O destino é mesmo implacável. Tanto se debateu e se discutiu a convocação de Daniel Alves para a Copa do Mundo que, passados os primeiros 90 minutos aqui no Catar, justamente para ele se abriu um lugar no time com a lesão de Danilo. Tanto se falou que Daniel viria para o Catar com a missão de cuidar de Neymar que, no exato momento em que a vaga de titular caiu no colo dele, o camisa 10 está saindo, também por lesão. Será, portanto, sem Danilo e Neymar as duas próximas partidas da Seleção. Isso se não forem mais.
O futebol é tão mágico e tão cheio de regras particulares que consegue reduzir toda a cobertura da Seleção na Copa a dois tornozelos. O direito de Neymar e o esquerdo de Danilo. Só se falou deles nesta sexta-feira (25) em Doha, uma sexta preguiçosa e com cara de domingo. No mundo árabe, a sexta corresponde ao domingo. Neymar parece ser o caso mais sério. Em comunicado distribuído à imprensa pela CBF, ele sofreu lesão no ligamento lateral e ainda apresentou um edema ósseo. Danilo teve lesão no ligamento medial. O caso mais surpreendente é o de Danilo. Depois da vitória sobre a Sérvia, ele passou pela zona mista e atendeu aos jornalistas. Caminhava apressado. Os repórteres até brincaram:
— Correndo desse jeito, é sinal de que foi só um susto?
— Estou bem, foi só um pouquinho articular, estou pronto para outra.
Não estava. O que reabriu o debate em torno de Daniel Alves na Seleção. Esse debate, inclusive, fez Daniel se mostrar arredio aos jornalistas depois do jogo. Ele passou em silêncio pela zona mista, um corredor cheio de voltas, como eram as filas de banco antigamente. Aliás, foi mais do que em silêncio, foi com indiferença. Os repórteres o chamaram, insistiram, e ele cruzou com o olhar fixo no horizonte. Agora, eu sei como uma samambaia se sente quando passam por ela.
O que mais argumentavam os contrários à convocação de Daniel era a dificuldade que teria de encarar atacantes de primeira linha caso tivesse de ser chamado numa eventual ausência de Danilo. Tite enfrenta, uma semana depois de desembarcar no Catar, seu primeiro dilema. Se trouxe Daniel, era porque confiava e estava certo de que corresponderia quando acionado. Mesmo que, saibamos todos, aos 39 anos, o lateral está longe do auge. Além de que, com Militão, há mais capacidade defensiva.
Há, além da fiança de Tite, outro fator favorável a Daniel. Neste modelo adotado pela Seleção, o lateral direito fecha a linha de quatro na fase defensiva e ganha o suporte do ponteiro, no caso, Raphinha. Na fase ofensiva, o lateral vem por dentro, como se fosse um meio-campista. Ou seja, aquela ideia de o jogador correr os 120 metros do campo foi aposentada. Não há mais Cafus ou Maicons nem um jovem Daniel com capacidade orgânica para isso.
A escolha por Daniel também tem um ponto de gestão de grupo. Tite trouxe para a Copa um dos principais líderes desse grupo. Trata-se de alguém ouvido por todos, referência por ser o jogador com mais títulos na carreira e capaz de conectar todas as alas do vestiário, desde os guris aos mais veteranos. Não foi de graça que, esses dias, ele postou um vídeo em que todos cantavam e batucavam a música da organizada. Ele no centro, Rodrygo, Richarlison Vini e Alex Telles, entre outros, em volta.
Optar por Daniel também reflete na definição do substituto de Neymar. Há nomes de sobra: Rodrygo, muito usado por Tite pelo meio, Everton Ribeiro e Fred. Aposto no ex-jogador do Inter, por duas razões: a primeira é de que Paquetá ocuparia o lugar de Neymar, onde ele mais rende; a segunda é que, com Fred ao lado de Casemiro, há um equilíbrio maior que compensaria a troca de Danilo por Daniel. Sem contar a admiração de Tite por Fred. Em 2018, o manteve no grupo mesmo machucado. Nesta quinta, na primeira oportunidade, o mandou a campo.
A definição de quem herdará a vaga, podem apostar, será a pauta até a segunda-feira, contra a Suíça, na hora do almoço aí no Brasil. Talvez os nomes saiam antes, mas o fato é que o destino se mostra implacável. Logo na segunda partida, Tite tem sua maior prova nesta Copa. Será quando teremos a resposta se ele acertou mesmo ao trazer Daniel Alves.