Raphinha é um driblador mesmo. Nesta segunda-feira (21), foi ele o primeiro jogador a aparecer para a entrevista coletiva. Chegou com o sorrisão aberto, mas ainda demonstrando alguma timidez. Sentou-se na bancada diante de cerca de 100 jornalistas para uma sabatina de 24 minutos. Driblou o tempo todo e mostrou que a rodagem por Portugal, França, Inglaterra e, agora Espanha, fez do guri criado na Restinga um jovem maduro. Saiu da sala de entrevistas como entrou, sorridente, sem nenhum arranhão e sem dar qualquer pista sobre o time para a estreia contra a Sérvia.
Raphinha sabe que vai jogar. Ele e o mundo. Estreou na Seleção em 7 de outubro do ano passado. Como um furacão. Participou dos três gols no 3 a 1 sobre a Venezuela e nunca mais saiu, com exceção daqueles amistosos em que Tite fez observações. Tanto que às vésperas da estreia na Copa, a interrogação é sobre quem jogará do lado esquerdo. Porém, essa definição, é segredo de Estado no ambiente da Seleção. Raphinha entendeu bem:
— Se ele escondeu da imprensa, não posso falar para vocês. Acredito que, com Vini Jr. ou Martinelli, ganhamos mais velocidade no jogo, são jogadores rápidos. Com o Paquetá, atuamos mais com a bola no pé, mas sempre com aceleração. Acredito que seja isso, cada um tem característica diferente do outro. Tem jogo que pede uma coisa, tem jogo que pede outra.
Drible clássico. Alongou-se, fez abordagem tática e não avançou um milímetro.
Raphinha, neste momento, pediu um agasalho azul da Seleção, para se proteger do frio do ar-condicionado a mil da sala de entrevistas, e seguiu. Aliás, este momento, insólito até para quem cresceu no inverno de Porto Alegre, foi o único momento em que o extrema saiu do script. O que impressionou em Raphinha foi o seu domínio do que estava falando. Não é uma tarefa fácil para um dos mais jovens do grupo encarar a coletiva da Seleção. Havia um batalhão de brasileiros, havia um repórter inglês do The Sun, um espanhol do ÁS e até um sérvio, que conseguiu encaixar uma última pergunta em inglês. Queria saber de Raphinha o que esperava da Sérvia na quinta-feira (24):
— Seja a sérvia, seja a Suíça, seja Camarões, toda a equipe tem alta qualidade. Em cima disso, estamos trabalhando e fazendo nosso melhor para chegar o mais preparado possível.
Mais um drible.
O Zé Alberto Andrade, veterano de Seleção, tentou desarmar Raphinha provocando seu lado afetivo, citando as origens na Restinga e o quanto representava para aquele guri magricelo, dispensado por Grêmio e Inter na infância, estar na Seleção Brasileira e prestes a jogar a Copa do Mundo. Raphinha, quando ouviu a referência à Rádio Gaúcha, sorriu. Mas seguiu negaceando.
— Primeiramente, me sinto muito privilegiado de estar aqui, de estar vivendo esse momento na carreira. Sonhei muito com isso. Hoje, posso dizer que estou aqui para ajudar a Seleção a conseguir nossos objetivos.
Outro drible.
Na pergunta seguinte, o Kiko Menezes, da TV Globo e do SporTV, aproveitou a onda trazida pelo Zé Alberto. Mencionou a Restinga também e falou da característica de drible, oriunda do jogo na várzea, de quase todos os atacantes e meias da Seleção. Aqui, Raphinha até se alongou mais, pareceu gostar do tema. Mas deu voltas e saiu sem avançar muito o sinal.
— O futebol da várzea está comigo, com o Paquetá, o Neymar, com todos os nossos jogadores que vivenciaram esses momentos. Agora, não pode pegar a bola na área defensiva e tentar driblas todo mundo. Pode dar coisa ruim, sabemos das nossas responsabilidades. Temos o momento certo de fazer.
Novo drible.
Raphinha talvez seja, nos últimos tempos, o jogador que desembarcou na Seleção como se estivesse em casa. Nunca teve histórico de base na CBF. Nem era conhecido aqui no Brasil. Até mesmo da comissão técnica. O próprio Tite revelou que o nome do extrema chegou a ele a partir de um dossiê robusto preparado pelos auxiliares. Raphinha já começava a impressionar os ingleses no Leeds, levado por Marcelo Bielsa, quando entrou no radar da Seleção. A Premier League o colocou na órbita de Tite e também dos grandes clubes da Europa. Jurgen Klopp o monitorou para o ataque do seu Liverpool. Porém, o destino acabou sendo o Barcelona, a meta de vida de qualquer jogador brasileiro.
O começo com oscilações no Barcelona é a curva baixa de uma carreira que sempre foi ascendente e em alta velocidade. Em sequência, de 2016 para cá, passou por Vitória de Guimarães, Sporting, Rennes, Leeds e Barcelona, tendo entre esses dois últimos uma chegada fulminante à Seleção. Os números consistentes no Exterior foram usados por ele para rebater a ideia de que é um jogador de Seleção mais do que de clube. Talvez esse tenha sido o único momento da entrevista em que ele foi mais direto no confronto. Antes de responder, pensou um instante, olhando direto para o repórter, e veio para cima:
— Não me vejo um Raphinha de Seleção. Para chegar aqui, tive de fazer muito nos clubes. Muitos de vocês não me conheciam até um ano atrás. Quem me acompanhou, sabe o que fiz, dos meus números. Depois de ser convocado, é normal ser mais visto pela mídia brasileira. Quando a chance veio na Seleção, agarrei para não soltar.
A coletiva seguiu, sem que Raphinha desse qualquer pista de time. Ou fosse mais contundente. Mostrou-se equilibrado e seguro do que falava. Perguntei a ele sobre a importância de contar com dribladores contra uma defesa que, possivelmente, usará linha de cinco, como a da Sérvia. Ele não entrou em detalhes sobre o rival. Disse que Tite dava liberdade para ele e que havia a necessidade de ser responsável sobre onde driblar, para evitar danos. A entrevista, então, acabou. Raphinha, com as mangas do casaco arremangadas, levantou-se e saiu com o mesmo sorriso que entrou. Antes de entrar na área reservada dos atletas, um repórter ainda insistiu:
— Pô, mas não vai dizer nada mesmo?
— Tá louco? Tem outro vindo aí.
Assim, passou a bola para Richarlison, que viria a seguir. Será assim também em campo, com ele servindo o camisa 9.