O Interior forjou Beto Campos. São 35 anos na dureza do futebol gaúcho. Desde quando era Gilberto Cirilo Campos lá no bairro Paraboi, em São Borja, até a final deste domingo, no Centenário, o técnico do Novo Hamburgo, Beto palmilhou boa parte das estradas do Rio Grande do Sul em busca da consagração.
Faltam para Beto apenas 90 minutos para fechar um ciclo que começou quase ao acaso no final de 1981. Pivô talentoso do futebol de salão da Fronteira-Oeste, ele se destacou em um torneio intercooperativas. Dirigentes do São Borja o viram em quadra. Como os forasteiros do time já haviam tomado o caminho de casa para passar as férias, convidaram Beto e mais alguns destaques do futebol amador da cidade para completar o grupo em amistoso contra um time da vizinha Itaqui. Aos 17 anos, o guri já planejava a vida na oficina de autoelétrica da família. Mas cedeu à insistência e topou o convite. Fez três ou quatro gols no jogo e ganhou um contrato assinado. Não imaginava, mas começava ali uma carreira de centroavante.
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Beto fez parte de um timaço do São Borja, com o goleiro Mano, que depois veio para o Inter, os laterais Silmar, campeão do mundo pelo Grêmio, e Jorge Batata, que fez sucesso no Goiás, e o zagueirão Jairo, entre outros. Começou como meia, mas repensou diante da forte concorrência. Decidiu virar centroavante, apesar do 1m77cm. A experiência como pivô do futsal ajudou. Mas só o tempo o ensinou a driblar as asperezas de ser um camisa nove no Interior.
– Até os 28 anos, apanhei muito. Mas você aprende, passa a usar alguns artifícios, como o diálogo. Como os zagueiros ficavam muito tempo nos times, você passava a conhecê-los e conversava em campo, os convencia a chegar mais leve – conta Beto.
Pelo biotipo franzino e por ter sido meia, não fazia da área seu único reduto. Saía para jogar às costas dos volantes e dali buscava tabelas e infiltrações.
– Eu era o que chamam hoje de falso nove. Eu era um falso nove dos anos 1980 – diverte-se Beto.
Foram 16 clubes em 20 anos de carreira e sete acessos para a primeira divisão. A carreira de centroavante deu tão certo que Beto fez herdeiro. Wiliam Campos foi o camisa nove do Santa Cruz na Divisão de Acesso. Aos 28 anos, repete a trajetória do pai e também roda o Interior. Mas reconhece que os números ainda estão distantes. Pelas contas de Beto, foram mais de 300 gols, conta Wiliam.
As privações de um jogador do Interior serviram como faculdade para virar técnico. Ajudam a valorizar os avanços na carreira, por menor que sejam. Quando olha para trás, Beto se lembra das intermináveis viagens com o São Borja. Ou dos percalços com o ônibus do São Luiz. Certa noite, numa viagem de volta para Ijuí, Beto viu uma das rodas passar pela janela. O motorista foi hábil e conseguiu encostar o veículo. O problema foi os jogadores acharem a roda às escuras no mato enlameado.
No início da caminhada para colocar o São Luiz na primeira divisão, o técnico Paulo Sérgio Poletto havia avisado de que a tarefa seria dura. E foi. Numa semana de chuva, para preservar o gramado do 19 de Outubro, o treino foi levado para o interior de Ijuí. O treino terminou com o frio do final de tarde e todos embarrados e ávidos por um banho quente no estádio. O motorista deu partida no ônibus e nada. Tentou uma, duas, três vezes. Não teve saída a não ser o time descer e fazê-lo pegar no tranco. Ao que Beto reagiu:
– Pô, professor, o senhor tinha dito que seria dureza. Mas não precisava ser tanto assim.
Em 2001, aos 37 anos, depois de ajudar o Dinamo a subir para a Segundona, o centroavante decidiu se aposentar. Mas nem desfez as malas em Santa Rosa. Meses depois, assumiu como técnico. Mandar nos ex-companheiros e gerenciar o vestiário, no entanto, exigia mais tarimba. Beto deu meia volta e tratou de se preparar. Tocou sua escolinha de futebol em Santa Rosa e voltou ao Dinamo nos juniores. Ali começava a trilhar uma trajetória com 15 clubes e algumas histórias para contar. Como no Três Passos, em 2006. O clube recém-havia reaberto o futebol depois de longa licença. Nesse período, a comunidade que morava no entorno do estádio fez dele seu lugar de lazer. Numa tarde, quando Beto chegou para comandar o treino, deparou com o campo ocupado e uma animada pelada. Os visitantes não arredavam pé. Foi preciso habilidade e negociação com o líder da turma.
– Seguinte, pessoal. Vou usar só metade do campo. Vocês podem seguir o jogo de vocês no lado de lá. Certo?
A proposta foi aceita. E Beto pôde dar seu treino. Em sua sala, no Estádio do Vale, o técnico acha graça de suas passagens. E faz questão de lembrá-las sempre. Afinal, elas foram as disciplinas de uma faculdade que já formou dois técnicos da Seleção Brasileira. Por isso, Beto curte seu melhor momento em 35 anos de futebol. Mas sem olhar para trás.
*ZHESPORTES