Afucs e Guarani-FW irão a julgamento no Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) do Rio Grande do Sul em função da partida do último sábado (31). O jogo foi interrompido por conta de denúncias de racismo feitas pelo treinador Raphael Melo e pelo goleiro Léo Silva, da equipe de Frederico Westphalen. Após o caso, o Guarani-FW optou por sair de quadra e não retornar.
Os clubes ainda não foram informados pelo TJD sobre quando o julgamento ocorrerá. O presidente da Liga Gaúcha de Futsal, Nelson Bavier, afirma que o duelo será remarcado somente após a definição das punições pelo Tribunal.
Punições
O artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) prevê que se torcedores praticarem atos discriminatórios relacionados a preconceito em razão de raça ou cor, o clube pode receber multa de R$ 100 a R$ 100 mil, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressarem no ginásio por, no mínimo, 720 dias.
No caso do abandono de quadra, a conduta pode ser encarada como contrária à disciplina e à ética desportiva. Conforme o artigo 258 do CBJD, a pena para esse caso é prevista como suspensão de duas a seis partidas se praticada por atleta, treinador, médico ou membro da comissão técnica. As penalidades de suspensão podem ser cumuladas em uma multa de até R$ 10 mil para o clube, "observados os elementos de dosimetria penal". Além disso, se for a infração for considera de "baixa gravidade", a pena pode ser substituída por advertência.
O caso
O jogo válido pela 11ª rodada da primeira fase do Gauchão de Futsal ocorria em um ginásio de Seberi, na Região Norte, quando o treinador Raphael Melo e o goleiro Léo Silva, do Guarani-FW, relataram à arbitragem que torcedores da Afucs gritaram xingamentos racistas atrás do gol e nas arquibancadas.
As ofensas teriam ocorrido quando Silva saiu do vestiário para começar o segundo tempo. Por isso, a disputa foi interrompida aos 9 segundos. O técnico, por sua vez, diz ter sido ofendido minutos mais tarde, quando a partida já havia sido suspensa.
Conforme o goleiro, o torcedor o chamou de "preto" três vezes em tom pejorativo. Na terceira vez, ele chamou o árbitro, que parou a partida. O treinador relata ter sofrido ofensas semelhantes.
A presidente da Afucs, Dione Junges, afirmou à Zero Hora que um menino de 14 anos assumiu a autoria dos xingamentos e foi retirado do ginásio. O Guarani-FW não concorda com a versão e garante que o agressor é adulto.
Educação
O diretor do Observatório de Discriminação Racial do Futebol, Marcelo Carvalho, reforça que o esporte pode ampliar a discussão sobre questões raciais e ajudar na luta contra a discriminação. A punição, ele ressalta, é o primeiro passo em um processo de educação sobre o tema.
— Diferente do futebol, onde a gente tem multidões de torcedores e muitas vezes é muito difícil identificar o autor das ofensas, nos casos do futsal a gente tem espaços menores com muito mais facilidade de controlar quem entra e quem sai. A gente precisa coibir, a gente precisa identificar essas pessoas e não deixar que elas retornem ao espaço esportivo. Esse é o principal passo que a gente precisa sempre dar. O segundo passo é pensar em punição. O terceiro passo é iniciativas de conscientização e de educação — explicou Carvalho.
O especialista ainda propõe que a Liga Gaúcha de Futsal seja uma aliada na luta contra o racismo, com a promoção de ações sobre o combate ao preconceito.
Questionado por Zero Hora sobre qual é a orientação dada aos clubes em casos de denúncias de racismo, o presidente da Liga, Nelson Bavier, afirmou que a entidade pede que a partida seja interrompida até que o agressor seja identificado.
— Aconteceu um pouco diferente porque o Guarani-FW se retirou da quadra, se sentiu no direito e tudo bem — comentou.
Nova lei
Em julho deste ano, o governador Eduardo Leite sancionou a Lei Vini Junior, de autoria da deputada Luciana Genro (PSol), que determina a utilização de um protocolo de combate à discriminação em estádios de futebol e arenas esportivas em casos de suspeita de racismo, injúria racial ou homofobia.
De acordo com a legislação proposta, a partida deve ser interrompida até que a conduta suspeita acabe. Em caso de repetição, os atletas devem se retirar por 10 minutos. O PL ainda prevê que, se as atitudes discriminatórias forem registradas antes do jogo, o árbitro pode cancelá-lo.
— A lei é muito válida para dar suporte aos denunciantes. Contudo, baseado nessa lei, o jogo vai sempre prosseguir, né? Porque a gente retirou o autor das ofensas de campo, do ginásio, enfim, para que o evento prossiga. Mas é preciso sempre pensar: retirar esse elemento da arquibancada basta? E, psicologicamente, a vítima, ela vai ter condições de seguir o jogo? A gente precisa também proteger essa vítima para que, depois da partida, aí sim, ela possa ir, se ela quiser, até uma delegacia prestar queixa ou se um delegado possa ir até ela — destacou Carvalho.