Este texto faz parte da cobertura da Copa do Mundo. A seção 'A Copa da minha vida' é publicada diariamente no caderno digital sobre o Mundial do Catar.
Aos 44 anos, não tenho ídolos. Mas, aos 15, como todo adolescente, costumava tê-los.
Aquele 1994 fora um ano duro. Perdi meu avô, Osvaldo, em fevereiro, de infarto. Eu nunca o acompanhara ao Estádio Olímpico, em Porto Alegre, mas gosto de acreditar que me tornara gremista um pouco por causa dele — outro pouco por influência do meu padrinho, Arizoli, este sim, meu companheiro de arquibancada. Naquele mesmo ano, em 1º de maio, morrera Ayrton Senna. E eu aprendia, em um intervalo de três meses, que a vida não era tão legal quanto me diziam. Perdíamos pessoas nas curvas de nossa jornada.
Nesse clima melancólico, assisti à Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos. Como a maioria das pessoas, imagino, fui me ligando mais aos jogos à medida que a Seleção ia avançando. Fase de grupo sem sustos. Oitavas de final contra os donos da casa, em um 4 de julho, data da independência americana, vitória apertada de 1 a 0 graças ao passe de Romário para Bebeto.
Quando o Brasil pegou a Holanda, nas quartas de final, eu já estava totalmente no clima da Copa. Até hoje, o olhar do gaúcho Branco na cobrança magistral da falta que desempatou a partida contra a Holanda (3x2) e nos levou à semifinal é símbolo, para mim, de determinação. Depois da Suécia, na semi, chegamos à final em 17 de julho, contra a Itália.
Havia dois componentes inéditos. O primeiro, dois titãs do futebol tricampeões do mundo se enfrentariam na final. O 0 a 0 do tempo normal e da prorrogação se encarregaria do segundo componente histórico: pela primeira vez, uma Copa seria decidida nos pênaltis.
Na minha Copa doméstica, minha família decidira passar aqueles dias de julho em São Paulo, visitando uma prima querida. Lembro de assistir à final, no quarto, com a TV em volume baixo ainda em respeito ao luto de minha avó, que, na sala, fazia cara feia para jogos de futebol — tempos depois, interpretamos que sua rejeição era mais uma tática mental para não lembrar do meu avô e de seu radinho de pilha onde escutava as partidas do Grêmio.
O fato é que, quando o grande Taffarel (outro gaúcho!) defendeu a cobrança de Massaro, Dunga (mais um gaúcho!) colocou o Brasil em vantagem e Roberto Baggio errou feio, explodi em um grito contido ainda por causa da vó. Do alto do prédio, observamos as luzes dos fogos cruzarem o céu da capital paulista, enquanto Dunga erguia a taça do tetra. Não sei porque, mas quando os atletas da Seleção abriram uma faixa no centro do campo ("Senna... Aceleramos juntos, o tetra é nosso!"), enxerguei ali também uma homenagem ao seu Osvaldo, de Guaíba, o meu avô.
Pensando bem, não é tão ruim ter ídolos. Ao menos em tempos de Copa.