Atletas de pelo menos sete dos 12 clubes do Gauchão receberam ofertas para manipular partidas do campeonato de 2023. Nenhum deles joga na dupla Gre-Nal. O número pode ser bem maior do que os já revelados, uma vez que o tema é delicado e ninguém admite publicamente. Procurados por GZH, fora dos microfones, jogadores e pessoas com trânsito nos vestiários dão detalhes da procura e das negativas. E do reflexo traumático disso no ambiente de trabalho.
Em um clube do Interior, dois jogadores foram procurados para participar de esquemas de manipulação. Eles rejeitaram o convite prontamente, o que inibiu os aliciadores. Nem sequer as instruções foram repassadas (se deveriam fazer gol, levar cartão, ceder escanteio, entre outras possibilidades de apostas nos sites).
Os atletas procuraram comissão técnica e direção e informaram o contato que haviam recebido. O intuito era, além de deixar clara a posição de manter a lisura, alertar a todos de que esse tipo de situação poderia ocorrer. Os dirigentes convocaram uma reunião com o grupo inteiro e explicaram os riscos e as consequências dessas situações.
Em outro clube, a situação foi semelhante. Um profissional que não faz mais parte do quadro de funcionários, ao conversar com outro companheiro, teve a atenção chamada ao comportamento de colegas durante o período de trabalho. Ele classificou como "ações estranhas" alguns lances que resultaram em pênaltis e cartões.
Os casos da elite do futebol gaúcho diferem daqueles vistos no ano passado, envolvendo as divisões inferiores. Nos torneios menores, como Copa FGF, Terceirona e Estadual de base, a maioria dos atletas envolvidos nas suspeitas de manipulação de resultados eram "funcionários" das empresas que terceirizavam os departamentos de futebol dos clubes. Empresários (normalmente de outros lugares do país) se apresentavam interessados em administrar o time, pagando as taxas de inscrição e mais um valor de bônus pelo "aluguel" da agremiação. As equipes costumavam vir com técnico e alguns atletas já contratados. Partiam quase sempre dele as ações suspeitas.
No Gauchão, não. Pelos relatos recebidos até o momento, não houve um movimento organizado diretamente nos clubes. As procuras por parte dos manipuladores foram diretamente nos atletas. Eles identificavam alguns alvos potenciais e faziam propostas.
Segundo Felippe Marchetti, doutor em Integridade do Esporte pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e autor de livro sobre o tema, existe um padrão para definir os alvos: posição em campo (preferência por defensores), momento da carreira (metade para o final, tanto pela proximidade com a aposentadoria quanto pela ascensão sobre os colegas) e situações psicológicas e financeiras. No caso do Rio Grande do Sul, aliciadores tiveram acesso, inclusive, a questões bancárias. E, em um caso específico, a um atleta que estaria passando por um problema pessoal ligado a apostas, com débito em uma banca.
A situação do Brasil é tentadora para aliciadores, conforme Marchetti. Com cerca de 83% de jogadores recebendo cerca de um salário mínimo, mais da metade tendo vivido situação de atraso de salário e menos de um quinto dos clubes com calendário (e portanto emprego) para o ano inteiro, o cenário é perigoso.
— Quando comecei meu doutorado sobre o tema, há seis anos, via no Brasil um cenário de "tempestade perfeita" para a atuação de quadrilhas que já agiam internacionalmente havia pelo menos 15 anos — aponta o pesquisador.
Para ele, é urgente regulamentar o mercado, não só para efeitos de tributação, mas principalmente pela lisura do esporte. É necessário explicar aos atletas sobre os perigos e as consequências dessa situação, além de criar um canal de contato direto e seguro para atletas denunciarem os aliciadores.
Nota da Federação
Na terça-feira, quando surgiram novos casos, a reportagem de GZH questionou a Federação Gaúcha de Futebol (FGF) sobre a investigação e a entidade emitiu uma nota, reforçando a existência de uma parceria com uma empresa de monitoramento de apostas esportivas.
"A Federação Gaúcha de Futebol - FGF informa que tomou conhecimento sobre os desdobramentos da operação Penalidade Máxima, do Ministério Público de Goiás, pelas notícias veiculadas na imprensa. A FGF possui parceria com a empresa de dados Sportsradar, que visa a integridade das ações esportivas, com monitoramento global de movimentações em mercados de apostas. Qualquer denúncia nesse sentido recebida pela FGF é repassada aos órgãos competentes para investigação: Polícia Civil, Ministério Público e TJD. Na semana passada, a diretoria da FGF esteve reunida com membros da Delegacia Regional de Polícia Judiciária da Polícia Federal com o intuito de estabelecer, também com essa autoridade, uma adequada troca de informações visando a integridade das suas competições".