Este texto faz parte da cobertura da Copa do Mundo. A seção 'A Copa da minha vida' é publicada diariamente no caderno digital sobre o Mundial do Catar.

Falar de Copa é empolgante, ainda mais no meio de uma cheia de surpresas. A maioria dos que acompanham tem opiniões das mais diversas. E a Alemanha? Que surpresa nos preparou o Japão! Já ouvi alguém dizer que os craques do sol nascente mereciam ter feito sete. E a Argentina, então? Uns lamentam, outros nem tanto. O Brasil pode até tropeçar, mas não cair. Será que vem o Hexa?
Uns já viram muitas Copas, outros nem tanto. Mas acredito que todos tenham suas preferidas. De minha parte, eu escolho a de 1970 como a que mais me marcou. Quem, quando garoto de 10, 12 anos, não sonhou se tornar piloto, astronauta, cantor famoso ou jogador de futebol? É claro que uma Copa alimenta esse sonho com todos os ingredientes e intensidade.
O campinho ao lado da escola se tornava um grande estádio na minha imaginação e na de meus colegas. As goleiras, de madeira retorcida pelo tempo, e o gramado irregular formavam o nosso templo mexicano. E, claro, o amontoado de crianças e adolescentes que se juntavam lá todo o dia, na hora do intervalo das aulas, era sim a Seleção Brasileira.
Diariamente, depois de uma brevíssima corrida entre a sala de aula e o campo, dois eram sorteados e cada um escolhia alternadamente um atleta por vez. Às vezes o número não era suficiente para formar dois times de 11. Valia equipe de oito, seis, cinco de cada lado. E se a soma de todos resultasse número ímpar, ninguém se importava se o adversário ficasse com um a mais, desde que fosse o pior.
A função de árbitro era uma discussão coletiva, normalmente democrática e consensual. Às vezes o jogo parava por um tempo maior, dependendo da gravidade do problema a ser discutido. Naquele intervalo diário, todos deixavam de ser meros desconhecidos e se tornavam Clodoaldo, Gerson, Jairzinho. O nome mais disputado, sim, era Pelé. Mas Pelé era tão bom, que jogadores dos dois times se apossavam do nome dele. Em um momento era referido por um, logo poderia ser o adversário. Tudo conforme a habilidade, o desempenho ou o gol marcado. Na zaga, ninguém poderia ser Pelé e sim Carlos Alberto, Piazza, Brito... Depois da intermediária, apareciam quase sempre Tostão, o camisa 10 e Rivelino. Ansioso, o time todo se amontoava na frente e esquecia a linha de defesa. É que lá no ataque qualquer um poderia reivindicar para si o nome dos maiores ídolos da camisa amarela.
Aquela Copa era única, emocionante. Quando terminou, aos poucos, o Jalisco de Guadalajara foi sendo substituído no imaginário infantojuvenil pelo Olímpico ou o Beira-Rio. Voltaram a desfilar naquelas tardes, ao lado da escola, Everaldo, Flecha, Caio, Alcindo, Loivo, ou Tovar, Dorinho, Valdomiro, Bráulio, Claudiomiro...
Vieram muitas outras Copas, mas pessoalmente nenhuma superou a emoção de 1970. É que, para aquelas crianças e adolescentes, todas as possibilidades estavam abertas, pois todos os sonhos poderiam se realizar. E é assim até hoje. O tempo vai passando e a vida nos obrigando a direcionar o foco para escolher um caminho que definia nosso futuro. Talvez não no futebol. Com certeza em outros gramados, outros garotos sonharam assim em 1958, 1962, 1994 ou 2002. E hoje vivem a esperança de 2022. Quantos imaginam estar no Estádio de Lusail, em Doha? Uns são Neymar, outros, Mbappé, Lewandowski ou Messi.
Como é maravilhosa a esperança que nasce junto ao fascínio mágico de uma Copa na ingenuidade de uma criança.