Você pode achar que até mesmo para o Catar, o país mais rico do mundo, toda ambição tem limite. Se sediar e planejar uma Copa do Mundo, sem ao menos ter tradição no futebol, apenas para chamar atenção do planeta por 28 dias já seria um passo suficientemente grande, os governantes cataris mostram mês após o outro que isso ainda é pouco. Para a pequena nação árabe situada no Golfo Pérsico, ser exaltada pelo pioneirismo é algo primordial. Não importa o valor: para impressionar e desenvolver-se rapidamente, o país não faz contas antes de investir. Uma das jogadas da vez é construir uma cidade do zero sem sequer ter população para ocupá-la. O projeto de Lusail é real e está com 70% de suas obras concluídas.
A transformação tem ritmo acelerado. As dunas de areia aos poucos vão dando espaço a um organizado, porém ainda solitário município. Lusail já tem cara de cidade, com avenidas, ruas, prédios residenciais, hotéis e comércios finalizados. Restam, "apenas", os habitantes. Apelidada de "cidade fantasma" pelo povo catari, está praticamente pronta — mas ainda não há perspectiva de ocupação.
Deslocando-se de carro por suas ruas, em algumas regiões ouve-se apenas o silêncio — que só é interrompido pelo barulho do vento. Em outras áreas, os únicos ruídos vêm das britadeiras e de outros instrumentos usados nas construções ainda em andamento — mas quase prontas. Não há carros circulando nas longas avenidas ou movimentações em seus grandes prédios.
Os únicos que passeiam por Lusail durante o dia são os cerca de 45 mil operários que dedicam-se às obras. À noite, as luzes dos empreendimentos são ligadas para dar a impressão de ocupação, mesmo que todos os locais estejam vazios — a prática é comumente utilizada em outros empreendimentos do país que, no total, tem aproximadamente 2,5 milhões habitantes.
Mas, engana-se quem supõe que o investimento bilionário não tem um propósito. Vá se acostumando, nada do que é apresentado pelo governo do Catar é modesto, simples e barato. Com o objetivo de tornar-se uma potência mundial até 2030, os árabes encaram a organização da Copa de 2022 como parte importante nesse planejamento. Os cataris compreendem o maior torneio de futebol do mundo como uma chance de mostrar seu poder. Lusail cumpre essa meta, sendo parte essencial no planejamento do Mundial "perfeito", como promete o Comitê Organizador do torneio.
— Lusail faz parte do projeto de desenvolvimento nacional do Catar. Queremos mostrar a estrutura que o país tem para receber tanta gente junta e, principalmente, para que essas pessoas voltem. Queremos colocar o Catar de vez no mapa — diz a ministra do Turismo Mashal Shahbik.
O pequeno país, com seus 11,5 mil quilômetros quadrados, quase a metade dos 21,9 mil de Sergipe, o menor Estado brasileiro, é dono de um dos maiores PIBs per capita da Terra, com US$ 63,2 mil por ano, segundo o Banco Mundial (o Brasil, para comparação, tem US$ 9,8 mil por ano). Graças principalmente ao gás natural, ao petróleo e aos investimentos no mercado financeiro, o minúsculo emirado cresceu de forma exponencial a partir dos anos 1990.
A construção da cidade tem gastos estimados em R$ 176 bilhões, sendo R$ 3 bilhões apenas no estádio local, que vai sediar a abertura e a final da Copa. Para comparação, a arena vai custar menos do que a Rússia gastou com a Arena Zenit, erguida em São Petersburgo ao custo de R$ 5 bilhões, mas o dobro do que o Brasil despendeu em 2014 com seu estádio mais caro, o Mané Garrinha, de Brasília, que custou R$ 1,5 milhão. Em Lusail, o maior investimento está na estrutura urbana desta que surge como a cidade planejada mais cara do planeta. Lusail estará completamente pronta dois anos antes da competição — em 2020, portanto. Localizada 15 quilômetros ao norte da capital Doha, já havia sido pensada pelo governo nacional antes mesmo de o Catar ser escolhido país-sede do Mundial. A competição foi o motivo que faltava para que as obras realmente decolassem.
Erguida em meio ao deserto, a nova cidade ocupa uma área de apenas 38 quilômetros quadrados — menor do que o município de Canoas, com seus 131 quilômetros quadrados e semelhante ao bairro Restinga, na zona sul de Porto Alegre, que tem 38,5 quilômetros quadrados. A projeção é de que esse espaço seja suficiente para acomodar 450 mil pessoas, sendo 250 mil delas habitantes regulares. A cidade contará com 19 bairros, 22 hotéis, um VLT com 30 paradas, 26 escolas, três shoppings comerciais, hospitais, uma marina, um porto, dois campos de golfe, centros culturais, centro de energia, vilas de frente para o mar, praias de areia branca e resorts dentro da Qetaifan Island (uma série de ilhas artificiais construídas para serem o centro turístico da cidade), além, é claro, de ginásios e arenas esportivas. O Estádio de Lusail, mais importante entre esses últimos, é um dos oito construídos especialmente para o Mundial. Terá capacidade para 80 mil torcedores, quase um terço do número estimado de habitantes da nova cidade.
— O Estádio de Lusail contará com tecnologias amigáveis ao ambiente, sendo exemplo para uma nova geração de arenas esportivas no mundo inteiro. Seu design também auxiliará os fãs na visualização do jogo com confortáveis assentos. Será um ambiente bonito e que representa a ambição, o orgulho e o entusiasmo para cumprir a promessa de entregarmos a melhor Copa de todos os tempos — vibra Khalid Al-Naama, porta-voz do Comitê Organizador do Mundial.
Veja também:
*A repórter viajou a convite da Federação de Futebol do Catar.