Uma estátua de 24 metros inspirada em Hércules recebe os torcedores na entrada do Estádio Spartak, em Moscou. Ela impressiona pelo gigantismo e pela imponência. São toneladas de aço celebrando a força do dono da casa, o Spartak, o clube do povo aqui na Rússia. Thiago Silva talvez nem tenha percebido a estátua ao chegar para a decisão contra a Sérvia. Nem precisava. Sua tarefa hercúlea já havia sido cumprida na Seleção. A atuação de gala ontem foi só o arremate de quem renasceu das cinzas do 7 a 1 — fiasco do qual ele nem participou.
Thiago estava suspenso naquela tarde de 8 de julho no Mineirão. Mas o desastre brasileiro contra a Alemanha ficou tão tatuado nele que poucos se lembram disso. Tudo porque o zagueiro chorou.
Foi transparente ao mostrar sua emoção e acabou execrado. Claro que um pênalti no mata-mata da Liga dos Campeões e outro na Copa América, ambos com tapas inexplicáveis na bola, colaboraram para a condenação. Mas bem menos do que o choro.
Quatro anos depois, Thiago, enfim, dá volta no destino. De renegado, virou um dos pilares da Seleção e cruza pela sua terceira Copa do Mundo em um nível de excelência.
Uma parte desse sucesso deve ser colocada na conta de Tite. Depois da Copa América e do fim da Era Dunga, o zagueiro foi deixado de lado pelo técnico. Era preciso dar tempo ao tempo. Ele mesmo sabia disso, mas para um jogador de 33 anos que, depois de duas Copas do Mundo, mantinha-se em alta no PSG, ficava complicado digerir. Mais ainda quando o filho via a Seleção em campo na TV de casa e fazia uma pergunta lancinante:
— Pai, por que você não está lá?
Na zona mista, depois do 2 a 0 na Sérvia, Thiago emocionou-se ao lembrar-se desse momento. Os olhos ficaram marejados. Ele parou, respirou e continuou com o fôlego renovado.
— Foi muito duro, cara. Ninguém tem ideia do que passei — disse.
Em seguida, prosseguiu:
— Era muito duro ter de ouvir meu filho perguntar porque não estava na Seleção, e eu não sabia responder o porquê. Mas eu o driblava, desconversava. Bom, passou. O momento é outro.
Thiago não altera a voz. Tampouco muda o tom. É sempre sereno e tranquilo. Nem mesmo quando vem mais uma pergunta sobre o 7 a 1. Ele respira fundo mais uma vez e segue em frente. De onde vem tanta tranquilidade, pergunta um repórter:
— Da experiência. Ela te tira por um lado, mas te ajuda por outro. Sou assim, tranquilo, transparente nos meus sentimentos e procuro ser o mais correto nas minhas manifestações.
Com toda a paciência do mundo, o zagueiro atende a todos os jornalistas. O segurança Fernandão e o assessor Vinicius Rodrigues se posicionam atrás dele. Já sabem que Thiago será o último a deixar a zona mista. Desta vez, pelo menos, não havia a imprensa parisiense a fazê-lo discorrer em francês.
Quase todo o grupo estava no ônibus quando ele enfim terminou as entrevistas. Pouco mudou a feição e o tom. Até que um sorriso iluminou seu rosto. Thiago lembrou-se de que, no vestiário, havia assistido no celular a um vídeo que a mulher recém havia enviado. Nele, o filho comemorava o gol do pai e o sucesso na Seleção.
— Hoje é um dos dias mais felizes da minha vida — confessou.
Em seguida, ele entrou no ônibus da Seleção. Possivelmente, tenha visto a estátua de Hércules. Na madrugada moscovita, ele ganha iluminação vermelha. Fica flamante. Mas, depois de tudo o que passou — e superou —, Thiago não precisa dela para se inspirar.