Coreanos e brasileiros assistindo juntos ao futebol, comendo pipoca e tomando refrigerante dentro de uma igreja evangélica de origem coreana em Porto Alegre. Coisas da Copa do Mundo.
A igreja chama-se Missão Boa Notícia e fica no Parque dos Maias, zona norte da Capital. É a única no Rio Grande do Sul, foi criada em 2004 e é liderada pelo sul-coreano Pyong Ho Kim, 46 anos, há 18 em Porto Alegre e que aqui é conhecido por pastor Marcos.
Pode parecer curioso uma igreja evangélica de origem coreana, mas, segundo o pastor Marcos, os evangélicos são numerosos na Coreia do Sul; ficam atrás apenas dos budistas. Por lá, a Missão Boa Notícia foi fundada em 1962.
Aqui em Porto Alegre, os fiéis são gaúchos mesmo. Mas há sul-coreanos que vêm pela ONG ligada à igreja, a Internacional Youth Fellowship, e, por gostarem da cidade, acabam ficando. Estavam reunidos nesta segunda-feira (5) para ver a disputa entre as duas seleções.
— A Coreia fez o possível, mas o Brasil joga muito bem — diz Sohyeon Lee, 23 anos, que vive em Porto Alegre desde 2019 e estuda Publicidade e Propaganda na Uniritter.
Também havia um sul-coreano ilustre sentado nas cadeiras de plástico da igreja: o mestre de taekwondo Te Bo Lee, 80 anos, referência na arte marcial coreana em todo o Rio Grande do Sul. Ele chegou em 1977 à Capital, a pedido do governo brasileiro, à época militar, que queria expandir a prática de taekwondo pelo país.
Te Bo Lee foi técnico da seleção brasileira de Taekwondo no Mundial de Taekwondo na Coreia do Sul, em 1989, e também no Campeonato dos Estados Unidos, em 1993. Com a vasta experiência em treinar atletas brasileiros para lutar inclusive contra conterrâneos coreanos, o faixa preta acostumou-se a ficar do lado do Brasil.
— Quando é futebol, torço 100% Brasil. Mas, quando Brasil joga contra Coreia, fico triste. Ainda assim, fico a favor do Brasil. Brasil sem futebol não existe — diz Te Bo Lee.
A verdade é que o mestre desistiu de ver o jogo no intervalo da partida, quando os coreanos já tinham levado quatro gols.
E não pensem que em uma igreja não se faz comemoração. Os gaúchos foram aos berros quando Vinicius Jr marcou nos minutos iniciais do primeiro tempo. Repetiam os clamores a cada investida da Seleção, balançando bandeiras do Brasil. Diante do êxtase de seus fiéis, o pastor Marcos só ria.
— O coração dele é brasileiro — diz Everton Gomes de Oliveira, 45 anos, há 15 anos frequentando a Missão Boa Notícia, desde a primeira sede da igreja, na Avenida do Forte.
Os coreanos até tentaram mandar boas energias para seus craques entoando a frase "República da Coreia" na língua materna.
— Dae han min guk! Dae han min guk! — gritavam, pedindo reação.
Tiveram apoio dos colegas de culto, mas a expressão logo virou troça.
— Não derramincu! — retrucou Everton.
Ele tem dois filhos frequentando a ONG ligada à igreja, onde crianças e jovens aprendem sobre a cultura coreana, além da própria língua coreana, tudo de forma gratuita. Segundo Everton, o contato com os coreanos da Missão Boa Notícia inspira os fiéis a terem força para lidar com os desafios da vida.
— Se você estudar a história da Coreia, vai ver que eles foram destruídos, passaram por muitas guerras e, nem por isso, desistiram do mundo. Pelo contrário, ficaram fortes — diz.
Mas os brasileiros também levam inspiração aos coreanos, e não só no futebol.
— Aprendi a ser mais alegre. Coreanos são fechados. Nossa personalidade é assim. Aqui no Brasil, tem comunicação, conversa. Isso é muito bom porque na Coreia, na rua, não tem conversa — diz Sohyeon.
Mensagens edificantes à parte, os brasileiros deram um baile nos coreanos. Na igreja Boa Notícia, a paz reinou.