Após passar 17 meses longe dos gramados, Douglas quer mais. O meia de 36 anos superou o desejo de largar o futebol depois da segunda cirurgia no joelho esquerdo e tem planos de estender a carreira por, pelo menos, mais dois anos. De preferência, com a camisa do Grêmio e o número 10 às costas. O catarinense de Criciúma se sente em casa na Arena, é uma das lideranças do grupo do técnico Renato Portaluppi e, se depender da sua vontade, se despedirá dos gramados em frente ao torcedor gremista, o mesmo que o apelidou de Maestro Pifador.
No ambiente do CT Luiz Carvalho e da Arena, o meia é apenas o "10", apelido dado pelos companheiros. Mesmo nos meses que passou afastado com as duas cirurgias de reconstrução do ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo, seguiu como um dos líderes do grupo. Mesmo que não tenha a mesma destreza de Maicon e Geromel com as palavras, sua liderança é inquestionável nos bastidores gremistas. A mensagem é passada nos vestiário por meio de atitudes.
— Ele tem uma grande liderança no grupo, é uma referência por seu histórico de carreira. Teve sucesso por onde passou. É uma pessoa de caráter fantástico, serve de exemplo. Sempre buscou nos ajudar, mesmo não estando em campo. Ele exerce essa referência no grupo. Fala quando precisa — comentou André Zanotta, diretor-executivo do clube.
As cirurgias no joelho interromperam um dos melhores momentos de Douglas no Grêmio. Protagonista no time de Renato Portaluppi, e eleito o melhor jogador da Copa do Brasil de 2016, começou a temporada de 2017 com a renovação de contrato por dois anos. Mas no dia 8 de fevereiro do ano passado, veio o primeiro baque. Em lance durante um treino com o atacante Tilica, do grupo de transição, o pé do meia ficou preso no gramado. Foi confirmada a primeira lesão grave de uma carreira de 15 anos, iniciada em 2002, no Criciúma. A previsão inicial era de que o camisa 10 voltaria para a sequência da temporada, para disputar a reta final da Libertadores.
Mas então veio o golpe que balançou Douglas. O enxerto feito para corrigir o ligamento lesionado também se rompeu. Em outubro, a segunda cirurgia foi realizada. E mais um ciclo de fisioterapia e dor se iniciou. Por vezes em até três turnos, o meia realizou tratamento no CT Luiz Carvalho. Além do apoio da família, companheiros e amigos, uma outra fonte de força surgiu e afastou o desejo de aposentadoria.
Tilica e Matheus Carrasco, dois meninos do grupo de transição, passam pelo mesmo processo de recuperação. Assim como Douglas, os jovens precisaram realizar duas vezes a cirurgia de reconstrução do ligamento cruzado.
— Ele nos disse para não desistir. Avisou que seria dolorido, mas que tínhamos de manter a cabeça boa. Agora estou vendo ele de volta, isso dá um ânimo a mais — comentou Matheus.
Nos últimos dias antes de reestrear com a transição, Douglas deu o recado aos ex-parceiros de recuperação:
— No que precisarem, podem contar comigo.
Enquanto o restante do grupo principal curtia alguns dias de descanso durante a Copa do Mundo, Douglas treinou com a transição e fez seu retorno aos gramados, 503 dias depois da lesão, na goleada por 3 a 0 sobre a Chapecoense, em 26 de junho, pelo Brasileirão de Aspirantes.
— Ele ficou conosco por uma semana. Passava o tempo inteiro conversando com os meninos, principalmente com orientações nos trabalhos táticos. Era o primeiro a chegar em todas as atividades, nas palestras e aos treinos. Além de uma baita jogador, vi um grande profissional — avalia Thiago Gomes, técnico da transição.
A espera para voltar a um jogo oficial chegou ao fim um pouco depois, no dia 19 de julho, quando o Tricolor venceu o Atlético-MG por 2 a 0, no retorno do Brasileirão.
— É um sentimento indescritível. Foi muito emocionante voltar a jogar na Arena, ver a torcida gritando teu nome. Me contive para segurar o choro. Poucos sabem tudo o que passei durante esse tempo fora, o quanto me dediquei para voltar a fazer o que mais amo, que é jogar futebol — contou Douglas a GaúchaZH.
Os amigos que acompanharam sua jornada, no entanto, sabem o quanto foi difícil ver Douglas encarar por uma segunda vez a cirurgia no joelho e todo o protocolo de tratamento.
