Domingo, no Catar, é segunda. É quando tudo começa. É o primeiro dia da semana. Mas não este. Este é o último de um mês histórico no país, em que viu seu projeto de centro do mundo se cristalizar. Quando Argentina x França derem pontapé inicial na final da Copa do Mundo, da Terra do Fogo ao interior do Tadjquistão, todos os olhos estarão voltados ao Lusail.
Não foi de graça que a final ocorrerá em 18 de dezembro. É o dia nacional do Catar, a data para lembrar da unificação do país em 1878. Haverá desfile militar, manobras da esquadrilha da fumaça, shows pirotécnicos e outras atrações para que a população curta o dia na rua.
Doha vai ferver, de South Bay, a baía dos arranhas-céus, a Khor Al Adaid, um dos poucos lugares do mundo em que deserto e mar se encontram. Desde o meio da semana, há ensaios acontecendo. Teremos desfile de camelos, apresentações de falcões treinados, cavalos árabes com o trote elegante que faz dele o rei dos cavalos. Nada escapará da atenção dos xeques para mostrar seu orgulho com esse pequeno e rico, mas põe rico nisso, país.
Mas vamos combinar. Mesmo que a final não fosse no Dia Nacional do Catar, ela já seria com a cara e o dinheiro do Catar. Talvez só nos seus sonhos o xeque Tamim bin Hamad al-Thani tenha imaginado tanto êxito no seu projeto de vincular a imagem do país ao êxito esportivo.
A Copa trazida para cá, a primeira no mundo árabe, coloca na final Messi x Mbappé. Se o PSG não vai até as taças mais cobiçadas, elas vêm até o PSG. Um dos craques da vitrine parisiense da pujança catare sairá do Lusail campeão. Nem por encomenda seria tão perfeito para o projeto do país. E olha que os xeques encomendaram quase tudo para trazer a Copa.
Há uma euforia da Fifa com o resultado da Copa. Havia muita apreensão antes de a bola rolar. Grandes nomes europeus, do futebol e fora dele, foram críticos à realização do Mundial em um país com tantas restrições ao direito individual e às mulheres. É claro que o presidente da Fifa, Gianni Infantino, força a barra ao dizer que foi a melhor fase de grupos de todos os tempos. Não foi. Aliás, tivemos alguns jogos de fazer lembrar a Série B.
A Copa, no entanto, esteve longe de ser enfadonha. Apesar da restrição às bebidas alcoólicas e das regras de comportamento mais rígidas do que no ocidente. Não houve festas de arromba nem flertes. Mas quem veio, se divertiu mesmo assim.
Foi à praia, pagando para entrar, gastou R$ 50 com um latão de cerveja, conheceu estádios de arquiteturas arrojadas e lotou os becos do Souq Waquif, o mercado persa construído há 30 anos com aspecto de obra secular. Ali, a Copa pulsou. Tanto que comerciantes olhavam com enfaro a turista que regateava preço. Mesmo que isso seja cultural. Venderam tanto que nem se assustavam quando o cliente ameaçava sair da loja. Logo viria outro e pagaria o preço.
Foi no Souq que a Copa aconteceu. Não importava a hora do dia, estava sempre lotado. Fosse no prédio da venda de pássaros e rações, fosse no dos tecidos e artesanatos, havia gente pelos borbotões. Iemenitas, indianos e paquistaneses se misturavam a argentinos, brasileiros, mexicanos e europeus, em pequenas frações.
Dependendo do jogo, uma cor predominava. Em dia de jogo do Marrocos, nem em Casablanca se via tanto marroquino por metro quadrado. Na véspera de jogo da Argentina, o lugar era dos hermanos. Espertos, eles estendiam a festa e depois se recolhiam para dormir e chegarem descansados ao estádio. Os brasileiros festejavam no dia. Como nossos jogos eram às 22h, faltava gás. Temos de aprender com eles ainda esses macetes.
Teremos de aprender também alguns macetes do campo vendo esta final. Lionel Scaloni e Didier Deschamps estão neste domingo, no Lusail, porque foram pragmáticos quando necessário. Scaloni, o caçula dos 32 técnicos desta Copa, jogou o jogo.
Encontrou o time na segunda rodada, contra o México, ao colocar Enzo Fernández no meio-campo, e deixou de lado o constrangimento para fechá-lo. Usou linha de cinco na zaga para segurar resultado, trocou extrema por meio-campo marcador contra a Croácia, jogou no erro do adversário. E contou com Messi, é claro.
Deschamps foi na mesma linha. Seu modelo é exatamente o mesmo adotado por Tite. Com a diferença de que, contra a Inglaterra e o Marrocos, encaramujou-se no seu campo e apostou no contra-ataque. Na semifinal, em determinado momento, puxou o time inteiro para trás e apostou numa escapada e em Mbappé. Assim, liquidou o Marrocos.
Neste domingo, só um pragmático terminará sorrindo. Não há injustiça na final. Chegaram as duas melhores seleções. A partir das 18h, hora local, hora do churrasco aí no Rio Grande, veremos um novo capítulo da Copa ser concluído.
Pode ser que tenhamos o ingresso de Messi no Olimpo dos craques. Mas também pode ser que testemunhemos a coroação de Mbappé. Haverá um vencedor apenas. E um país que já ganhou, o Catar, agora definitivamente no mapa do mundo.