A série DNArquibancada apresenta 12 matérias, uma para cada equipe que disputa Gauchão 2024, e a relação visceral de pessoas com os clubes do coração. Nelas, aparecerão personagens do passado e do presente. Gente muito conhecida e outros que são anônimos para muitos, mas que resumem em sua personalidade a identificação máxima com o seu time de coração. A sexta reportagem conta a história do Tio Dema, torcedor que comoveu o elenco do Caxias ao se emocionar após uma vitória nos pênaltis.
Por uma vida inteira, Tio Dema sorriu e sofreu em silêncio nas arquibancadas do Centenário. Mesmo que as lágrimas corressem mudas pelo seu rosto na classificação do Caxias para as oitavas de final da Série D de 2022, elas foram ouvidas pelas lentes do fotógrafo Bruno Todeschini. A imagem o tirou do anonimato. A comoção do torcedor após o triunfo nos pênaltis sobre o Oeste-SP sensibilizou o elenco do Caxias. Dois dias depois de a foto viralizar, ele recebeu das mãos do goleiro André, as mesmas que garantiram a classificação e provocaram o choro, uma camisa grená.

As lágrimas são mais eloquentes do que qualquer cientista para explicar como o DNA é transmitido quando se trata de futebol. Cada uma das gotas despejadas por Tio Dema transmite um pedacinho da sua relação com o Caxias, iniciada com o toque entre a mão do pai e a do filho no meio da balbúrdia que é um estádio em dia de jogo de futebol. A sensação tem a capacidade de transmitir todas as informações que importam.
— Sou bastante emotivo. Então, as emoções vêm para fora. O cara não tem como segurar. Saio daqui com as mãos marcadas de segurar (o alambrado).
Ademar Castro Souza, o Tio Dema, era uma criança com seus cinco anos de idade quando foi levado ao estádio para ver pela primeira vez o Caxias jogar. Décadas depois, é um senhor emotivo de 74 anos que não tem mais a mão do pai para segurar, mas está sempre na arquibancada incentivando o Caxias.
— Isso veio do meu falecido pai. Ele era fanático pelo Flamengo (nome anterior do Caxias). Me criei aqui dentro, ele sempre me trazia para o futebol, de mão dada, senão ele me perdia por aí. A gente fazia algumas proezas — relembra.
As façanhas para ver o time residiam em superar as limitações financeiras. A paixão pelo clube e a carteira nem sempre falavam o mesmo idioma. Um coração cheio de paixão cria conflito com os bolsos vazios. Algumas traquinagens foram feitas para transpor os problemas. O importante era estar na arquibancada. Nem sempre a malandragem funcionava.
— Era até bonito de ver. Ele (segurança) vinha e dizia “onde tu vai rapaz?”. Dizia que ia assistir ao jogo. “Volta pelo mesmo caminho que tu veio”, ele respondia — conta.
Eletricista aposentado, Tio Dema sabe que a voltagem da sua corrente elétrica aumenta quando o Caxias entra em campo. A alta tensão chega cedo e não tem hora para voltar ao normal. Em jogo às 16h, está no Centenário por volta das 13h sem previsão de quando voltará para casa.
— Tem de se ocupar com alguma coisa, não se pode ficar parado. Tem que ter alguma coisa para expandir a tua emoção. O Caxias é tudo. É o time do coração. Eu tenho uma diversão que é vir ao estádio.
Ele garante que seguirá em seu cantinho e em sua quietude nas arquibancadas. Estará lá para o que aparecer pela frente pronto para extravasar seus sentimentos. Se um olhar atento de um fotógrafo ou o câmera da TV flagrar o seu momento de emoção, ele tem uma pista de quando será.
— Se subir da Série C para a B, vocês vão me encontrar chorando por aí — prevê, mas pode ser até antes, sabe-se lá o que o Gauchão reserva.