O futebol não deve ser analisado com a mesma régua de lucidez das atividades humanas ditas sérias, aquelas que realmente importam, como dirigir um ônibus urbano, alfabetizar crianças na escola ou administrar um país. Até poderia, mas na minha opinião apenas em algumas dimensões bem específicas, como a financeira, a jurídica e a tática. Nas demais, como, por exemplo, em relação à magia da disputa, à paixão do torcedor ou ao folclore da rivalidade, é excesso de rigor. É bola fora.
Por isso a entrevista do capitão Maicon é antológica. Sentado ao lado de dois dirigentes, como o momento exigia, o volante do pé redondo tratou o Gre-Nal 417 como merecem ser considerados todos os clássicos. Meninas e meninos sabem que um Gre-Nal não começa no momento em que o juiz autoriza o início do jogo e não termina quando se encerra o tempo regulamentar. O Gre-Nal é um organismo vivo, que se move por conta própria. Portanto, tratar com intensidade tudo o que se refere a ele é algo que precisa ser valorizado pois é sintoma do mais sadio profissionalismo, sinal de que um jogador rico e consagrado como ele se importa com o aspecto mais lúdico do esporte.
Maicon esclareceu alguns episódios pós-jogo. Era necessário. O Rio Grande ainda não havia encerrado a partida. Explicou o suposto pedido de arrego, respondeu a flauta de adversários e relembrou seus feitos recentes, as taças no armário que justificam a existência de um time de futebol. Falou diretamente aos torcedores do Grêmio, ainda magoados pela derrota, apesar do esforço do nosso time misto. Qual o problema disso? Lealdade e paixão deixaram de ser valores nobres no divertido mundo do futebol? O que acontece nos bastidores das partidas ou no relacionando entre os jogadores não importa, mesmo o futebol mobilizando tantas pessoas o tempo todo? Por favor!
O mundo anda muito chato, e chega a ser patético tentar encaixar qualquer esporte na exclusiva caixa da sisudez. Para quem assiste, é apenas um entretenimento (tirando os casos de fanatismo e exagero, é claro). Deveria ser, pelo menos. Tentar racionalizar as palavras do capitão é como tentar tocar a linha do horizonte. Ele deu uma lição de respeito ao torcedor, razão de ser de todo o clube. Até fãs do nosso oponente local reagiram às palavras do comandante gremista, comprovando o acerto da intervenção dele. O futebol é isso: certa insanidade, busca pela identidade e rivalidade sadia — cuidadosamente alimentada, como no caso.
Nos limites da civilidade, mais entrevistas como a do Maicon ajudariam a trazer mais vida e graça ao futebol. Obrigado, Maicon!