Todas as 20 edições de Copa anteriores ao Mundial da Rússia deixaram uma marca indelével na história, e serão lembradas por essa tatuagem irremovível. A de 1974 foi a da revolução tática da Holanda e sua Laranja Mecânica. A de 2014, a bordo do 7 a 1, consagrou não apenas uma nova Alemanha, menos robotizada e mais talentosa, mas a sul-americanização do futebol europeu.
A de 1950 pode ser resumida numa palavra: Maracanazo. E assim por diante. Mas poucas, talvez nenhuma, receberam uma final tão fascinante e emblemática como a deste domingo, em Moscou, entre França e Croácia. A começar pelo estádio.
O Luzhniki é o mesmo da Olimpíada de 1980, aquela em que o ursinho Micha chorou em um painel humano gigante, na cerimônia de encerramento. Hoje se faz isso até no Gauchão, mas há 40 anos era uma novidade. Tanto que, muitos ciclos olímpicos depois, nenhuma invenção tecnológica superou tal impacto visual.
Reformado, com a estátua de Lenin mantida na entrada, dentro de um complexo esportivo que mais parece uma cidade, tal as distâncias para percorrer todos os seus caminhos, o Luzhniki receberá 80 mil pessoas. A propósito: haverá surpresas tipo Misha no adeus russo ao maior evento do planeta?
A decisão no Luzhniki resume o enredo da Copa da Rússia. Os favoritos caíram um a um, alguns vergonhosamente: Alemanha, Espanha, Argentina, Brasil. Houve zebras dando na trave para passar de fase, como Irã, Marrocos e Coreia do Sul. Outras foram adiante, caso da seleção russa.
O cemitério de elefantes foi crescendo a tal ponto que, a certa altura, a própria Croácia virou a favorita entre as zebras. Tivesse sido eliminada, onde a colocaríamos? Entre as favoritas que caíram ou entre as zebras que foram longe? Uma Copa para derrubar comentarista, sem dúvida.
Já a França era a zebra entre os favoritos. Didier Deschamps, o Dunga francês, deixou Paris abaixo de mau tempo. Pela derrota em casa na Eurocopa de 2016, para Portugal. Por não convocar Benzema e preferir Giroud. Por ter ótimos jogadores sem um time confiável. Sua seleção ganhou corpo na Rússia. O técnico fixou Kanté, Matuidi e Pogba no meio, trabalhando mais em função de Mbappé do que de Griezmann.
Se a França vencer, o mundo conhecerá um novo bicampeão, além de Argentina e Uruguai. Como em 1998, os heróis da pátria desfilarão na Champs-Élysées rumo ao Arco de Triunfo, ao som da Marselhesa, o mais revolucionário dos hinos. Eu estava lá, há 20 anos. De arrepiar.
Mas o fascínio maior da final são os croatas, esses homens de aço que tiram forças sabe-se lá de onde, prorrogação atrás de prorrogação, sempre jogando melhor do que o seu adversário quando isso já parece impossível em um esporte cada vez mais físico. Mesmo que a Croácia seja um timaço, com titulares experientes atuando nos clubes que formam a nata do futebol, ninguém os via tão longe.
Aquela papo: tradição, peso da camisa. Os croatas são os espartanos. Os franceses, o Império Persa. A França tem 67 milhões de habitantes. A Croácia, 4 milhões. A Europa nasceu e cresceu com a França. Oficialmente, enquanto país livre das mais variadas dominações, a Croácia tem só 27 anos.
Como não se encantar pela grande aventura croata, ainda mais com a notória vantagem física da França, menos desgastada? Se o jogo ofensivo, com toque de bola e finalizações (são 100 na Rússia, só menos do que as 103 do Brasil) da Croácia erguer a taça, uma verdade absoluta se esfacelará como um vaso de porcelana que cai da estante: ganham sempre os mesmos.
Em 20 edições, temos apenas oito campeões. Brasil, Alemanha e Itália concentram 13 títulos. O final feliz do sonho da camisa quadriculada seria o fim da panelinha em Copas. E um alento: sim, qualquer país pode chegar ao ápice do mais popular esporte do planeta.
Boa final, livre do balonismo futebol clube da Inglaterra, para todos nós. Até o Catar 2022.