Os reservas do mundo devem prestar bastante atenção para a história a seguir. Era uma vez um jovem jogador cearense que, mesmo depois de muito tempo em um clube, nunca conseguiu ser titular. Ao contrário: tornou-se bancário absoluto, mesmo sendo o que mais vezes entrou em campo este ano e um dos artilheiros da temporada. Everton veio disputar o Mundial pelo Grêmio precisamente nessa condição invisível na comparação com estrelas como Luan e Marcelo Grohe, mas ontem só foi menos badalado nos Emirados Árabes Unidos do que Cristiano Ronaldo.
O golaço de estufar a rede que deu a vitória suada por 1 a 0 na prorrogação sobre o Pachuca abriu o mundo para o Cebolinha. E desabrochou em vários idiomas. Logo na chegada do Grêmio ao hotel em Abu Dhabi, palco da grande final de sábado, contra o Real Madrid de Cristiano Ronaldo e Cia, após 140 quilômetros desde Al Ain, torcedores em número expressivo o aguardavam. Bastou o assessor de imprensa João Paulo Fontoura aparecer na porta do hotel com ele e pronto. Nem Everton acreditou.
Muitos japoneses, filipinos e árabes queria tirar foto. Já fiz muitas coberturas de Seleção Brasileira e, posso garantir, aquele momento ali foi de histeria similar. Ficou complicado de falar com ele, cercado de microfones de emissoras do mundo tudo. Até a Al Jazeera, do Catar, a CNN do mundo árabe, queria saber sobre o reserva famoso do Grêmio. O jornal AS, da Espanha, queria mais. O repórter pretendia escrever um perfil de Everton, já antevendo o duelo contra a máquina de Zidane, o que de fato se confirmou à noite, com um 2 a 1 sobre o Al Jazira, não sem o susto merengue ao sair perdendo.
– Ninguém faz um gol daqueles por acaso. Um jogador que faz o gol decisivo dessa maneira é um protagonista. Se acertou um chute tão belo, tão plástico, pode perfeitamente repeti-lo. Por isso ele vale como personagem para a Espanha – explicou o repórter.
Além de disparar várias perguntas, que iam muito além de pinçar algumas declarações protocolares para uma matéria trivial, o fotógrafo espanhol ainda tirou Everton do meio da multidão na quase na marra. Levou-o para um gramado. É a famosa foto produzida, ele de braços cruzados e olhando para a câmera com cara de "uh, uh, terror, cebolinha é matador." Enquanto o autor de um dos gols mais importante da história tricolor assinava o nome numa camiseta do Real vestida por uma japonesa, cheguei ao seu lado e perguntei:
– Já tinhas dado entrevista em espanhol?
– Primeira vez! Acho que desde ontem (terça-feira) dei mais entrevistas que quase todo o meu tempo de Grêmio. Teve um que veio falar comigo em árabe lá no estádio! - espantou-se Everton.
Everton deve ser o reserva mais famoso do mundo neste momento. Basta navegar pelos sites e capas de jornais esportivos mundo afora ver que nenhum deles atribuiu menos do que "golaço" ao seu petardo em curva contra o goleiro Oscar Pérez. O Diário AS fez-lhe algumas perguntas diretas. Evertou saiu-se bem. Repare só:
– Que outros jogadores você admira no Real, além de Cristiano Ronaldo, se é que admira?
– Gosto muito do Marcelo, brasileiro como eu. Ele é muito talentoso. E também do estilo inteligente do Isco, do próprio Modric.
– Como se ganha do Real? - prosseguiu o espanhol.
– Não errando. Qualquer erro é fatal. Já falamos disso entre a gente. Não podemos dar brecha. Temos de entrar bem concentrados. Em final, normalmente ganha quem erra menos. E estudar alguns pontos fracos, mesmo que sejam poucos, né?
Depois do dia de celebridade em Abu Dhabi, Everton e seus companheiros receberam folga durante o resto da quarta-feira. Quase todos foram aos shoppings sensacionais da capital dos Emirados. O Marina Mall é um dos maiores do planeta, com direito a Ferrari para vender no meio do saguão como se fosse um Opalão usado e outras extravagâncias. Como a ordem é acabar com ele no sábado, o melhor a fazer é correr mesmo. Marcelo Grohe comprou roupas de marca. Não viu tanta diferença assim no preço em relação ao Brasil.
– Deve ser um preço padrão das marcas – deduziu Grohe, que foi às compras com Bruno Grassi.
Ao que se saiba, ninguém optou pela Mesquita Sultan Bin Zayed, que leva o nome do fundador do país, espraiada em torres gigantes e abóbodas enormes, tudo no mais alvo branco, sem espaço para nenhuma outra cor. Fica bem pertinho do hotel. É o terceiro maior templo muçulmano, atrás apenas das de Meca e Medina.
Já fui lá uma vez, e posso garantir que é de uma beleza extraordinária e inesquecível.
Os jogadores, depois de tanto tempo encerrados no hotel em Al Ain, uma cidade sem nenhum atrativo turístico, preferiram outro templo, o do consumo. Depois de darem ao Grêmio a sua terceira final de Mundial, eles têm direito de ir aonde bem entenderem sem ressalvas. Mais ainda Everton, um exemplo para todos os reservas do mundo, ao sair do banco para a fama internacional repentina com um único golaço.