Preto é irmão de Pretinha. São os dois filhos mais jovens entre os sete bem criados do casal Valdomiro e Veni Maria, felizes avós de 15 netos. Todos moram em Novo Hamburgo, trabalham no Vale do Sinos e vivem a uma distância de cerca de cinco quilômetros uns dos outros. A proximidade facilita a união. A conversa rola livre, leve e solta entre costelas na brasa e sessões de canastra.
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De perto ou à distância, a família cultua o membro mais famoso do clã, o caçula Preto. O apelido nasceu na sala de casa, brincadeira carinhosa de pai e mãe entre parentes e amigos. Grudou. Mesmo dividida entre colorados e gremistas, como qualquer família gaúcha, quando o filho, irmão e tio calça as chuteiras e começa a pegar na bola, com o toque suave e preciso dos bons meias, todos começam a gritar "Noia, Noia, Noia". Neste domingo, a partir das 19h, no decisivo jogo válido pelas semifinais do Gauchão, ninguém pensará como verdadeiro gremista.
– Todos são da torcida organizada do Preto Futebol Clube.
Ao celular, manhã abafada e cinzenta, o jogador completa.
– Todos têm camisa do Novo Hamburgo, acho. Quem não tem, pede para o seu Valdomiro. Ele guarda a minha coleção. Faz a distribuição. Mas depois da partida exige tudo de volta, certinha, lavada e dobrada.
Preto, ou João Luiz Ferreira da Silva, 35 anos, nasceu na cidade, adora a região, não troca sua casa por lugar algum e já passou sete vezes pelo Novo Hamburgo em oito edições do Gauchão.
– Meu apelido é Preto, mas sou apaixonado por um clube que guarda tradições alemãs, assim como a região, onde nasci e fui criado – lembra.
Preto pisou o primeiro ano do novo século fora do Brasil. Escolheu, óbvio, a Alemanha. Foi defender o TSV Schwieberdingen, time de uma cidade de 12 mil habitantes.
– Era um clube amador. Muito jovem, resisti dois anos, sofri uma lesão séria no joelho e voltei. Fui atuar pelo São José, em Porto Alegre.
Em 2003, um empresário fez a sua cabeça, e ele retornou a Europa. Foi conhecer a Polônia.
– Fiquei seis meses. Conheci poucos brasileiros e não conseguia me comunicar direito. Passei tempos difíceis. Piorou quando um empresário ficou com todo o meu rico dinheiro.
Agente passando a perna em jogador de futebol é mais comum do que nome de político na Operação Lava-Jato.
– Recebi cerca de R$ 160 mil do Zaglebie Lubin. Como era uma soma alta, não sabia o que fazer. Ele disse que depositaria o valor em um banco. Acreditei. Espero o dinheiro até hoje. Não quero falar o seu nome, mas ele é conhecido no Vale do Sinos e mora na Alemanha. Está rico, mas cada um escolhe a vida que quiser.
A trajetória de Preto está marcada em 15 clubes, como Portuguesa, São Caetano, Vitória e Caxias, em 17 anos de carreira. Só na Série B passou oito vezes. Seu futuro pode estar na segunda divisão do futebol brasileiro.
– Vou completar 36 anos em junho. O incrível é que, aos 35 anos, vivo a melhor temporada da carreira. Não penso em parar agora. Meu contrato se encerra no mês que vem. Posso renovar com o Novo Hamburgo, o que me daria um grande prazer. Mas gostaria de jogar pelo menos mais uma vez na Série B.
Preto viveu vários e distintos momentos no futebol. Tempos intensos. Pensou em desistir várias vezes. Permaneceu quase meio ano longe da bola. Voltou. Ficou motivado e desmotivado.
– Sou um lutador. Tomei pancada na vida e no futebol. Quando criança, queria ser jogador e me ver na TV.
Novo Hamburgo e Grêmio estarão em milhares de telas no começo da noite deste domingo. No primeiro jogo, na Arena, o 1 a 1 dá certa vantagem ao dono do Estádio do Vale, que receberá 5 mil torcedores.
– Pouca gente se dá conta, mas o Noia é experiente. Nossa base é do ano passado. Nunca pensamos em títulos ou falamos em taça. Nosso intenção é jogar. Enfrentar o Grêmio dá um frio na barriga. Não é temor. É força. Será um dos jogos da minha vida.
Preto inverte a ordem da entrevista. Ele pergunta agora. Eu ouço.
– Sabe os motivos que me levam a não querer parar de jogar agora, quase aos 36 anos de idade?
– Diga.
– Porque é possível encontrar um grupo de jogadores tão experiente, unido e legal como o do Novo Hamburgo. O ambiente é ótimo. Há sintonia fina entre dirigentes e jogadores. Falamos a mesma língua.
– Quer saber o nosso grande segredo?
– Por favor.
– É o mais puro olho no olho. Nas boas e nas más partidas, nós falamos tudo. Não escondemos os problemas. Marcamos jantares, sempre na casa de um jogador, reunimos o grupo e buscamos soluções.
– Com uma cervejinha?
– Nada, só água e refri. Os assuntos são sempre sérios.