Há anos, especialistas têm alertado sobre a possibilidade de um apagão de professores para atender às demandas da Educação Básica. O motivo da preocupação é o crescente desinteresse por carreiras ligadas à docência. O último Censo da Educação Superior, de 2022, apontou que há áreas que podem sofrer com a falta de profissionais em um futuro próximo. A situação não é diferente no Rio Grande do Sul.
Uma das áreas mais afetadas no Estado é Física, incluindo Educação a Distância (EAD). Em 10 anos, o número de matrículas nos cursos de Licenciatura desta área caiu 20%. Em 2013, eram cerca de mil alunos. O curso chegou a ter um pico em 2020, com 1,3 mil estudantes matriculados, mas passou para 858 em 2022, conforme o levantamento de GZH baseado em dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
História, Pedagogia e Letras – Língua Portuguesa seguem em alta, mas a área de Ciências da Natureza apresenta carências. Nos cursos de Biologia, houve queda de 31% nas matrículas, no mesmo período. Eram 4,3 mil matrículas em 2013, mas o número caiu para 2,9 mil em 2022. Quando se trata só dos cursos presenciais, os dados são ainda mais preocupantes. Nestes 10 anos, o ingresso em Licenciaturas presenciais no RS caiu 57%.
Foram registrados 16,6 mil ingressos em 2012 em cursos presenciais de formação de professores no RS, e somente 6,6 mil em 2022. Também caiu o número ativo de matrículas neste período. Eram 45,6 mil em 2012, mas passaram para 22,5 mil em 2022. Nesse período, o número de cursos presenciais diminuiu de 532 para 373.
Por outro lado, vem aumentando a oferta de cursos a distância no RS. Em 10 anos, abriram 7,5 mil. Esse fenômeno tem acontecido em todo o país, e não somente na área de formação de professores. Conforme os dados do Censo, mais de 80% dos alunos de Licenciaturas no país estão em cursos a distância. No total, aumentou em 28% o número de matrículas em Licenciaturas no RS, considerando os cursos EAD. O número passou de 69,4 mil, em 2012, para 89 mil em 2022.
Risco de déficit de professores no RS
Um grupo de pesquisadores do Inep afirma que a formação atual já é insuficiente para a demanda necessária. De acordo com o estudo “Carência de professores na Educação Básica”, divulgado em dezembro, as áreas mais críticas no país são Física, línguas estrangeiras, Artes e Matemática. O mesmo problema foi apontado por pesquisa do Instituto Semesp, de 2022, que diz que o déficit de professores na Educação Básica pode chegar a 235 mil em 2040.
Para o professor da Faculdade de Educação Sérgio Franco, que pesquisa sobre o tema na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é preciso agir com urgência para que esse problema não aconteça.
— Se não fizermos nada em 10 anos, a situação das escolas do Estado será desesperadora, em termos de quadro de professores. E esse problema deve atingir primeiro as áreas mais periféricas do RS. Mas o direito à educação é para todos, não só para quem está na região central — destaca.
Segundo ele, um dos grandes problemas é a má distribuição dos cursos de formação de professores no RS. Com grande quantidade de vagas concentradas na região central, faltam oportunidades para quem quer ser professor no Interior. Ele destaca a inexistência de cursos presenciais de Geografia na região das Missões, por exemplo, e o alto custo de manutenção de laboratórios de Biologia, que contribui para o encerramento de formações presenciais.
Com isso, muitos buscam cursos EAD, que garantem mais comodidade e não exigem deslocamento para grandes centros urbanos. O que preocupa os especialistas é a qualidade destes cursos, que muitas vezes priorizam a teoria e deixam de lado atividades práticas, como projetos de extensão e experiência em sala de aula, importantes para a formação.
Desvalorização da carreira
Para Franco, que é presidente da Associação de Escolas Superiores de Formação de Profissionais do Ensino, a solução passa pelo planejamento de ações permanentes com a articulação entre universidades e as redes de educação, tanto na esfera estadual quanto municipal, e as iniciativas que já existem não são suficientes para resolver o problema.
