Com a introdução da orientação de tolerância zero às críticas acintosas à arbitragem no futebol brasileiro, o número de cartões amarelos na Série A por reclamação decolou em 2015. A recomendação da CBF de advertir os jogadores que desrespeitarem os homens do apito tem sido seguida de forma contundente pela maioria. Com isso, apenas nas três primeiras rodadas da atual edição, 35 cartões foram aplicados por essa razão.
Segundo levantamento do Lance!, levando em conta as súmulas, o saldo é muito maior do que no mesmo período do campeonato de 2014, quando a ordem de amarelar os "desbocados" não existia de forma clara. Ano passado, depois de 30 jogos, foram apenas oito cartões por "reclamar contra arbitragem ou protestar contra a decisão tomada pelo árbitro". O aumento é de 337%.
A intolerância à reclamação trouxe a reboque o aumento dos números gerais de cartões. Nas três rodadas iniciais de 2014, foram 127 amarelos. No mesmo período de 2015, já são 171 cartões. Em 2014, as advertências por reclamação até a terceira rodada representaram 6,2% dos cartões amarelos aplicados até então. Em 2015, esse percentual saltou para 20,4%.
NÚMEROS DE CARTÕES ATÉ A 3ª RODADA
2014 - 127 amarelos (8 por reclamação) e 4 vermelhos
2015 - 171 amarelos (35 por reclamação) e 9 vermelhos
Um ataque verbal à arbitragem já resultou, inclusive, no cartão vermelho para o atacante Walter, do Atlético-PR, no confronto de domingo com o xará de Minas Gerais.
- Você não viu a falta? Está fazendo o que aí? Não serve para nada! Vai tomar no seu c... - foi o que disse o atacante ao quarto árbitro, segundo a súmula. Não teve choro, nem vela. Chuveiro mais cedo.
Habituados à cultura da reclamação e ainda sem saber direito qual o limite da tolerância dos árbitros, os jogadores estão descontentes. Ricardo Oliveira, do Santos, é um deles.
- Se há violência, tem que ser punida. Mas nós não podemos ter tantos cartões amarelos assim, pois o futebol fica feio. Está muito rigoroso. Falou com ele, é amarelo - disse o atacante do Peixe.
Mas o intuito da CBF é mesmo diminuir as reclamações com a arbitragem em nome do respeito.
- A palavra-chave desse ano é respeito, sem piti ou qualquer coisa do tipo. Torcedor tem o ídolo e chora por ele. E aí ele vê o ídolo xingando uma autoridade esportiva, que é o árbitro. Aí chega na escola, "eu posso xingar, meu ídolo xinga". Vê o policial, xinga o policial. Virou um desrespeito generalizado. O futebol, que é uma vitrine e tem penetração nas camadas sociais, principalmente nas menores, porque muitos veem no futebol a solução dos problemas, tem que mostrar que é possível ser educado. Que é possível ter uma decisão contra si, ser multado por um guarda, repreendido por uma professora, e aceitar isso de forma normal - afirmou o presidente da Comissão de Arbitragem, Sérgio Corrêa.
COBRANÇA DA CBF
A CBF está pressionando os árbitros para que a recomendação seja seguida. Três homens do apito que aliviaram em jogos das duas primeiras rodadas ficaram fora do sorteio para a terceira, segundo o chefe da arbitragem.
- Tivemos na primeira rodada um árbitro que foi muito bem no jogo, mas deixou que um jogador ofendesse o assistente, sem repreensão. Na segunda rodada, mais dois árbitros deixaram. Por isso, ficaram fora do sorteio para a terceira - explicou Corrêa.
Depois da chamada de atenção, o número de cartões da terceira quase dobrou em relação à segunda, indo de 10 para 18. Na primeira rodada, foram sete amarelos por reclamação. Mas, de acordo com a CBF, não é para amarelar qualquer ponderação com o árbitro.
- Tivemos um pênalti no jogo entre Atlético-MG e Fluminense aos 43 do segundo tempo. Três jogadores do Atlético ficaram a uma distância razoável do árbitro, e falaram "acho que não foi". Uma coisa sem pressão, sem dedo na cara, encontrão. Depois do caso Petros, tivemos seis casos de trombada no árbitro. Virou moda no Brasil. Não vamos aceitar - completou Sérgio Corrêa, relembrando um caso polêmico de 2014, no qual o jogador foi punido pelo STJD com três partidas de gancho.
ATENÇÃO AOS TÉCNICOS
A reclamação dos técnicos também está na mira da CBF. No domingo, Gilson Kleina, da Ponte Preta, entrou em campo para fazer ponderações com Anderson Daronco logo após o fim do primeiro tempo e foi avisado no intervalo que tinha sido expulso.
- Se acabou o primeiro tempo e for conversar com o árbitro, se for treinador, já cometeu a primeira infração. Ele não pode entrar em campo. É proibido. Se entrar, está invadindo. Se for se dirigir ao árbitro sobre a arbitragem, ele está expulso. Para que que ele vai querer ir lá dizer, ainda que seja, "parabéns"? Invasão de campo e falar com arbitragem sobre o trabalho dele... Árbitro não fala com técnico "não bota esse cara não, porque ele é muito ruim" - explica Sérgio Corrêa.
Após a partida, o técnico se defendeu:
- Não ofendi, não disse nada. E ele falou que não era para voltar. Fica difícil trabalhar dessa maneira. Não estou interferindo, atrapalhando. Não reclamando em direção a ele. Se eu não posso gesticular, vou ficar lá de espantalho. Se eu ficasse xingando, ofendendo. Mas não foi isso que eu fiz - argumentou Kleina.
*LANCEPRESS