Enquanto estava em sua nova recuperação - e contemplava a ideia de deixar a carreira -, Douglas se cercou dos amigos e da família para ter suporte na rotina maçante de fisioterapia, academia e volta aos gramados. O jogador dividia seu tempo entre Porto Alegre, Bento Gonçalves e Içara-SC.
— Ele suportou bem a primeira. Nunca tinha se lesionado, nem sabia como era. Não lembro dele reclamar muito. Nunca abaixou a cabeça, estava todos os dias no CT para ficar pronto. Encontrou seus refúgios, com pessoas que gostam dele. Douglas não é da balada, não. Gosta de reunir os amigos para rir, tocar uma viola. Ele gosta de sertanejo, conhece as letras — comenta Marcos Portela, amigo do meia e sócio da empresa AM Select, que assessora jogadores em questões do dia a dia.
Uma das principais histórias do período que passou afastado foi a questão do peso. Ainda mais pelas frequentes brincadeiras do técnico Renato Portaluppi.
Vamos torcer para que ele perca mais dois, três quilos. Para quem chegou com 14 acima do peso, até que está bem
RENATO PORTALUPPI, APÓS O AMISTOSO CONTRA O CORINTHIANS.
Mais do que preparador físico, Rogério Dias, o Rogerinho, o homem que faz o time do Grêmio correr, virou um conselheiro de Douglas durante o período de recuperação. O momento mais difícil foi ajudá-lo a superar a frustração do isolamento do restante do grupo, nas mãos dos fisioterapeutas. Depois da segunda cirurgia, realizada em outubro de 2017, esteve ao lado do meia por três meses, em trabalhos na academia e no campo, com cargas e atividades limitadas, supervisionadas pelos fisioterapeutas. Como Douglas reapresentou-se antes do grupo que havia atuado nos Emirados Árabes no Mundial de Clubes, já a partir de janeiro iniciou os trabalhos de força e corridas, sempre complementados com bola. Ao todo, o meia perdeu 17 quilos.
— O mérito é todo dele. Entendeu que 70% do retorno dependeria de sua força de vontade, e somente 30% da equipe que trabalharia com ele. Ele havia ganhado peso por não poder fazer os trabalhos normais de corrida, saltos e aceleração — diz Rogério, sem esconder que devolver o meia aos gramados representou um forte desafio.
Ainda que Douglas tenha atuado por alguns minutos contra Atlético-MG e Vasco, sua volta ainda ainda será gradual. Rogério Dias não arrisca dizer quando ele terá condições de disputar uma partida inteira.
— Será difícil determinar o tempo. Tudo vai depender da intensidade do jogo, se ele se sente confortável. Douglas é muito consciente e sabe que precisa passar esse retorno ao treinador — observa o preparador.
Para Douglas, a relação com a balança é tranquila. Quando as coisas vão bem dentro de campo, o assunto é tratado como folclore e brincadeira. Nas derrotas, a pauta ressurge. Após se manter nos parâmetros estipulados durante a recuperação da primeira cirurgia, as férias do final do ano passado foram um momento de relaxamento. Por isso, voltou acima do peso ideal em 2018. Seguindo as orientações da nutrição e dos preparadores físicos, alcançou os parâmetros estipulados pela comissão técnica.
— Sou muito profissional, respeito meu clube e meu torcedor. Valorizo o esforço que eles fizeram para me ter aqui. Treinei muitas vezes até em três turnos para me recuperar o mais rápido possível. Quando estou trabalhando, sei de todas minhas responsabilidades e tenho meus objetivos profissionais também. Por isso, não me incomodo com o que falam disso. Sei que trabalho sério para defender o Grêmio e esta torcida.
Mesmo com a intenção de seguir jogando, a vida pós-futebol já está bem encaminhada. Enquanto se recuperava, passou a frequentar escritórios e o mundo empresarial. Douglas levou a sua marca para fora dos gramados. Primeiro, lançou uma linha de cosméticos, depois investiu na abertura de uma quadra de futebol. Por último, até pela fama de ser um apreciador voraz do produto, veio a investida no mercado de cervejas.
Neste domingo, contra a Chapecoense, Douglas pode voltar a ser titular com a camisa do Grêmio depois de 539 dias. A oportunidade de escrever novos capítulos de uma história que já acumula 238 jogos, 42 gols e 38 assistências.