Azarão ou grande surpresa da Copa América 2019? Ao que tudo indica, a seleção do Catar não deverá desembarcar em junho no Brasil apenas para "adquirir experiência". Seus últimos resultados justificam esta tese e surpreendem até o mais otimista dos torcedores.
Para uma seleção que sequer conseguiu superar a segunda etapa das eliminatórias asiáticas para a Copa de 2018, o Catar chega como convidado da competição sul-americana com status de campeões da Copa da Ásia — atropelando o favorito Japão na final, por 3 a 1, em 1° de fevereiro.
A conquista é simplesmente impressionante. O país ocupava a 93ª posição no ranking da Fifa — após o troféu inédito, subiu 38 posições e hoje está em 55º — e seus maiores títulos haviam sido três Copas do Golfo (1992, 2004 e 2014), torneio de relevância limitada disputado pelos países do Golfo Pérsico. Na Copa da Ásia 2019, o Catar teve a melhor defesa e o melhor ataque, com 19 gols marcados e apenas um sofrido.
— Foi uma grande festa. Nunca vimos a seleção jogar tão bem como agora. Apesar de não ter ficado tão surpreso, foi emocionante — descreveu, entusiasmado, por telefone, o comerciante Abdullah Mohammed Al-Hajri, que revelou ter ido às ruas de Doha recepcionar o elenco campeão asiático.
O progresso pode ser colocado na conta do fato de o país ter sido escolhido como sede para a Copa de 2022. Isso tem permitido que a federação local consiga marcar amistosos contra seleções de melhor nível que, em outro cenário, não jogariam contra o Catar. No entanto, o crescimento acelerado da equipe dentro de campo não é obra do acaso. Mas, sim, de uma estratégia de desenvolvimento de talentos pensada para garantir que o país tenha uma equipe, ao menos, competitiva.
Planejamento ambicioso
— Tudo isso é devido ao planejamento e ao investimento que o governo faz no futebol ao longo de muitos anos. Felizmente, agora, está colhendo um fruto muito positivo. É uma surpresa muito boa para o povo catariano. A seleção é muito merecedora desse título — afirmou o meia-atacante Rodrigo Tabata, ex-Santos, que joga no Catar desde 2011 e foi convocado para defender o país em 2016, para as Eliminatórias.
Duas importantes plataformas fazem parte deste plano ambicioso bancado pelo Catar: a Aspire Academy e o clube belga KAS Eupen. A academia, fundada em 2004, é um centro de alto rendimento criado para desenvolver todos os aspectos do processo desportivo. Destina-se a todos os esportes, mas com especial foco no futebol. A campanha da seleção no Catar é resultado desse megainvestimento. A equipe nacional é formada, em sua maioria, por jogadores oriundos do complexo situado em Doha, capital catariana.
A Aspire é dona do Eupen e opera o clube belga. Comprado pelo Catar em 2012, ele serve como escola de aperfeiçoamento para os alunos da academia. Atualmente, o KAS Eupen disputa a primeira divisão na Bélgica.
— A estrutura da Aspire é uma coisa impressionante, é incrível. Em nível europeu, eu acho que não existe nada melhor. São 12 campos de futebol, um estádio, além de toda a estrutura de alto rendimento. Eles dão todas as condições, trazem os melhores profissionais para que o atleta possa desenvolver seu trabalho e melhorar a cada dia. O resultado do trabalho que a Aspire vem fazendo está aí — disse Tabata.
Com a genética catariana
É na Aspire que também se formou o treinador do Catar. O espanhol Félix Sánchez chegou em 2006 à academia, depois de ter trabalhado nas categorias de base do Barcelona. Em Doha, passou a garimpar jovens atletas no Exterior. Mas isso não significa que se trata de uma seleção formada basicamente por estrangeiros.
Em 2017, o governo local mudou a política sobre o futebol no país e decidiu que a seleção deveria contar com mais jogadores nativos. O resultado é que, na Copa da Ásia, apenas quatro titulares eram "importados": Boualem Khouki, da Argélia; Pedro Correia, de Portugal; Karim Boudiaf, da França; e Almoez Ali, do Sudão — esse, o ídolo da torcida. No grupo de 23 jogadores, só sete havia nascido fora do Catar.
Uma diferença significativa se comparada com a base da seleção em 2016, quando 13 dos 27 convocados para as Eliminatórias eram naturalizados.
— O desenvolvimento no futebol daqui passou por isso. Acredito que nós, naturalizados que atuamos na seleção, também tivemos parcela mínima de contribuição positiva. Mas esse resultado é fruto de planejamento, e não por causa dos naturalizados em si — avalia Rodrigo Tabata.
Confiante e com o moral elevado, o Catar terá como próximo desafio a Copa América no Brasil. Enfrentar rivais sul-americanos está longe de ser novidade. Sadeq Bader, repórter do canal de TV Al Kass Sports, do Catar, lembra que, há três meses, a seleção venceu o Equador por 4 a 3 em um jogo amistoso disputado em Doha. Esse retrospecto recente empolga a torcida:
— Temos tudo para passar da fase de grupos na Copa América. Contra a Argentina, em partida que será aí em Porto Alegre, sabemos que a torcida brasileira vai apoiar a seleção do Catar por conta da rivalidade dos brasileiros com os vizinhos.
Escalação base do Catar:
Saad Al Sheeb; Pedro Correia, Boualem Khoukhi, Tarek Salman e Abdelkarim Hassan; Assim Madibo, Salem Al Hajri, Hassan Al Haidos, Karim Boudiaf e Akram Afif; Almoez Ali.
Técnico: Félix Sánchez.