Nos últimos meses, um debate fundamental para o futuro do país motivou críticas e apoios, passou por idas e vindas e adentra o novo ano envolto em polêmica. A discussão sobre a reforma do Ensino Médio levou a propostas de ajustes no modelo aprovado ainda em 2017, durante o governo de Michel Temer, que deverão ser encaminhadas para votação em breve no Congresso Nacional.
Alvo de contestações por parte de estudantes e especialistas devido à redução na carga horária de disciplinas como Português e Matemática, o novo modelo foi reavaliado pelo Ministério da Educação (MEC) com o objetivo de reverter parte das modificações. Um projeto de revisão encaminhado pelo governo federal ao Congresso, porém, esbarra na intenção do relator da matéria na Câmara, o deputado federal Mendonça Filho (União-PE, o mesmo que implantou a mudança como ministro de Temer), e de parte dos secretários estaduais de limitar o tempo dedicado às disciplinas tradicionais para não esvaziar o ensino técnico. As incertezas sobre os rumos desse nível de ensino marcaram o ano e seguem despertando preocupação entre estudantes prestes a concluir a Educação Básica.
As controvérsias tiveram início quando o antigo Ensino Médio começou a ser reformulado, em etapas, a partir da legislação aprovada seis anos atrás. Em resumo, o novo modelo ampliou o tempo mínimo a ser passado na escola de 800 para 1 mil horas anuais, totalizando 3 mil horas ao longo de todo o período. Porém, reduziu a carga das disciplinas da formação básica (como Português, Matemática ou História) de 2,4 mil horas para 1,8 mil horas durante os três anos de curso. Disciplinas como Sociologia, Filosofia, Artes e Educação Física, entre outras, foram podadas. O tempo a mais obtido com esses cortes e com o aumento geral das horas-aula foi destinado a uma parte flexível do currículo, que varia conforme o interesse do aluno em uma das áreas disponíveis, chamadas de itinerários ou percursos: matemática, linguagens, ciências da natureza, ciências humanas e sociais ou formação técnica e profissional.
– Essas mudanças foram feitas no governo Temer por meio de medida provisória, sob a justificativa de que eram urgentes, de forma que estudantes, professores e pesquisadores da educação não participaram das discussões. O modelo adotado trouxe uma série de problemas como o enxugamento dos conhecimentos científicos e humanistas – afirma a pedagoga, jornalista e doutoranda em Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Ângela Chagas, que pesquisa a implementação do novo Ensino Médio na rede estadual gaúcha.
A proposta encaminhada pela atual gestão do MEC ao Congresso previa o retorno da carga horária das disciplinais tradicionais ao patamar de 2,4 mil horas, a volta da obrigatoriedade do ensino de língua espanhola e restrições ao ensino a distância (EAD). O relator Mendonça Filho, porém, contrariou o governo federal, alterando o texto da contrarreforma para 2,1 mil horas da formação básica, além de retirar novamente a obrigatoriedade do espanhol e contemplar o EAD. O desenho final que o Ensino Médio brasileiro terá, porém, depende da conclusão da tramitação no Congresso e permanece desconhecido – após o parecer do relator, o regime de urgência foi retirado pelo governo e não há prazo para a votação em plenário.
Ângela Chagas sustenta que, na prática, muitas escolas enfrentam hoje dificuldades para oferecer diferentes opções de itinerários de formação, e que a redução na carga horária das disciplinas tradicionais compromete a formação dos alunos e a preparação para provas do Enem ou de vestibulares. Como escolas particulares têm mais facilidade para compensar essa diminuição com lições extras, na prática o novo modelo aprofundaria desigualdades sociais, conforme a pesquisadora. As mudanças começaram a entrar em vigor em 2022, pelo 1º ano do Ensino Médio, chegaram ao 2º ano agora e devem abranger todo o período previsto em 2024. O ministério já informou que, por questão de prazos, eventuais correções só deverão entrar em vigor em 2025.
– Não sabemos quanto tempo vai levar a tramitação (do projeto de ajustes no Congresso), tem emendas a serem analisadas. A preocupação mais urgente é em relação aos estudantes que estarão no 3º ano do Ensino Médio no ano que vem e não devem pegar as novas alterações (em razão do prazo necessário para implantá-las após aprovadas). Esses alunos terão uma redução ainda maior na formação geral, justamente no ano em que fazem o Enem. No terceiro ano, não terão aula de Espanhol, Literatura, Filosofia ou Sociologia, que são muito importantes para a UFRGS, por exemplo – complementa Ângela.
Há, porém, quem entenda que a reforma aprovada em 2017 traz impactos positivos – ou que, pelo menos, deveria ser implantada na íntegra e analisada por um período mais longo antes de ser novamente modificada.
– O que deveria pesar é se os alunos aprendem mais ou menos com a reforma que foi implementada. Mas, quando mal começamos a implementar, já interrompemos o processo e começamos a revisá-lo. O sentido principal da reforma, que é permitir que o aluno siga para um curso superior, se desejar, mas também facilitar o acesso a cursos profissionalizantes, com diversas possibilidades de itinerários que permitem se adequar ao mercado mais rapidamente, é positivo – analisa o CEO do Transforma RS, membro do grupo estratégico do Pacto pela Educação e ex-secretário estadual da Educação, Ronald Krummenauer.
Uma das fontes de resistência à tentativa do MEC de reverter parte das modificações trazidas pela reforma do Ensino Médio de 2017, ainda em fase de implantação, são secretários estaduais de Educação. No final de novembro, representantes de alguns Estados, a exemplo de São Paulo e Paraná, se reuniram com o relator do projeto de revisão do Ensino Médio na Câmara, Mendonça Filho, e manifestaram apoio à redução da carga das disciplinas de formação geral de 2,4 mil para 2,1 mil horas mesmo para os estudantes que optarem pela grade normal em vez do ensino técnico.
Pela proposta do MEC, a carga seria de 2,1 mil horas para quem optasse pela formação técnica, e de 2,4 mil para os demais. O ajuste a ser encaminhado por Mendonça Filho, com a concordância de parte do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Condes), padronizaria o tempo dedicado às disciplinas tradicionais para todos os alunos, independentemente da trilha escolhida. A intenção seria garantir igualdade de conteúdo para todos os casos.
Se a versão de Mendonça Filho prevalecer sobre a intenção do governo federal, os alunos ainda teriam um acréscimo na duração das matérias de formação geral, a exemplo de Português e Matemática, em relação às 1,8 mil horas aprovadas na reforma de 2017. Porém, o aumento seria menor do que o Planalto – e parte dos especialistas em educação – gostaria de ver nas escolas brasileiras.
Como o Ensino Médio ficou com a reforma de 2017
- 1,8 mil horas para as disciplinas obrigatórias e 1,2 mil horas para as optativas (itinerários formativos escolhidos pelo aluno).
Como o governo Lula pretende que fique
- 2,4 mil horas para as disciplinas obrigatórias e 600 para as optativas.
Como ficou o parecer do relator do projeto, Mendonça Filho (União-PE)
- 2,1 mil horas para as disciplinas obrigatórias e 900 para as optativas.