Encarar o favorito Inter na semifinal da Taça Farroupilha, neste domingo, às 16h, no Beira-Rio, pode ser definida como uma pedreira para o Veranópolis Esporte Clube (VEC). É como costumam ser encaradas as tarefas mais pesadas e complicadas pela maioria das pessoas.
Mas, no caso do clube serrano, que tem a melhor campanha na soma dos dois turnos do Gauchão, com exceção da dupla Gre-Nal, esse conceito está acima de uma figura de linguagem. Porque a equipe tem no comando um legítimo quebrador de pedras, que tem usado o próprio exemplo para mostrar aos jogadores que é possível sonhar com algo mais.
A carreira do técnico Gilmar Dal Pozzo, 42 anos, é uma amostra de superação. Filho de agricultor e pedreiro, ele realmente quebrou pedra dos 10 aos 18 anos, quando resolveu se arriscar no futebol de vez. Depois de dois testes frustrados no Inter, aos 17, e Juventude, aos 18 anos, morando em Paraí, começou a jogar na equipe amadora do Pratense, de Nova Prata.
Naquela época, se dividia entre o trabalho na pedreira, os estudos e os treinos, uma vez por semana, e jogos, aos finais de semana, para os quais enfrentava uma pequena viagem de 40 quilômetros até Nova Prata. Em 1989, aos 19 anos, deu um passo definitivo no futebol ao se transferir para o Caxias. Onde enfrentou uma das maiores barreiras no começo da carreira.
Sem qualquer base de treinamentos, Gilmar não sabia sequer como cair no gramado depois das defesas. Mesmo após algum tempo no Centenário, ouviu do então treinador de goleiros Barbirotto a recomendação de que deveria voltar a quebrar pedra. Foi uma imensa decepção.
Então, afloraram a perseverança, a personalidade e a coragem dos tempos da pedreira, que o impeliram a continuar. Depois de três anos no clube grená, saiu para buscar experiência em outros locais e retornou em 1996, ficou mais um tempo fora e voltou para participar da equipe que conquistou o Gauchão de 2000, sob o comando de Tite.
Foi o maior título da história do clube e de Gilmar, marcando uma nova fase na carreira, que o levou a jogar em Portugal, e na vida, com o nascimento da segunda filha, Letícia, 12 anos, que completou a família, composta ainda pela mulher, Cláudia, e a filha mais velha, Daniela, 17.
A grande marca da carreira
A decisão de 2000 foi em dois jogos, contra o Grêmio. No primeiro, no Centenário, o Caxias fez 3 a 0, e no segundo segurou o empate em 0 a 0 no Olímpico. Neste, o auge de Gilmar foi nos instantes finais, quando defendeu um pênalti cobrado por Ronaldinho, então numa fase de ascensão.
- Naquela época, eu não tive a exata noção do que representou aquela defesa, pois logo depois fui jogar em Portugal. Só depois tive uma ideia da dimensão. Até hoje o lance é lembrado.
Apesar disso, ao lembrar as melhores fases como jogador, ele faz questão de incluir também os 18 jogos invictos no Brasileirão de 2003 pelo Goiás e os dois anos no Avaí.
A despedida dos gramados foi em 2007, com o troféu de melhor goleiro do Gauchão pelo Veranópolis. Ali, Gilmar entendeu que estava fazendo um fechamento de ouro. E exibe com orgulho a taça em uma sala de seu apartamento reservada às lembranças da carreira.
Aprendendo com a vida
No estudo formal, Gilmar Dal Pozzo chegou ao segundo ano do segundo grau. Mas isso não significou nenhum empecilho para a carreira, no campo e fora dele, pois jamais deixou de buscar conhecimento. Por conta disso, lembra que não teve empresário, preferindo tratar ele mesmo os contratos e outros detalhes.
- Quando se é determinado na vida, a gente vai em busca das coisas. Fiz cursos de dicção e oratória, procurei fazer aulas de português. Tudo para poder falar melhor com os jogadores e imprensa.
Um dia, Gilmar viu uma palestra de Luiz Felipe Scolari e resolveu montar um trabalho para mostrar a sua própria trajetória. Sob o título "Nunca desista dos seus sonhos", ele tem procurado passar uma parte do que viveu.
O técnico acredita que boa parte de sua liderança e personalidade vem do fato de ter sido goleiro. Embaixo da meta, ele passou momentos muito complicados, em especial depois de eventuais falhas, que exigiram muita força interior para a superação.
A força da família
No belo apartamento de Gilmar Dal Pozzo, o futebol é assunto dominante praticamente do amanhecer ao final do dia. A mulher Cláudia e as filhas Daniela e Letícia gostam do esporte e costumam assistir junto com ele aos jogos pela televisão, além de comparecer nas partidas do Veranópolis.
