Não há quem tenha acompanhado o futsal brasileiro nos anos 1990 e que não se lembre de Luis Fernando Ortiz. O pivô gaúcho, hoje com 59 anos, construiu uma trajetória irretocável dentro das quadras. Além disso, ao longo da bem-sucedida carreira, emprestou seu talento ao futebol de campo como jogador do Grêmio e como funcionário das categorias de base do Inter.
Pelo Tricolor, Ortiz participou da conquista de três títulos gaúchos entre 1985 e 1987, como atacante no mesmo grupo que tinha em Renato Portuluppi sua principal estrela. Contudo, não foi nos gramados que o jovem porto-alegrense se encontrou. Sem sequência no Grêmio, ele viu no então chamado futebol de salão a maior oportunidade da vida.
Ao ser campeão da Taça Brasil em 1989, com a Enxuta, de Caxias do Sul, o jogador já dava mostras da qualidade que o consagraria na década seguinte. A partir dali, Ortiz empilhou títulos: pelo Inter, conquistou a Liga Nacional de 1996, o Mundial de 1997, a Taça Brasil de 1999 e o Sul-Americano de 2000; pelo Inpacel, do Paraná, venceu a Taça Brasil de 1993 e 1994, o Mundial de 1994 e o Sul-Americano de 1993.
Já com a camisa da Seleção Brasileira, venceu a Copa do Mundo de 1992, em Hong Kong, o Sul-Americano em 1989, 1992 e 1996, o Panamericano da Fifusa em 1991, o Mundialito e a Copa América de 1996. A lista ainda se estende com incontáveis estaduais e outros torneios que permearam o caminho de grandes comemorações. Há, inclusive, um período no futsal espanhol, entre 1993 e 1994, na Interviú.
Em conversa com GZH, Ortiz relembrou esses e outros lances importantes da sua trajetória, que encantaram ginásios e, mais tarde, auxiliaram na formação de nomes como Alexandre Pato, Leandro Damião, Luiz Adriano e Taison, nas categorias de base do Inter. Ele também destaca outra parte de seu legado: o filho, Léo Ortiz, zagueiro de 28 anos do Flamengo, que teve o melhor momento da carreira no Bragantino, em que atuou até o ano passado. Confira abaixo!
Como foi o teu início no Grêmio?
Eu comecei no futebol de salão mesmo. Passei pelas categorias de base do Inter, no sub-20, mas logo retornei ao futebol de salão e joguei no Teresópolis. Em seguida, fui para o Grêmio, Fiquei dois anos e meio no futebol profissional. Foi uma experiência muito legal. Por motivos internos do clube, acabei deixando de jogar o futebol de campo para voltar ao salão.
No Grêmio, você ainda pegou aquela geração que havia sido campeã da Libertadores e do Mundo em 1983.
Isso. Participei de três campeonatos gaúchos. Foi uma época que o Grêmio foi hexacampeão estadual. Participei também de algumas viagens na Europa, jogando torneios. O Grêmio era um dos clubes que sempre eram solicitados nesses torneios da Europa. Aí o futebol de salão foi aparecendo na minha vida. Fui contratado pela Enxuta. Era uma época que o futsal começava a se profissionalizar. Até então, os clubes eram amadores, treinavam duas vezes por semana.
Em 1992, você foi campeão do mundo com a Seleção Brasileira. Como foi essa experiência?
Foi incrível. Era o segundo campeonato mundial organizado pela Fifa. Até então, o campeonato sempre era pela Fifusa (Federação Internacional de Futebol de Salão). Ocorreu, então, naquela ocasião, a junção do chamado indoor soccer (futebol de salão) com o futebol five a five, que era o "futebol de cinco", da Fifa.
Lembra de alguns nomes que estavam contigo naquele seleção?
Tinha o Jorginho, Vander, Murilo, Ronaldo, Mazureik, Serginho. Eram inúmeros jogadores de qualidade.
