- Presencialmente ou pela TV, o Brasil parou para assistir à despedida do ídolo;
- Senna queria formar uma associação de pilotos para exigir mais segurança;
- Como foi a espera da família para receber o corpo do piloto;
- Há três décadas, projeto dá seguimento a um desejo de Ayrton.
Três títulos mundiais de Fórmula 1, 41 vitórias na categoria, ultrapassagens inesquecíveis, gestos para a história e amor do povo brasileiro. Esses são alguns dos legados deixados por Ayrton Senna, morto há 30 anos. O trágico acidente na curva Tamburello, no circuito de Ímola, na Itália, no dia 1º de maio de 1994, interrompeu a carreira de um dos maiores nomes do automobilismo de todos os tempos.
Na segunda-feira, dia seguinte à doutora Maria Tereza Fiandri, do Hospital Maggiore, em Bolonha, ter decretado a morte de Ayrton Senna, o sentimento era de profunda tristeza no esporte, no Brasil e em boa parte do mundo. Galvão Bueno, amigo pessoal do piloto e que esteve a todo momento após o acidente no hospital, disse que conversou com um dos diretores da TV Globo, que lhe pediu para fazer o encerramento do Jornal Nacional daquele dia.
O depoimento histórico no telejornal foi assim: Eu ontem conversei com Ayrton Senna, momentos antes da corrida, como de hábito acontecia há 10 anos. Falamos de motor, de combustível, de pneus, de tática de corrida e até aí nada de novo. Mas havia um brilho diferente nos seus olhos. Era um novo Senna, com misto de orgulho e alegria. Ele desviou o assunto e passou a explicar o seu novo sonho: a formação de uma associação de pilotos. Segundo suas próprias palavras, deveria ser criada não para contestar ou para atrapalhar, mas para ajudar na formação de uma nova Fórmula 1, que sustentasse a competitividade, mas respeitasse mais a vida do piloto.
Medidas de segurança
O sonho de mais respeito à vida dos pilotos, citado por Galvão, começou a ser colocado em prática e trouxe resultados para a Fórmula 1. Após o brasileiro, apenas um piloto morreu enquanto corria na categoria: o francês Jules Bianchi, em 2014, no GP do Japão. A F1 passou a adotar medidas de seguranças mais sérias, fez mudanças nos carros, nos circuitos e no treinamento de resgate. O resultado apareceu: 30 anos após Senna, apenas uma fatalidade. Nos 30 anos anteriores, a categoria havia presenciado 20 mortes nas pistas.
A promessa para a mãe de Senna
A partida do ídolo fez com que milhares de brasileiros sentissem a dor da perda, como se fosse um familiar próximo. No entanto, para a família, o sentimento é inexplicável. O irmão Leonardo estava junto na Itália. Abraçou Galvão Bueno e pediu para que o narrador e amigo seguisse próximo da família.
O corpo de Senna foi liberado pelo IML de Bolonha apenas dois dias depois do acidente. A ansiedade pelo retorno ao Brasil era grande.
— Eu queria voltar de todas as maneiras no mesmo voo que levou o corpo dele de Bolonha para Paris, e de Paris até São Paulo — conta o jornalista Lívio Oricchio, que estava trabalhando pelo jornal O Estado de São Paulo na época.
Com a liberação, chegou um pedido da mãe de Ayrton, dona Neyde Senna da Silva, para Galvão Bueno:
— O pedido dizia: "Eu não gostaria que meu filho, em hipótese alguma, voltasse como uma bagagem. Gostaria que ele voltasse como sempre, com amor, paixão e preocupação pelo Brasil" — lembra o narrador.
Em um voo da extinta Varig, conseguiram tirar os assentos da área central da classe executiva e colocaram o caixão de Senna coberto com uma bandeira do Brasil. Poucos passageiros daquele voo sabiam que o corpo de Ayrton estava lá, visto que dividiram a passagem entre as classes com uma cortina.
— Jornalistas e pessoas que sabiam que ele estava ali pediam para fazer orações para Senna. Teve até uma pessoa que se arrastou pelo chão para tocar no caixão e rezou por ele — conta Galvão, que passou boa parte da viagem contando histórias e os feitos do amigo.
A chegada a São Paulo
Havia gente dos dois lados da marginal e das avenidas. Acho que nunca houve uma mobilização como essa
LÍVIO ORICCHIO
Jornalista
O avião com o corpo de Senna chegou ao Aeroporto de Guarulhos no dia 4 de maio. Era uma quarta-feira pela manhã. Já se esperava uma grande comoção das pessoas com a chegada. Porém, não se imaginava que seria como foi. Lívio Oricchio conta que deixou o aeroporto e foi para sua casa. O velório, que foi realizado entre os dias 4 e 5 de maio, no edifício da Assembleia Legislativa, no Parque do Ibirapuera, recebeu cerca de 240 mil pessoas. Além disso, milhares de brasileiros acompanharam tudo pela TV.
— No caminho que eu fiz do aeroporto até minha casa, estamos falando de 30 quilômetros, havia gente dos dois lados da marginal e das avenidas. Acho que nunca houve uma mobilização como essa — relata Lívio.
Diversas personalidades da F1 compareceram ao velório e ao enterro de Senna. O antigo rival, o francês Alain Prost, pegou um voo de Paris até São Paulo e foi um dos responsáveis por carregar o caixão junto dos pilotos Gerhard Berger, Damon Hill e Rubens Barrichello, além do lendário Emerson Fittipaldi.
O legado do cidadão Ayrton Senna
— Deu para ver que o povo estava sofrendo com a morte. E a preocupação dele era justamente com o povo, principalmente com as crianças mais carentes, na questão da educação. Dois meses antes do acidente, ele pediu para sua irmã fundar o Instituto Ayrton Senna — conta Galvão.
O Instituto, inspirado nas vontades do tricampeão mundial de Fórmula 1, foi criado em novembro de 1994 e, há três décadas, ajuda a criar mais oportunidades para que todos possam desenvolver seu potencial. Viviane Senna, irmã de Ayrton, é a presidente e a responsável pelo projeto.
— Tem o legado esportivo, o maior piloto que eu vi e do ídolo mundial. E o legado do homem, do cidadão Ayrton Senna, por tudo que ele fez, o amor que ele tinha com o país dele e a preocupação principalmente com as crianças — diz o narrador.