O Ensino Médio precisa de mais do que reforma curricular. Para tornar a etapa mais atrativa para os jovens e melhorar qualidade, é necessário apoio à infraestrutura física e pedagógica das escolas, além do investimento na formação de professores.
— Imaginamos que apenas alterar o currículo, como uma varinha de condão, daria conta de todos os problemas do ensino médio. Mas isso não é verdade — afirma Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) que participou do quarto meetpoint da série "Reconstrução da Educação", promovida pelo Estadão.
O evento debateu o amplo quadro de desafios que atinge o Ensino Médio, desde o novo currículo até a formação de professores e o combate à evasão escolar. Aprovada no governo Michel Temer, a Lei nº 13.415/2017, conhecida como Lei do Novo Ensino Médio, instituiu uma reforma curricular que ampliou a carga horária e levou à flexibilização da grade com os chamados itinerários formativos, que permitem ao estudante se aprofundar em disciplinas que façam sentido à trajetória.
Diante de críticas de educadores, estudantes e demais profissionais da área, o governo Lula suspendeu por 60 dias o calendário de implementação do Novo Ensino Médio, que até agora foi introduzido somente para estudantes do primeiro ano. No mês passado, o Ministério da Educação (MEC) iniciou uma consulta pública com o objetivo de ouvir a sociedade civil e a comunidade escolar a respeito do tema. Até o momento, 3 mil pessoas já colaboraram.
Discussão necessária
— Essa é uma lei que não foi discutida com segmentos da comunidade escolar. Precisamos discutir mais, uma oportunidade de participar e verificar o que deve ser alterado — afirma Alexsandro Santos, diretor de Políticas e Diretrizes da Educação Integral Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC).
Ele chama atenção para a necessidade de ouvir especialistas e, principalmente, a comunidade escolar, que ficou à margem da discussão em 2017.
De acordo com Santos, a principal fragilidade do novo Ensino Médio decorre de uma aposta exclusiva na via da reforma curricular, quando essas modificações exigem um esforço articulado de apoio à infraestrutura física e pedagógica das escolas, além da formação de professores:
— A reforma não pode deixar de discutir uma política social em perspectiva intersetorial, como uma política de permanência estudantil, com bolsa para jovens, por exemplo. Isso está sendo discutido pelo MEC.
Essa é uma lei que não foi discutida com segmentos da comunidade escolar. Precisamos discutir mais, uma oportunidade de participar e verificar o que deve ser alterado.
ALEXSANDRO SANTOS
Diretor de Políticas e Diretrizes da Educação Integral Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC)
Heleno Araújo, que também defende a revogação da Lei do Novo Ensino Médio, corrobora a crítica de Santos. Para ele, é preciso solucionar desafios que persistem na educação desde antes da reforma, como a má formação de professores.
— Um em cada quatro professores de Matemática e Português não possui licenciatura na área, e três em cada quatro professores de Física dão aula sem serem licenciados na disciplina. Há problemas sérios que devem ser corrigidos — diz o presidente da CNTE.
Além disso, a oferta dos itinerários precisa ser mais responsável para evitar a desigualdade que atinge, principalmente, escolas públicas em regiões menos desenvolvidas do país. Se em escolas privadas ou de redes públicas mais estruturadas o estudante consegue ter acesso a um cardápio que atende aos seus interesses, nos contextos mais escassos, as oportunidades também rareiam.
Sem atropelos
Secretária de Educação do Rio Grande do Sul, Raquel Teixeira acredita que, antes de se propor uma nova reforma, é preciso esperar o fim do ciclo atual, o que possibilitará uma avaliação mais concreta dos resultados.
— Não está na hora de revogar. Só é possível analisar os resultados da reforma depois de pelo menos três anos completos. É um ciclo. Nos segundos anos do Ensino Médio, temos somente três meses de vivência dos itinerários — disse ela.
É nesses itinerários formativos, defende a secretária, que está um dos principais avanços propostos pela lei. Dentro desse modelo, o estudante pode compor seu próprio currículo a partir de disciplinas e projetos que contemplem seus objetivos, para além das disciplinas obrigatórias. Assim, lembra Raquel, é possível equilibrar uma formação voltada ao ensino superior com a educação profissional, preparando os alunos para os desafios do atual mercado de trabalho.
— A grande motivação desse projeto foi romper o ciclo de desigualdade, ajudando o aluno de nível socioeconômico mais baixo a fazer escolhas adequadas. Por isso o foco no protagonismo, nos itinerários e na sua capacidade de escolha — diz.
Escola mais atrativa
Considerando a alta taxa de evasão escolar que atinge o ensino médio desde antes da pandemia de covid-19, Raquel pontua que a principal preocupação da reforma do ensino médio é transformar a escola em um espaço mais atrativo aos alunos.
— O Ensino Médio no Brasil nunca teve identidade própria, ele era uma ponte de preparação para a universidade. Só que apenas 20% desses jovens vão à universidade, enquanto 80% ou não terminam ou não estão preparados para a carreira que escolherem — afirma.
Uma pesquisa do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que a falta de motivação dos estudantes é responsável por quase metade dos casos de evasão escolar no Brasil, o que hoje afeta mais de 2 milhões de crianças e adolescentes no país.
— O Ensino Médio anterior não nos atende. As 15 disciplinas obrigatórias em quatro horas provocaram baixíssima aprendizagem e altíssimo abandono — diz Raquel.
O Ensino Médio anterior não nos atende. As 15 disciplinas obrigatórias em quatro horas provocaram baixíssima aprendizagem e altíssimo abandono.
RAQUEL TEIXEIRA
Secretária de Educação do Rio Grande do Sul
Mesmo tendo esses desafios pela frente, ao olhar no retrovisor, o país se depara com um cenário que, até poucas décadas atrás, era muito mais preocupante.
— A foto é ruim, mas o filme nem tanto. O Brasil entrou com cem anos de atraso em relação ao resto do mundo. Quando eu fiz o ensino médio, cerca de 10% da população tinha acesso, era restrito a uma elite. Nos últimos 40 anos, nós universalizamos o acesso à educação no país — afirma a secretária de Educação do Rio Grande do Sul.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.