– O Lincoln sabe por que não vem tendo oportunidades.
A frase de Roger Machado, dita no calor da derrota para o Atlético-PR, em Curitiba, pelo Brasileirão, no final de junho, causou espanto aos torcedores do Grêmio. Com uma resposta enigmática, o técnico aumentou o suspense que pairava sobre a promessa de 17 anos. Um turno inteiro do Brasileirão se passou: Roger saiu, Renato chegou e Lincoln segue fora do time.
A falta de chances entre os titulares fez o menino pedir para jogar com o grupo de transição para recuperar o ritmo de jogo. Contra o Guarany de Bagé, pela Super Copa Gaúcha, semana passada, foi titular e jogou por 45 minutos. Depois, nos treinos, sofreu lesão na panturrilha, da qual já se recuperou e voltou a treinar na última sexta-feira.
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Mas os motivos para o ostracismo de Lincoln são mais profundos. Nas entrelinhas da declaração de Roger, havia certa insatisfação com o peso do jogador. Isto, ao menos, é o que o garoto confidenciou a amigos. Desde aquela partida em Curitiba, o meia jogou só três vezes: ingressando no segundo tempo contra Santa Cruz e Flamengo, e como titular contra a Ponte Preta.
O garoto tinha consciência de que, antes do jogo contra o Atlético-PR, mesmo que tivesse cumprido a dieta determinada pelo clube, seu percentual de gordura estava um pouco acima do estipulado pela preparação física. Após o retorno de Curitiba a Porto Alegre, o problema foi resolvido com a intervenção da comissão técnica. Mas o desconforto já estava instalado.
Atento às condições dos atletas do grupo do Grêmio, o preparador Rogério Dias, o Rogerinho, explica que a comissão técnica traça metas físicas para cada jogador. E que realiza um controle para manter todos, inclusive Lincoln, dentro dos padrões.
– Não é somente com ele, mas com todos os atletas do grupo. Determinamos índices a serem alcançados, tanto de percentual de gordura quanto de massa muscular. Sempre respeitando a individualidade biológica de cada atleta – salienta.
O preparador também conta que Lincoln passou por um trabalho especial para fortalecer a musculatura responsável pelo centro gravitacional do corpo, a exemplo de Everton e Luan. Assim, o meia tem mais capacidade de suportar as trombadas dos adversários.
– Este trabalho de proteção é sempre desenvolvido. No caso do Lincoln, além dessa atividade, procuramos elaborar treinos que estimulem a melhora da resistência anaeróbia e da potência. Para que ele tenha condições de suportar a intensidade dos jogos – observa Rogerinho.
Ainda assim, as chances de Lincoln não voltaram a aparecer. Após começar o ano como destaque de um gol decisivo no último minuto contra o San Lorenzo, na Argentina, e de boas partidas no Gauchão, os minutos em campo rarearam no Brasileirão e na Copa do Brasil. Um cartão vermelho inconsequente contra a Ponte Preta, na quinta rodada, pode ter contribuído para o "exílio".
Mas as dificuldades de Lincoln teriam outra origem na avaliação da direção: a queima de etapas em sua formação. Promovido aos profissionais no início de 2015 por Felipão, Lincoln não participou de tradicionais competições nacionais de base. Nem Copa São Paulo, Brasileirão Sub-20 ou outros torneios para meninos mais novos, como a Taça BH, um torneio Sub-18. Uma etapa importante na formação competitiva para um jogador de futebol.
O técnico que mais trabalhou com Lincoln no Grêmio foi Luiz Gabardo Júnior, que hoje comanda a equipe de juniores. Desde o sub-14 e o infantil, foram mais de quatro anos acompanhando o crescimento do garoto até o juvenil, de onde ele foi pinçado aos 16 anos por Felipão.
– Pela necessidade do clube, de cada vez mais revelar jogadores, isso ocorre. Alguns assimilam rápido, outros demoram mais. Pode ser o caso do Lincoln. Evoluir em questão técnica é difícil, nisso ele já é muito bom. Mas, talvez, na parte tática, só com o tempo que ele vai amadurecer – entende Gabardo.
Mas o tempo demora a passar para Lincoln. Seu irmão mais velho, Rick Deives, revela que o mano está triste pela falta de oportunidades na equipe. A atitude do meia, no entanto, é positiva. Não é como a de promessas que sobem aos profissionais e se deslumbram. Sabe que muitos meninos aos 17 anos ainda não têm espaço, e ainda menos, são opções no profissional. Mas para quem sempre foi protagonista na base, viver longe dos holofotes incomoda.
– Lincoln está um pouco chateado, poderia estar ajudando dentro de campo. Não teve sequência. Peço que ele se mantenha focado para agarrar as oportunidades, como ele fez no Gauchão e na Libertadores. Não foi à toa que o Felipão, Roger e todos que o olham dizem que tem qualidade. Sempre que eu converso com alguém do clube, me dizem que ele é uma joia. Mas precisa ser lapidado, de uma sequência para render – comentou.
Muito ligado à família, Lincoln precisou superar um drama pessoal, em julho, com a perda do filho que sua namorada esperava. Além disso, os boatos de problemas extracampo, que surgiram nas redes sociais, incomodam a quem cerca o jogador. Sua família é parte central da rotina, muitas tardes e noites no videogame e assistindo jogos de clubes europeus. Nas poucas vezes que foi a bailes funk no Campo da Tuca, foi só para prestigiar amigos de infância, com quem cresceu na Lomba do Pinheiro, e são atrações musicais das festas.
– É um menino que amadureceu muito rápido. Realmente, teve alguns problemas pessoais, mas duvido que encontrem ele na noite. O máximo de saída é um passeio no shopping – defende Rick.
O irmão de Lincoln também revela que o meia contratou um preparador físico e um fisioterapeuta para não se descuidar da parte física. Na época da base, após os treinos, convidava os colegas para uma sessão em uma academia instalada num antigo galpão de CTG equipado com equipamentos de musculação. O vínculo persiste até hoje. Tanto que Lincoln ainda está no grupo de WhatsApp dos garotos do sub-20 e manda recados de incentivo. E tem no meia Jean Pyerre, outra promessa da base, um de seus principais amigos.
– Sempre trocamos mensagens, ele me pergunta o que achei do jogo e no que ele pode melhorar – conta o técnico Gabardo.
Ao recuperar seu ritmo de jogo na equipe de transição, Lincoln anseia por sequência com Renato. Com a semana cheia de treinos para encarar o Atlético-PR, na próxima quinta-feira, o garoto pode ganhar chances. É tudo o que ele deseja para deslanchar de vez no Grêmio.
Números de Lincoln no Grêmio
2016
4 gols (3 no Gauchão e 1 na Libertadores)
4 assistências (2 no Gauchão, 1 na Primeira Liga e 1 no Brasileirão)
26 jogos
2015
1 gol (na Copa do Brasil)
11 jogos
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