Muita gente já se esqueceu e outros nunca souberam, principalmente torcedores da nova geração, que o Inter teve um forte departamento de futsal. Como era essa estrutura na época?
A estrutura era fantástica. A equipe tinha quatro ou cinco jogadores de Seleção Brasileira. Com o patrocínio da Ulbra, o Inter conseguiu dar toda a estrutura possível para que a equipe fizesse grandes campeonatos. E mesmo após a saída da Ulbra, o Inter venceu o Sul-Americano e a Taça Brasil, por exemplo, mantendo as conquistas.
Faz falta times de futsal do Grêmio e do Inter?
Para eu te dizer se faz falta ou não, é preciso uma reflexão maior. O Inter acabou tendo uma tradição maior que o Grêmio. Quando o Inter fechou o departamento, havia um jogo da equipe principal no Beira-Rio, no fim de semana. Foram vistos vários cartazes pedindo que o clube não fechasse o futsal. O futsal foi uma bengala para o clube em alguns momentos difíceis do futebol de campo.
Além disso, os clubes não se deram conta da parte formativa de jogadores, de trazer atletas que jogaram futsal para, quem sabe, serem utilizados no futebol de campo. Outra questão é a dos sócios. Existem várias cidades do Rio Grande do Sul em que talvez o Inter nunca vá chegar, nem o Grêmio, com a sua equipe principal. E, com o futsal, tu vai estar indo a esses lugares. Eu acredito que tem que ter (o futsal), mas com os pés no chão, para que ele permaneça e não seja algo oportunista, numa eleição, de dizer que vai voltar o futsal, que vamos voltar a usar o Gigantinho ou o ginásio David Gusmão, que era o do Grêmio. Aí acaba não saindo nada. Tem que ser um projeto sólido.
Quando você passou a trabalhar nas categorias de base do Inter, no futsal e no futebol de campo?
Eu encerrei a minha carreira como jogador em 2002. Eu ainda tinha mais um ano de contrato com o futsal do Inter, mas estava com quase 39 e já tinha me formado em Educação Física. Então, surgiu a oportunidade de trabalhar no clube. A direção me convidou para ser o supervisor da equipe principal do futsal e coordenador das categorias de base. O cavalo passou encilhado e achei que era o momento de eu aproveitar. Em 2004, o futsal do Inter fechou e eu recebi um convite para trabalhar como treinador dos atacantes das categorias de base. Fui evoluindo dentro do clube até chegar à coordenação técnica geral, lá em Alvorada.
Como é para você, que já foi atleta, acompanhar o filho no futebol?
É um orgulho muito grande ver tudo que ele está conquistando, com as dificuldades que teve no início da carreira. É um orgulho muito grande ver até onde ele tem chegado, na Seleção Brasileira, com três convocações, e agora, estando em um dos melhores times do país. Tudo depois de um grande trabalho que ele fez no Bragantino, que é um clube que abriu as portas para ele e tem um projeto muito legal. Eu sempre brinco que é muito mais fácil ser pai de atacante do que pai de zagueiro, de goleiro. A gente está sempre numa tensão muito grande para que ele vá bem.
Ortiz, quais tem sido as suas atividades atualmente?
Desde a saída do Inter, em 2019, estou "autoaposentado". Estou em um período sabático e não sei se vou sair dele. Foram quase 40 anos de trabalho. Foram 22 anos jogando e quase 18 trabalhando ali nas categorias de base do Inter. Então, estou me dando ao luxo desse período, de dar um apoio maior à família, principalmente aos filhos. O Léo estava em São Paulo, agora está no Rio. A minha filha é quem cuida de todos os negócios do meu filho. Então, ela também está sempre junto com ele. A gente está sempre perto, morando em Porto Alegre, mas de mês em mês, a gente dá uma chegadinha, para ver como eles estão. Tenho recebido convite de clubes, de empresários, para trabalhar em outro setor, outra área, mas estou priorizando a família. E isso tem sido bom para mim.