Discreto e reservado, André Zanotta, o executivo de futebol do clube, traz no DNA a paixão pelo Grêmio. A paixão veio do berço, transmitida na família do pai. A avó, que trocou Pelotas por São Paulo, iniciou a relação com o clube, repassada para o filho e posteriormente para o neto. Mesmo que André, 38 anos, tenha nascido na capital paulista, o verde do Palmeiras não substituiu o protagonismo do azul, preto e branco em sua casa.
A trajetória profissional de Zanotta é fruto de uma nova tendência no país. Nos últimos anos, a função de diretor-executivo ganhou cada vez mais importância nos clubes brasileiros. A figura é tradicional pelo mundo, mas os diretores amadores ainda predominavam no país até o final da primeira década dos anos 2000.
Contratado para comandar o departamento de futebol nos bastidores, André virou o elo entre Romildo Bolzan e Renato Portaluppi. Sua responsabilidade é garantir todas as condições de trabalho para comissão técnica e jogadores, enquanto atende as condições repassadas pela direção. E com a rotina diária, a convivência com Renato estreitou o vínculos do departamento de futebol com o vestiário.
– A convivência com o Renato é uma grata satisfação. Um cara fora de série. Poucas vezes vi um alguém tão apaixonado pelo clube em que trabalha. Ele é inquieto, quer tudo funcionando com perfeição e te ouve para discutir ideias.
Além de discutir ideias e projetos com o técnico, os jogadores também têm voz na gestão de Zanotta. Mais do que a presença diária antes dos treinos, o executivo mantém conversas por telefone e whatsapp com as lideranças do grupo. Geromel, Maicon, Ramiro e Marcelo Grohe estão sempre em contato.
– Adoro o vestiário pelo ambiente, que é muito bom. Uma das minhas funções é essa, resolver os problemas e buscar o melhor para os atletas. Sempre que tem alguma demanda, vou até o vestiário para sentir o ambiente e o que é necessário.
Mas, além das relações pessoais do dia a dia, Zanotta se credencia ao cargo pelo currículo de respeito no mundo acadêmico. Advogado de formação, compara sua trajetórias à de Rui Costa, hoje na Chapecoense, e Gustavo Vieira, atual executivo do Santos, que também deixaram a vida de terno e gravata nos escritórios para trabalhar com a gestão do futebol.
Com passagens pelo escritório da Traffic – onde auxiliava na administração do Desportivo Brasil, agora gerido pelo chinês Shandong Luneng, e do Estoril-POR, Zanotta comandou o futebol do Santos e do Sport até ser contrato por Romildo Bolzan Júnior no início de 2017.
O caminho para a profissão nasceu ainda na faculdade. No último ano do curso de direito, uma oportunidade foi oferecida aos alunos interessados na área esportiva. Carlos Miguel Aidar, ex-presidente do São Paulo, daria um curso na universidade. Zanotta, claro, não perdeu a chance.
Poliglota, o executivo gremista fala espanhol, francês, inglês e italiano. Seus primeiros passos em direção ao mundo do futebol vieram pela facilidade de traduzir as questões jurídicas nos contratos de transferências e negociações de jogadores. Formado, passou a trabalhar em um famoso escritório paulista e começou a ter contato mais intenso com o mercado do futebol, principalmente em questões de cobranças de direitos de formação de atletas para clientes como CBF, Corinthians, Cruzeiro e Atlético-PR, entre outros clubes.
– Via como muitos clubes tinham carência de profissionais dedicados na área. Despertou meu interesse de participar na gestão de clubes.
Cansado de ficar preso apenas na parte jurídica, resolveu ampliar sua atuação, entrar na gestão do dia a dia. Após pesquisar opções, encontrou dois cursos, o Fifa Master e o MBA em Football Indrustries, esse da Universidade de Liverpool. Optou pelo primeiro, o mestrado mais conceituado na Europa sobre gestão de esporte.
– É o braço de estudos da Fifa. Criaram este curso em 2000, fiz parte da décima turma.
