Nas últimas semanas, discussões sobre a guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas têm se alastrado pelas redes sociais. De lá, chegam de diferentes maneiras até as escolas: por meio de dúvidas e debates a simulações e aulas abertas, sendo guiadas pelos principais agentes de esclarecimento dos jovens – os professores.
Os alunos querem entender o que está acontecendo, conforme Artur Bergelt, professor de Geografia do Colégio João XXIII, de Porto Alegre. Ainda que seja conteúdo previsto em algumas séries, o tema tem surgido a partir dos próprios estudantes. Portanto, quando as dúvidas aparecem, os docentes buscam esclarecê-las.
— O que dá para perceber é que os estudantes muitas vezes não conhecem quem são esses personagens, tanto do Estado de Israel quanto do território palestino. Então, a intenção em sala de aula, quando eles trazem as dúvidas, é justamente fazer uma espécie de um glossário, explicando essas questões. As dúvidas deles também são em relação à criação do Estado de Israel, do surgimento do Hamas, como é que se organiza a estrutura palestina e a israelense — afirma.
Em função do conflito, na disciplina eletiva sobre Relações Internacionais, a turma de Bergelt decidiu realizar simulação de uma reunião do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para discutir a situação atual – como as que têm ocorrido desde o início do conflito. Cada estudante representará um país e haverá a busca da elaboração de uma resolução que consiga atender a todos os interesses.
Da mesma forma, o Colégio Marista Rosário, da Capital, que tem um clube de Relações Internacionais, busca dar espaço a questões de geopolítica.
— O interesse é grande e também acho que é importante perceber que o Rosário é uma escola muito plural. A gente tem muitas famílias de origem judaica, de religião muçulmana e de origem do Oriente Médio, seja da própria Palestina ou de países próximos — afirma Fábio Guadagnin, professor de Geografia.
Acima de tudo, para Guadagnin, o mais importante é aprender a sentir a dor do outro – inclusive para pensar a proposição de resoluções.
— Entender que do outro lado, seja qual for, há seres humanos sofrendo. E tem sido bastante essa a tônica aqui nas nossas aulas, tentar mostrar para os nossos estudantes que não há resposta simples. Mostrar que há motivações que precisam ser compreendidas. A gente não precisa concordar, mas a gente precisa compreender para não cair nessa armadilha de achar que alguém comete um ato violento só porque é mau — explica.
A pergunta mais ouvida pelos professores é sobre a possibilidade de uma terceira guerra mundial. Os mais interessados no tema são alunos do 9º ano do Ensino Fundamental e do 1º e 2º anos do Ensino Médio, segundo Guadagnin – estudantes do 3º ano, por sua vez, estão mais focados no vestibular e no Enem neste momento. Percebendo o anseio em debater o tema, o Colégio Marista Rosário organizou uma aula aberta, no dia 19 de outubro, sobre a guerra.
— É um conflito com muitas camadas de história, e qualquer forma reducionista de abordar isso é um erro — salienta.
Polarização: das redes sociais à sala de aula
No Colégio Estadual Júlio de Castilhos, de Porto Alegre, a comunidade escolar também vem debatendo o tema. Vice-diretora e professora de História, Paola Ribeiro relata que o objetivo é dar uma visão de historicidade do conflito, de um ponto de vista sempre humanitário.
A questão gera bastante confusão, à medida que os alunos acessam notícias que retratam visões polarizadas, segundo a professora. Nesse sentido, o docente do Colégio João XXIII percebe uma tentativa de posicionamento a favor de Israel ou da Palestina junto às dúvidas sobre o que realmente está acontecendo – com informações baseadas, muitas vezes, nas redes sociais, como também aponta Guadagnin, professor do Rosário.
— Eles vêm com desinformação, até os nossos alunos não vêm tanto, mas já com posicionamento — declara Bergelt.
No Colégio Estadual Protásio Alves, também da Capital, o professor de História Carlos Dias não percebeu nenhum posicionamento por parte dos alunos do terceiro ano, para o qual leciona. Em função da guerra e do interesse, o professor optou por antecipar o tópico da questão palestina e a tensão com o Estado de Israel. Para o docente, entender essa relação entre presente e passado é mais importante do que se posicionar.
— É bem difícil. Porque tem alguns alunos, por exemplo, que são mais religiosos, outros que têm uma posição um pouco mais crítica. Então, tem essa diversidade, que eu acho maravilhosa — relata.
Escola, a fonte mais confiável
Na segunda-feira (23), a aula da disciplina eletiva de Relações Internacionais do Ensino Médio do Colégio João XXIII abordou a guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas. A aluna Rafaela Oliveira, 16 anos, tem acompanhado o desenrolar do conflito pela internet.
— Vejo muita desinformação, muita propaganda de ambos os lados, tem gente que defende alguma coisa e começa a inventar fake news. E eu tenho Twitter (atual X), mas eu não me informo por ele. Tem de sempre ter a fonte, ver de onde que veio, confirmar a informação — destaca, mencionando ainda o extremismo envolvendo o conflito.
A jovem avalia como positiva a abordagem do assunto em sala de aula:
— A escola é a fonte mais confiável de informação que a gente tem.
Já a colega Giovana Vicari, 16, não utiliza tanto as redes sociais e se informa mais sobre o conflito por meio dos jornais e de sua família, já que sua madrasta é judia. A jovem estudante também considera importante ter uma noção básica de política internacional.
— Todos os conflitos deveriam ser abordados, tanto esse quanto outras guerras que acontecem em países que têm uma economia menos importante, mas esse é importante, porque nos afeta mais econômica e politicamente. Israel é um país muito forte politicamente — expõe.
O papel do professor
Nesse contexto, mais do que debater o conflito, o papel do professor é ajudar os estudantes a entender o problema, buscando ser um agente de esclarecimento e apresentando informações adequadas.
— A primeira coisa é não tomar um lado, mas fazer uma defesa incondicional dos direitos humanos, e obviamente esclarecer todas as dúvidas dos estudantes. Trazer essas informações e fazer os alunos tirarem suas próprias conclusões, é isso que a gente faz na escola — afirma Bergelt.
Para isso, os docentes têm tentado mostrar que é importante aprender a diferenciar o verbo explicar do verbo convencer – que é o que os conteúdos provenientes de redes sociais tendem a fazer, alerta Guadagnin. Tudo isso, é claro, com a consciência da dimensão da complexidade do conflito, somada à honestidade e à humildade em reconhecer que o professor, ao mesmo tempo, não tem todas as respostas.
— É ficar duas horas explicando para o aluno, olhar para ele com toda a sinceridade do mundo e dizer: eu não sei quem está certo. Talvez estejam todos errados — pondera.