Tite fechou seu trabalho na Seleção Brasileira como chegou, com apoio total e aprovação geral. Atravessou dois anos, incluída aí a campanha na Olimpíada, em voo de cruzeiro. Tanto que a mão inverteu. Não é a CBF que convida, mas sim o técnico que aceita.
Mesmo com a oferta na mesa para renovação, ele pediu alguns dias. Vai pesar todos os pontos e refletir sobre o caminho que dará à carreira aos 57 anos. Um próximo ciclo representa chegar ao Catar aos 61 anos e, possivelmente, numa outra estrada que não o leva ao seu sonho europeu.
— Meu sentimento é de que o trabalho seguirá para 2022 — confidenciou uma fonte muito próxima do técnico.
Há desejo de seguir no cargo, é verdade, mas há também novas perspectivas e um passo gigante para realizar o sonho de trabalhar na Europa. A campanha na Seleção, com 26 jogos, 20 vitórias e apenas duas derrotas, fizeram Tite transcender as fronteiras e ingressar em um seleto grupo de treinadores.
— Dinheiro não é problema para o Tite. A questão é que ele tem o sonho de trabalhar na Europa, sempre revelou isso. Agora, ele só não fica na Seleção se não quiser — disse uma fonte ligada à Seleção.
Tite tem a barreira do idioma. Nas entrevistas coletivas pré-jogo na Copa, recorria sempre ao fone com a tradução para o português, fosse a pergunta em russo, francês ou mesmo no inglês.
O próprio Tite admitiu que a falta de domínio do inglês limita seus mercados a Portugal e Espanha. Mas está longe de ser desinteressante uma proposta de trabalho em um clube espanhol. O problema é que os três grandes, no momento, estão bem servidos.
Portugal poderia oferecer-lhe Porto e Benfica. O primeiro apostará nesta temporada no ex-lateral Sérgio Conceição e, o segundo, manteve Rui Vitória. O Sporting, terceira força, seria uma barca furada, principalmente, depois da debandada de jogadores pelo episódio das agressões da torcida aos atletas, motivadas por um presidente cuja é fama é de agir com impulso de quem está na arquibancada.
Autonomia da comissão técnica
A permanência de Tite na Seleção passa por alguns pontos centrais. O primeiro é de como será costurado um projeto de quatro anos, com Copa América no Brasil em 2019, defesa da medalha Olímpica em 2020, em Tóquio, e, claro, Eliminatórias. Mesmo que Rogério Caboclo seja afilhado de Marco Polo Del Nero, ele assumirá em maio, e passa por garantias dele de manutenção da independência da comissão técnica.
Essa autonomia passa, necessariamente, pela manutenção de Edu Gaspar como diretor técnico. O núcleo da Seleção virou a cara de uma CBF atolada em problemas até com a Interpol, com seu presidente, antes de ser afastado, proibido de sair do país. Edu Gaspar e Tite viraram a linha de frente e, indiretamente, blindaram dirigentes atrapalhados.
Por exemplo, pouco mais de 12 horas depois da queda na Copa, quem apareceu para falar e dar explicações foi Edu Gaspar. Caboclo, chefe da delegação, e Antônio Carlos Nunes, o Coronel Nunes, presidente da CBF, nem foram lembrados. Toda essa blindagem também tem um preço e será, certamente, cobrada na negociação.
No sábado, ainda em Kazan, Gaspar desvinculou totalmente sua permanência à de Tite. Ex-jogador do Arsenal e do Valencia, com bom domínio de inglês e espanhol, ele nunca escondeu o desejo de assumir como manager em um clube europeu. Ele mantém apartamento em Londres e, no dia a dia da CBF, nunca escondeu o desejo de levar a família para a segurança de uma vida inglesa.
Outro que pode seguir caminho próprio é o auxiliar Sylvinho, que também jogou no Arsenal e tem no currículo passagem pelo Barcelona de Pep Guardiola. Está só à espera de uma oferta europeia para se despedir.
Amistosos contra potências
A mesa de negociação de Tite com a CBF também terá um ponto nevrálgico: os amistosos. Historicamente, sempre foram um problema para os treinadores da Seleção, por atenderem mais a interesses comerciais do que técnicos.
A CBF vendeu a organização dos jogos para até 2022. Uma das exigências da comissão técnica, logo depois de garantir a vaga na Copa, foi de escolher adversários conforme critérios técnicos. Assim, vieram jogos contra Alemanha, Inglaterra, Japão e, mais próximo do Mundial, Croácia e País de Gales, cujas características se assemelhavam às de Suíça e Sérvia.
No sábado, Edu revelou que os dois amistosos de setembro, nos EUA, estão acertados. Outros dois em outubro e mais dois em novembro estão alinhavados. A agenda, revelou, está encaminhada até março, quando outros dois jogos serão realizados. Faltam detalhes para que esses seis últimos sejam alinhavados.
Os triunfos de Tite
Tite sabe que conta com muitos trunfos na mesa de negociação com a CBF. Primeiro, fez o Brasil, em 10 jogos, saltar de um constrangedor sexto lugar nas Eliminatórias à classificação antecipada para a Rússia. Depois, montou uma equipe competitiva e, principalmente, com apelo popular e um consenso quase inédito na história da Seleção.
Sua aprovação é tamanha que passaram batidos equívocos cometidos na campanha até o tombo contra a Bélgica. O técnico insistiu em alguns jogadores em nome de retrospecto e de reconhecimento pela campanha nas Eliminatórias.
Gabriel Jesus foi mantido mesmo sem gols e com Roberto Firmino pedindo passagem. Paulinho chegou à Copa em declínio físico e seguiu como substituição certa em todos os jogos.
É verdade que a lesão de Fred, ainda em Londres, atrapalhou a vida do técnico. Sua atuação nos treinos indicava que ele seria o 12º titular. Douglas Costa também se lesionou e acabou perdendo a chance de tomar a vaga de Willian, que teve de brilhante na Copa apenas 45 minutos contra o México.
As lesões tiraram alternativas e deixaram o técnico sem recursos no banco. Por exemplo, em caso de uma prorrogação contra a Bélgica, havia no banco do meio para a frente um Fred com problemas físicos e Taison, que seria acionado em momento de decisão sem nem sequer um minuto de Copa.
Esse breve raio X mostra que a Rússia deixou zero contestação e algumas lições a serem seguidas pelo técnico para o Catar 2022. A questão é se é desejo dele seguir dando expediente na CBF até lá.