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Frei Francisco Javier, 62 anos, torce para não ser escalado para a missa das 16h deste sábado (16), na Igreja Santa Teresinha, localizada na Avenida José Bonifácio, bairro Bom Fim, na Capital. Se puder escolher, pedirá para proferir o sermão aos fiéis na celebração das 18h, quando já poderá estar encerrada a decisão do Mundial Interclubes, entre Grêmio e Real Madrid, em Abu Dhabi.
Esta não é a única preocupação do padre espanhol nascido em Burgos, hoje já quase sem sotaque, e que mora desde 1981 no Brasil, quando tinha 26 anos e apenas um de vida religiosa. Apaixonado por futebol, seu coração se divide entre o amor por Real Madrid e Grêmio.
A paixão pelo clube espanhol nasceu na década de 1970, quando Javier, então no Seminário Menor de Burgos, onde iniciou-se na teologia, viajava por duas horas até chegar a Madrid para assistir aos jogos do Real. Naqueles anos, costuma reservar um espaço entre as aulas para jogar futebol em posições opostas, "ora como goleiro, ora como centroavante". O Grêmio ele passou a amar pouco depois de desembarcar em Porto Alegre e ser levado ao Olímpico por colegas da Ordem dos Carmelitas Descalços.
— Foi o primeiro estádio que conheci. E o time havia sido campeão brasileiro pela primeira vez — recorda, por coincidência usando uma camisa azul.
Ao determinar sua vinda para o Brasil, o superior provincial de Burgos garantira a Javier que sua permanência no Brasil não passaria de três anos. Hoje, ele já completou 36 anos de Porto Alegre, com uma breve passagem por Uruguaiana, o que só fez aumentar seu amor pelo Grêmio.
Em outubro, quando o time recém preparava-se para disputar a semifinal da Libertadores, contra o Barcelona, de Guayaquil, Frei Javier começou a ser perguntado sobre quem torceria na decisão do Mundial. Pedia cautela e dizia que, primeiro, precisaria ser campeão continental. Mesmo hoje, a resposta ainda sai marcada por alguma hesitação.
— Não tem como responder. Só sei que o único a comemorar serei eu— sorri.
Nesta semana, Javier já se viu forçado a contrapor fé religiosa e paixão. Na terça-feira, estava certo de que chegaria a tempo para a missa marcada para 17h em um pensionato na Ramiro Barcelos, não muito distante da Igreja Santa Teresinha. O problema é que o jogo contra o Pachuca, iniciado às 15h, exigiu 30 minutos de prorrogação e Javier, contra a vontade, precisou sair da frente da TV.
— Fui a pé. Pelos rádios ligados na Gaúcha, fiquei sabendo do gol do Everton, pela gritaria das pessoas nas ruas. Quando cheguei ao pensionato, pedi às irmãs para assistir os minutos finais antes de começar a missa— conta.
Em tom de brincadeira, a preferência pelo Grêmio é evocada pelo frei durante os batizados, quando os cerca de 800 lugares da Igreja Santa Teresinha, conforme seu próprio cálculo, costumam ser todos preenchidos:
— Sempre pergunto se a criança será gremista. Se for, então eu batizo.
Como há sete missas marcadas para domingo, entre 8h e 19h30min, somente na segunda-feira Frei Javier terá tempo para vestir a camisa do Grêmio na caminhada diária que faz pela Redenção, sem importar o resultado do jogo. Aos torcedores colorados que cruzarem seu caminho, em vez de provocá-los, tratará de oferecer uma palavra de conforto.
— É possível torcer sem ser fanático. É preciso ser diplomático. Como é bom podermos estar juntos, mesmo sendo de torcidas diferentes — ensina.
Só uma decisão deixaria Javier em posição mais confortável neste sábado. Se o adversário do Grêmio fosse o Barcelona, o maior rival do Real Madrid, ele não teria qualquer tipo de pudor na hora de torcer na frente da TV. Por isso, ainda carrega algum tipo de dúvida, só dirimida por já ter criado raízes gaúchas depois de quase quatro décadas.
— Como já tenho mais tempo de Brasil do que Espanha, acho que sou mais Grêmio do que Real Madrid — diz.
Do lado de fora, fiéis que chegavam para a missa das 18h comentam ao ver o carro de Zero Hora.
— Padre Javier está famoso...