— A carreira docente não é atrativa e não se pode jogar esta responsabilidade nos cursos de formação inicial de professores. Baixos salários, alta demanda de carga-horária de sala de aula, aliada a várias outras atividades que fazem parte do trabalho docente, resulta em professores e professoras que trabalham mais de 50 ou 60 horas semanais, inclusive durante finais de semana, abdicando de sua vida familiar — diz Alexander Montero Cunha, coordenador da Coordenadoria das Licenciaturas (Coorlicen) da UFRGS.
Ele argumenta que é necessário valorizar a carreira e garantir melhores condições de trabalho aos profissionais do magistério. No segundo semestre deste ano, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) deve realizar concurso público para selecionar 3 mil servidores.
Com o processo seletivo realizado no ano passado, foram designados 1,3 mil novos professores para atuar nas escolas da rede. Atualmente, 24 mil professores da rede têm contratos temporários. No total, 51% são efetivos e 49% temporários, conforme a secretaria.
No entanto, instituições de ensino têm reclamado de falta de docentes no quadro. É o caso do Colégio Estadual Júlio de Castilhos, um dos mais tradicionais de Porto Alegre, que começou o ano letivo de 2024 com uma turma de 2º ano do Ensino Médio sem professor de Matemática.
Os professores também precisam de estímulos, e isso se dá pela valorização da profissão, condição de trabalho, apoio da família e da sociedade.
FERNANDA SCHMIDT GAIESKI
Diretora do Colégio Estadual Júlio de Castilhos
— Observa-se um rompimento no ciclo do aprendizado, dificilmente recuperável, porque o aprendizado é um ato contínuo e que precisa ser estimulado. Os professores também precisam de estímulos, e isso se dá pela valorização da profissão, condição de trabalho, apoio da família e da sociedade. Vemos esse fenômeno acontecendo ano após ano — diz a diretora da escola, Fernanda Schmidt Gaieski.
Impacto nas instituições de ensino
Recentemente, o governo do Estado lançou o programa Professor do Amanhã, na tentativa de fortalecer o quadro de professores para suprir carências da rede pública do RS. Por meio da iniciativa, serão disponibilizadas mil bolsas de Licenciaturas. O edital não contempla Física e Química, que são áreas carentes, mas oferece vagas para quem deseja estudar História, Letras, Biologia, Geografia e Matemática. No momento, as 11 universidades participantes estão realizando processos seletivos para distribuir as vagas.
As oportunidades são para cursos presenciais em instituições comunitárias, que sofreram com o déficit de alunos nos cursos de formação de professores, mas muitas delas fecharam turmas por conta disso. É o caso da Universidade de Cruz Alta (Unicruz), que encerrou todos os cursos de Licenciatura em função da ausência de demanda. Na Universidade Católica de Pelotas (UCPel), uma das mais antigas do Interior, a única Licenciatura é em Pedagogia, atualmente, ofertada na modalidade EAD.
A Universidade La Salle (Unilasalle), por exemplo, já teve uma média de 2,5 mil alunos em Licenciaturas presenciais até 2012, mas hoje tem cerca de 300 matrículas nessa área. A instituição tem tradição na formação de professores e tinha cursos que eram motivo de orgulho, mas foram minguando com o passar dos anos, segundo o reitor.
— No presencial ainda temos Letras, História e Pedagogia, mas o restante migrou para o EAD. Antes tínhamos Geografia, Química, Física. Eu fechei o próprio curso em que me formei na Unilasalle, de Filosofia. E mesmo no EAD, os números são pequenos. É um cenário complicado, esse movimento vem acontecendo há mais de 10 anos — diz o professor Cledes Antonio Casagrande.
Com as oportunidades garantidas pelo Professor do Amanhã, a instituição deve abrir novas turmas de História e Letras – Português, com mais 100 estudantes. A universidade também é beneficiada pelo Programa Institucional de Fomento e Indução da Inovação da Formação Inicial e Continuada de Professores e Diretores Escolares (Pril), do governo federal.
Na UFRGS, a baixa adesão aos cursos superiores é generalizada. Dos 21 cursos que tiveram vagas ociosas no último vestibular, cinco são de Licenciatura, de acordo com o professor Alexander, da Coorlicen. Para ele, o aumento da evasão e da baixa procura foi alavancado pelo avanço dos cursos EAD. Já na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), em 2023, todas as Licenciaturas ofertadas tiveram 100% de preenchimento.
*Colaborou Beatriz Coan