O futebol perde espaço apenas quando a equipe perde. Nesses momentos, Gilmar costuma ficar isolado e as conversas são retomadas no dia seguinte, quando a frustração está num nível mais baixo. Mas Daniela não esquece uma decepção este ano, depois de uma derrota.
- Fiquei mal e saí chorando do estádio. Não aguentei quando chamaram o meu pai de burro - lembra.
O carinho e orgulho das três pelo pai ficam evidentes em todos as manifestações. Quando Gilmar se despediu como jogador, elas organizaram um álbum de fotografias com os principais momento da carreira.
Além disso, Cláudia guarda tudo o que é publicado a respeito do marido, sejam elogios ou críticas. Esta matéria certamente irá para a coleção.
Raízes veranenses
Gilmar Dal Pozzo nasceu na cidade catarinense de Quilombo. Mas foi mais por contingências do destino, pois na época o pai, Artenilo, e a mãe, Itelvina, que morreu este ano, no início do Gauchão, deixaram Paraí para tentar a sorte em outras cidades. Tanto que, quando ele tinha um ano, a família retornou ao local de origem. A mulher Cláudia é de Paraí, enquanto a filha Daniela nasceu em Nova Prata, e Letícia, em Caxias do Sul.
Depois de morar em diferentes locais, a família escolheu Veranópolis para fixar as raízes. É nessa cidade que Gilmar mantém alguns negócios e mora num apartamento que tem a área dos fundos com vista para uma bela horta do seminário. Ali, ele lembra dos tempos de agricultor e encontra momentos de paz depois das tensões vividas no trabalho.
Mas, para o futuro, está nos planos uma transferência para Florianópolis. Com isso, o técnico pretende viabilizar melhor o estudo das filhas, além de buscar maior visibilidade profissional.
A escola gaúcha
Perguntado sobre o técnico que considera uma referência, Gilmar sempre cita Adenor Bachi, o Tite, com quem trabalhou no Caxias e mantém grande amizade, a ponto de ter acompanhado o trabalho no Corinthians em algumas ocasiões. Além disso, eles conversam com frequência, como na última quarta-feira, um dia antes de Gilmar receber a reportagem do Pioneiro. Mas ele prefere organizar a escola gaúcha de técnicos.
- Temos quantos grandes treinadores formados aqui, como o Tite, o Felipão, o Mano Menezes. E temos uma nova geração, na qual eu me incluo, como o Paulo Turra, o Picoli... Eles serão grandes treinadores em breve.
O gosto pela tradição
Desde o tempo em que jogava no Caxias, Gilmar Dal Pozzo costumava andar pilchado nas datas comemorativas do Estado. Hoje, com melhores condições, se dá ao luxo de ter um cavalo para participar de rodeios, nas competições de laço.
Isso, naturalmente, quando não tem compromissos profissionais, e ocorre apenas em Veranópolis e cidades próximas. E não faltaram as tradicionais cornetas de alguns jogadores que o viram em ação.
- Eles aproveitaram para fazer gozações - admite, embora garante ter conquistado alguns prêmios.
E para a decisão...
E de que forma a experiência de vida do comandante pode servir para os jogadores no confronto decisivo deste domingo, diante do Inter, que terá todo o favoritismo? Ele tem a resposta, montada ao longo da semana de treinos:
- É claro que o Inter é favorito, mas vai valer muito o fator psicológico. Cito o meu exemplo: aquele pênalti que eu peguei contra o Ronaldinho não foi por acaso. Eu observei ele antes e vi como cobrava. Durante a semana, disse que cada jogador deve dormir com a foto do adversário no travesseiro e cumprir no limite a função. O mundo pode cair, mas cada um precisa estar preparado para fazer o melhor. Vamos colocar nesse jogo todo o trabalho feito até agora, a boa campanha.
É assim que Gilmar Dal Pozzo espera quebrar a maior pedra de sua vida, domingo, no Beira-Rio.
Artilheiro?
Gilmar contabiliza 10 gols marcados ao longo da carreira, todos em cobranças de pênalti.
PERFIL
Naturalidade: Quilombo (SC)
Idade: 42 anos (1º/9/1969)
Equipes como jogador:
Pratense (amador, Caxias, Guarany-Ga, Veranópolis, Londrina, Goiás, Avaí, Santa Cruz-PE, Ulbra e Marítimo-POR
Equipes como técnico:
Veranópolis, Pelotas e Novo Hamburgo, com três passagens no primeiro, duas no segundo e uma no terceiro