Este texto faz parte da cobertura da Copa do Mundo. A seção 'A Copa da minha vida' é publicada diariamente no caderno digital sobre o Mundial do Catar.
Cara, eu amo Copa do Mundo. Nem tanto pelo futebol, mas pelo completo e absoluto sentimento de alienação que me arrebata. Como é bom se alienar.
Pedi, como costumo pedir em Copas do Mundo, uns dias de férias exclusivamente para desfrutar dos inquestionáveis benefícios desse evento mundano. Não quero viajar, não quero ler, não quero passear, quero é ficar vendo Austrália e Tunísia debaixo de um cobertor marrom no sofá da sala, engordando à base de sorvete e chocolate e rosquinha e pudim, tecendo comentários idiotas sobre o cabelo do Neymar e ignorando solenemente o que de fato merece atenção neste mundo.
Alguém dirá que "enquanto você grita gol, o país desmorona", e eu mencionarei um edificante meme que vi no Twitter, porque hoje não citarei Freud nem Hobbes nem qualquer outro xaropão que adoro citar, vou apenas celebrar a alienação e a cultura inútil, então falarei desse belo meme que, prudentemente, dizia que "o país também desmorona enquanto você assiste àquela folha caindo da árvore no seu filme iraniano".
Portanto, permita-se, liberte-se, aproveite esta oportunidade para perder qualquer rastro de consciência política e social, porque, acredite, você precisa disso. Por duas semaninhas que seja. Eu preciso, o Brasil precisa. Tivemos há pouco outra virulenta campanha eleitoral, encerrando mais um capítulo dessa interminável agitação que começou lá nas jornadas de junho de 2013 — ainda tivemos a Operação Lava-Jato, o processo de impeachment, o movimento Fora Temer, as prisões do PT, a nova extrema direita, a morte de Marielle, a greve dos caminhoneiros, a pandemia de covid, a Amazônia em combustão, o movimento antivacina, a anulação das condenações, os ataques ao Supremo, os protestos contra Bolsonaro, as manifestações pró-Bolsonaro, a reeleição de Lula, PELO AMOR DE DEUS, ALGUÉM ME DEIXA VER O DIABO DO JOGO ENTRE JAPÃO E COSTA RICA!!!!!
Porque não há quem aguente. Mais do que um respiro, a alienação é necessária em meio à fúria dos extremos, à difusão de mentiras, ao debate interditado e à estupidez dos nossos líderes. Eu quero é o álbum de figurinhas, o cabelo do Neymar, a torcida dos coreanos, a arquitetura do Catar. E também quero, claro, sentir um orgulhinho do Brasil. Porque a gente merece, ué.
Então, não me venha com intelectualidades agora. Sugiro uma churrascada para ver a estreia da Seleção nesta quinta (24), que tal? Daqui a duas semanas eu volto. Falando aquelas abobrinhas muito sérias de sempre.