ar, porque iria ser publicizado. Ou tu acha que o árbitro de vídeo não deve ser publicizado? O de campo está exposto. Todo mundo está vendo as c... dele, os acertos dele, as conferências que podem ser feitas na TV. Mas o árbitro de vídeo é uma caixa preta.
Vocês pediram os vídeos da cabine do VAR à Conmebol novamente?
Pedimos novamente os documentos do áudio, queríamos toda a auditagem de áudio e de vídeo. Mais uma vez, não nos mandaram. No dia que expor isso, não tem problema nenhum.
Você voltará para a política depois que largar o Grêmio?
Não tenho essa pretensão. Mas também, como diz o outro, "o cachorro é ovelheiro", né.
A única coisa que te digo é que jamais utilizarei o Grêmio para um mandato político.