O qualificado apito Fifa da final entre Inter e Juventude, Anderson Daronco, tem dois filhos com a professora de educação física, Luciane. Arthur completou nove. O pequeno Heitor fez seis. Os dois não se ligam em futebol.
O mais velho menos ainda.
Os quatro belos olhinhos só brilham quando o pai corre na tela colorida da TV plana da sala da casa da família em Santa Maria.
– Eles pedem que eu faça gols – recorda Daronco sem esconder uma vontade de rir.
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Com o celular no ouvido, lotado de interferência, ele caminha entre um cômodo e outro em busca de um melhor posicionamento durante a longa entrevista. O homem que tem o poder de confirmar ou anular estufadas de rede nas principais competições do Brasil e da América do Sul anda com pouco tempo para atender a sua dupla favorita. Mesmo que a tenha buscado no colégio na terça-feira passada.
– Nos últimos 14 meses, fiz mais de cem vezes o trajeto entre Santa Maria e Porto Alegre. São mais 300 quilômetros de asfalto. Gasto mais de quatro horas de carro. Conheço cada curva da rodovia. Viajo sozinho, estou sempre ligado. Às vezes, penso em trocar de cidade, me transferir para a Capital. Seria melhor para mim, mas aí penso na minha família. Não tenho coragem de mexer na minha base familiar.
Ele destrincha o recente roteiro estadual, nacional e internacional da primeira semana de maio.
– No sábado passado, estava em Salvador, apitei no dia seguinte Vitória e Bahia (2 a 0), primeira decisão do Campeonato Baiano (seu colega Leandro Vuaden será o encarregado do segundo jogo na Fonte Nova neste domingo). Desembarquei de volta no Aeroporto Salgado Filho na segunda. Na quarta de manhã, peguei o passaporte. Embarquei para Buenos Aires para ser o quarto árbitro de Boca e Cerro pela Libertadores na quinta. Voltei na sexta.
Como texto foi escrito na sexta, neste sábado, ele sairia de casa outra vez. Dormiria em Porto Alegre em um hotel. O domingo promete uma decisão regional. Ele precisa descansar um pouco. Estar inteiro. Ligado.
Daronco continua.
– Não posso me queixar da maratona. É o preço que pago por trabalhar no Gauchão, na Copa do Brasil, na Libertadores e na Sul-Americana. Só no Brasileirão, no ano passado, fiz 27 jogos.
– E foi escolhido o melhor do campeonato do ano passado – o faço lembrar.
Ele gostou da recordação.
– Precisei matar um leão a cada 90 minutos para ser recompensado com o prêmio, ótimo por sinal, o que me deu confiança e visibilidade. Vida de árbitro é assim. Acertar em 99 jogos. Se errar um, todo o trabalho é questionado. Mas eu entendo perfeitamente.
Faço uma outra pergunta.
– No Gre-Nal 409, em março, você foi criticado por não ter visto o cotovelaço do colorado William no gremista Miller Bolãnos, o que provocou uma grave lesão no equatoriano.
Ele pensa um pouco. Fala. Não quer entrar de cabeça no tema. Puxa o freio de mão.
– Foi um lance de alto grau de dificuldade. Não vi na hora, nem as quase 50 mil pessoas que visitaram a Arena. Nem quem estava na frente da TV. O lance marcou o Gre-Nal. Mas bola para a frente. Talvez quando os recursos eletrônicos estiverem ao nosso dispor, poderemos enxergar lances assim tão complexos. Ver tudo, acertar sempre como máquinas.
A câmara de TV não entrou em campo, mas os meios eletrônicos estão nas mãos de Daronco, 35 anos, 92 quilos, 1m88cm e que corre entre 11 e 12 quilômetros por jogo. Antes de entrar em campo, durante a semana, ele mergulha de cabeça na internet. Ele é um árbitro da nova geração. Gosta de estudar as equipes. É capaz até de prever certas jogadas.
– Estudo os lances das partida que envolvem os times que acompanherei. Preciso saber antes como as equipe se armam. Formação tática, posicionamento, modo de ataque e defesa, tudo. Consigo até mesmo saber se um jogador gosta mais de cair para o lado esquerdo, direito ou entrar pelo meio. Posso antever o lance algumas vezes, o que poupa uma corrida desnecessária ou um deslocamento sem sentido.
Daronco está cada vez mais atento aos jogos e aos jogadores.
– Não posso falhar. Todos estão cada vez mais exigente comigo. Acompanham o meu trabalho com lupa. Não posso errar. Mas erro. O que o torcedor precisa entender é que erros são naturais num jogo de futebol. Não há um complô mundial contra determinado clube. Isso é bobagem.
A entrevista chegou ao final.
É noite. Ele precisa estudar Boca, Cerro, Inter e Juventude.
– Não quero surpresas. Não teremos Gre-Nal no Gauchão? Não importa. Tudo é final. Um jogo desses marca o árbitro.
*ZHESPORTES