Foram três módulos: quatro meses na Inglaterra para estudar a história do esporte, quatro meses na Itália para administração, finanças e marketing esportivo e mais quatro meses na Suíça, três deles dedicados a estudo do direito esportivo no país, e mais 30 dias mês para preparar e apresentar o trabalho de conclusão do curso.
– Não pensava em ser executivo, mas queria trabalhar em clubes. Estudei para isso.
Depois de rápida passagem trabalhando na gestão dos clubes da empresa Traffic, Desportivo Brasil e Estoril-POR, Felipe Faro, hoje no Figueirense, transferiu-se para o Santos e resolveu apostar em Zanotta como seu braço direito.
– Estava no lugar certo na hora certa – diz o executivo.
Após um ano, Faro deixou o clube, e o seu indicado assumiu como o superintende de futebol na Vila Belmiro. Foram três anos de trabalho até a oposição vencer as eleições do clube. Apesar da troca de gestão, foi convidado e aceitou permanecer. Conquistou títulos, participou do turbilhão da venda de Neymar para o Barcelona e ganhou experiência na montagem do grupo de jogadores.
O ciclo no Santos acabou, e Zanotta mudou-se para o Sport, com a missão de remontar o time para a temporada 2016. As expectativas do campeonato de 2015, quando o Sport acabou em sexto no Brasileirão, criaram um peso excessivo para um clube com restrições de orçamento. Um ano depois, ele deixava Recife em busca de novo desafio.
Livre no mercado, chegou a participar de um processo seletivo para trabalhar na MLS, a liga norte-americana de futebol, mas a vaga aberta no Grêmio entrou no radar. Enviou seu currículo e despontou como um dos favoritos. Após entrevistas, recebeu o convite de Bolzan e assumiu oficialmente a função no dia 15 de março.
Apesar do protagonismo do futebol no dia a dia, o principal foco do seu trabalho é criar projetos que garantam evolução das rotinas do clube. Um estudo feito com o auxílio de Renato Portaluppi criou um novo protocolo no CT Luiz Carvalho para os atletas.
Desde o dia 5 de fevereiro, inspirado por um material produzido pelo Norwich, da Inglaterra, cada passo dos jogadores no CT é planejado. No estudo, desde o lanche antes do treino até o trabalho físico individualizado é pensado. O objetivo é individualizar o atendimento, uma opção para tentar melhorar cada aspecto que cerca o jogador.
Com tantas responsabilidade, a rotina de Zanotta é pesada. Os seguranças do clube dizem que o executivo é um dos primeiros a chegar ao CT Luiz Carvalho para os dias de treinos e brincam que ele é quem costuma apagar as luzes do prédio, já que é um dos últimos a sair.
Com a mulher, Carolina, e os filhos Frederico, dois, e Izabel, quatro, morando em São Paulo, o trabalho consome grande parte das horas que seriam livres. Às vezes, quando os resultados também ajudam, é possível encontrar Zanotta correndo nos parques da Capital. Pela proximidade da sua residência com a Praça da Encol, é ali que costuma aproveitar o tempo livre.
A responsabilidade não termina no futebol profissional. A base também está sob sua observação. No ano passado, deu início à ideia de revisão do formato do Grupo de Transição. O planejamento é ter 18 jogadores trabalhando diariamente com as mesmas filosofias do time principal, para garantir uma evolução mais rápida das promessas da base.
– A função do executivo é muito mais do que contratar e vender jogadores – ressalva.
Como no esporte o resultado é soberano, o primeiro ano terminou em sucesso absoluto. O título da Libertadores, 22 anos depois da última conquista, respalda o trabalho iniciado. Dias antes da final da Arena, a vitória conquistada com o gol de Cícero e muita polêmica com o árbitro de vídeo, Zanotta teve a companhia do pai, torcedor do Grêmio e fã de Renato Portaluppi. Brincou com a situação e recebeu a resposta:
– Ah, ele não gosta de foto? Então vamos fazer uma foto, sim – avisou o técnico gremista.
Como parte da conquista do tri da América, Zanotta não precisou ver a multidão de gremistas que tomaram as ruas de Porto Alegre em êxtase pelo título. Bastou ver a reação do pai:
– Imagina, o filho e o ídolo dele foram campeões com seu clube do coração.