Não tem gritos nem muita conversa no salão de festas da Sociedade Porto-Alegrense de Auxílio aos Necessitados (Spaan), onde 30 idosos que moram no asilo assistem o Brasil jogar contra os Camarões pela Copa do Mundo, nesta sexta-feira (2). Acomodados em cadeiras, alguns em cadeiras de rodas, apenas balançam bandeirinhas verde-amarelo quando a Seleção tenta investir contra os adversários.
A calmaria não tem a ver com a idade dos espectadores: com uma escalação só de reservas, a partida foi sem emoção, já que o Brasil já estava classificado para as oitavas de final.
— Tá fraca, muito fraca — diz Daniel da Matta, 75 anos, vestido com uma camisa azul da Seleção, mesma cor usada pelo Brasil para disputar o terceiro jogo no Mundial.
— Melhor é quando vale alguma coisa — opina Cláudio Gomes, 76 anos, que diz entender tudo de futebol.
Uma leve irritação surge entre os idosos quando, por uma confusão, o telão montado no salão de festas começa a transmitir Suíça x Sérvia. Também não gostam quando um outro canal que não a Globo começa a exibir o jogo do Brasil. Segundo a psicóloga Roberta Oliveira, há cinco anos trabalhando na Spaan, eles só se acomodam quando ouvem a voz do Galvão.
— Tem que botar na Globo — pede Cláudio, ansioso para acompanhar mais uma Copa do Mundo.
Tem pipoca e suco para a plateia degustar durante a partida. Uma enfermeira carregando uma bandeja com comprimidos e copos de água se aproxima de quem precisa tomar na hora certa o remédio para a pressão, o remédio para o coração...
Também teve bolão para apostar qual time sairia vencedor. Roberta passa pelas cadeiras com uma caderneta anotando nomes e palpites. Todo mundo arrisca no bom desempenho do Brasil: 3 a 1, 2 a 0... Cansaram de ouvir, ao longo das décadas, que a Seleção Brasileira é a melhor. Só Anastácia Foledo, 86 anos, que não liga para futebol, investiu em um 1 a 0, com vitória para os Camarões.
— Se soubessem que eu tô louca para ir embora e ver TV... Queria ver canal religioso — diz.
É a primeira vez que Anastácia fica na frente da televisão para acompanhar uma partida de Copa do Mundo. Gosta mesmo é de assistir à missa.
— Uma vez eu fui campeã e assisti seis missas. Quatro na TV, duas no rádio.
São 17h, fim do segundo tempo e os idosos se dirigem à porta do salão de festas. É hora do café da tarde, embora alguns já aproveitem para jantar. Formam fila para sair, alguns de cadeiras de rodas, outros apoiados em andadores, poucos sem nenhuma ajuda para se locomover.
Diante de um jogo sem grandes pretensões, a maioria vai se dispersar e nem voltar mais para o salão. Mal sabia Anastácia que seria ela a vencedora do bolão, com direito a uma Coca-Cola pequena para desfrutar sozinha no quarto — o Brasil levou um gol nos acréscimos do segundo tempo.
— O tempo em que os Camarões não sabiam jogar já acabou. Os Camarões são fregueses do Brasil. Aprenderam com nós — observa Jauro Lisboa, 77 anos, há quatro na Spaan.
Outras épocas
Na memória dos idosos, não tem Copa do Mundo mais marcante do que a de 1970, no México, quando o Brasil despontou como tricampeão. Era só craque na Seleção Brasileira, recorda Fernando Rosário Pereira, 72 anos, há cinco vivendo na Spaan.
— Pelé, Rivelino, Tostão, Jairzinho. Era um grupo inesquecível. Já essa não é igual — diz.
Fernando tinha 20 anos na época. Era jovem, vivia com os pais e tinha a saúde de ferro. Hoje, amarga a morte de um filho e carrega a marca de quatro pontes de safena no coração.
— Talvez seja saudosismo meu, mas parece que todos os times de hoje são mais fracos.
Acha que falta maturidade a Neymar, atual ídolo do futebol brasileiro.
— Neymar é um guri bom de bola, mas tem que amadurecer. Na minha época, a camisa da Seleção pesava. Hoje é o dinheiro que pesa.
Colega na Spaan, Cláudio Gomes, 76 anos, há seis vivendo no abrigo, concorda que os craques de 1970 permanecem imbatíveis. Segundo ele, eram jogadores que se preocupavam menos com glamour do que os de hoje.
— Tem que ter cabeça muito boa para ficar milionário de um dia para o outro. Hoje, um jovem compra um carro importado com o primeiro dinheiro que ganha.
Só para uma pessoa a Copa de 2022 vai se sobressair às outras, e não por um bom motivo. Daniel da Matta ainda está se acostumando com a Spaan, onde mora há apenas cinco meses, sendo que há sete usa cadeiras de rodas por causa da falta de equilíbrio. Criado jogando futebol com os amigos no Júlio de Castilhos, o Julinho, tradicional colégio de Porto Alegre, tem dificuldade em ver-se assim.
— Essa, talvez, seja a Copa que mais vai me marcar. Porque eu estou aqui. Sinto falta da minha liberdade.