Localizar a informação principal em reportagens e reconhecer a ideia comum e opiniões divergentes sobre o mesmo tema são algumas das habilidades consideradas adequadas para um aluno de 3º ano do Ensino Médio. Mais de sete em cada 10 estudantes desta etapa em escolas municipais e estaduais, contudo, não atingiram esse nível de proficiência em Língua Portuguesa em 2022.
A avaliação, que aplica testes de Matemática e Língua Portuguesa e não ocorria desde 2018, indicou uma piora gradual – proporcionalmente ao que se espera de uma pessoa daquela série – conforme os alunos vão passando de ano. Se no 2º ano do Ensino Fundamental o desempenho de 54% foi adequado à etapa ou avançado, o percentual cai para 51% entre os estudantes do 5º ano, para 30,2% entre os do 9º ano e para 27,3% para os do 3º ano do Ensino Médio.
Como as séries avaliadas foram diferentes das que participaram em outros anos do Saers, não é possível fazer uma comparação de desempenho e saber se os estudantes gaúchos têm se saído melhor ou pior do que nas edições de 2018, 2016 e 2011, por exemplo. Para ter uma série histórica, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) tem utilizado os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), do governo federal. A última edição da prova nacional ocorreu em 2021 e apontou um aumento de 19% no índice de estudantes do 2º ano do Ensino Fundamental que não sabiam ler nem mesmo palavras separadamente.
Segundo Marcelo Jerônimo, subsecretário de Desenvolvimento da Educação da Seduc, a tendência de piora no desempenho de estudantes de todas as etapas, sentida fortemente no Saeb de 2021, foi reduzida no Saers de 2022.
— Percebemos que a tendência de queda no desempenho de 2021 se estabilizou, o que já é algo positivo. No entanto, ela se estabilizou, ainda, em patamares não adequados. É de se comemorar que não estejamos caindo, mas é de se preocupar que ainda não estejamos nos saindo melhor, porque, antes da pandemia, estávamos avançando — observa Jerônimo.
Para além dos efeitos da pandemia, contudo, a pasta identifica uma tendência de estagnação no desempenho em Língua Portuguesa em algumas séries. Para que isso mude, trabalha em um planejamento estratégico – foram realizadas oficinas sobre os resultados do Saers em todas as Coordenadorias Regionais de Educação (CREs), com orientações a serem repassadas aos professores, a fim de serem construídos planos de ação.
— Todas as escolas, hoje, têm planos de ação específicos, a partir dos resultados do Saers, para definirem quais habilidades precisam ser desenvolvidas em cada série e ano — ressalta o subsecretário.
Além disso, a Seduc elabora um material de suporte pedagógico que apoiará os professores nesse trabalho. As cartilhas, que devem ser entregues até agosto, focarão em Língua Portuguesa e Matemática. Mesmo assim, Jerônimo sinaliza a importância de as escolas terem um olhar para os seus próprios universos:
— A Seduc tem um olhar mais geral, mas é importante que as escolas foquem em seus universos, em relação a esse programa mais geral. Nem todos têm os mesmos desafios, e, pelo Saers, ter o contexto, e não só a nota pela nota.
Desenvolvimento de leitura e escrita
Um dos focos do material que está sendo desenvolvido pela Seduc é o desenvolvimento da leitura e da escrita pelos alunos, o que é justamente o que Dorotea Kersch, professora de Linguística Aplicada da Universidade do Vale do Sinos (Unisinos), indica como prioridade.
— Está claro que o ensino pautado só na gramática tradicional não está respondendo. Não sei se alguma vez ele respondeu, mas, hoje, certamente não está dando conta da complexidade do que é ler e escrever e o que se espera que o aluno seja capaz de fazer após X anos de escolarização — pontua a docente.
Na opinião de Dorotea, a escola ainda trabalha pouco a leitura e a escrita, e esse é o motivo para os baixos desempenhos em provas como o Saers.
— Se tu lês e escreves pouco, o resultado não vai ser outro, porque ler e escrever tu só aprendes, mesmo, na prática. E precisa ser leitura e escrita de coisas significativas, dentro de projetos que motivem os alunos, e com um feedback constante — defende a professora.
A docente ressalta, ainda, que é preciso trabalhar os componentes curriculares a partir de uma perspectiva “mais integradora, que vá ao encontro dos interesses do aluno”, sem decidir por ele o assunto que irá estudar. Esse processo pode ser feito por meio de projetos, por exemplo, nos quais diferentes temas sejam trabalhados de forma interdisciplinar.
Dorotea considera “louvável” a iniciativa da Seduc de, no ano passado, promover o programa Aprende Mais, de apoio aos professores no processo de recuperação da aprendizagem perdida ao longo da pandemia.
— É uma iniciativa que teria que se repetir de forma contínua, porque todas as profissões vão se especializando e, na escola, o professor não tem tempo nem de ler as obras que deve pedir para os alunos — salienta a professora.
O que significam os níveis de proficiência
No caso dos alunos de 2º ano do Ensino Fundamental, é analisado o processo de alfabetização das crianças. Nessa etapa, é considerado adequado que o estudante consiga, por exemplo, identificar o número de sílabas de uma palavra e reconheça rimas em poemas, além de escrever frases curtas e simples, mesmo que sem pontuação ou iniciais maiúsculas. No entanto, 46% dos participantes do Saers dessa etapa não alcançaram esse nível de proficiência. Desse percentual, dois em cada cinco sequer conseguem, ainda, identificar sons iniciais e/ou finais de palavras e usar uma página adequadamente, respeitando suas margens.
Já de alunos do 5º ano, é esperado que consigam localizar, por exemplo, informações explícitas em contos, reportagens, fábulas e propagandas, além de reconhecer uma fábula e identificar a finalidade de textos informativos. Isso não aconteceu, porém, com 49% dos participantes do Saers dessa série. Desses, em torno de dois em cada cinco também não identificam o personagem principal de histórias, entre outras dificuldades.
Entre os estudantes de 9º ano, o percentual abaixo do nível considerado adequado já abrange a maioria dos participantes – 69,8% tiveram proficiência básica ou abaixo do básico, ficando 48,7% no básico e 21,1% abaixo do básico. Crianças com proficiência tida como adequada nessa etapa conseguiriam, por exemplo, localizar informações explícitas em artigos de opinião e crônicas, reconhecer um gênero textual e reconhecer opiniões distintas sobre o mesmo assunto em reportagens, contos e enquetes.
A situação mais grave é entre as turmas de 3º ano do Ensino Médio, última série da fase escolar. Em outubro de 2022, faltando dois meses para concluir o ano letivo, 72,7% dos alunos que participaram do Saers tiveram desempenho inadequado e ficaram com níveis de proficiência nas categorias básico e abaixo do básico.
O resultado sugere que muitos se formaram sem habilidades como localizar a informação principal em reportagens, diferenciar a abordagem do mesmo tema em textos de gêneros distintos, reconhecer a ideia comum e opiniões divergentes sobre o mesmo tema e identificar a ideia principal e a finalidade em notícias, reportagens e resenhas. E ainda: 37,7% dos participantes sequer conseguiram diferenciar fatos de opiniões em artigos, reportagens e resenhas, reconhecer o gênero reportagem e entender o efeito do uso de aspas em crônicas.